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segunda-feira, 26 de maio de 2025

Análise: Alack Sinner - Bófia ou Detetive

Alack Sinner - Bófia ou Detetive, de Muñoz e Sampayo - Devir

Alack Sinner - Bófia ou Detetive, de Muñoz e Sampayo - Devir
Alack Sinner - Bófia ou Detetive, de Muñoz e Sampayo

A segunda obra lançada na Coleção Angoulême, que a Devir tem vindo a editar neste ano, não só é um clássico da banda desenhada sul-americana, como um clássico da banda desenhada internacional que muito influenciou outras obras que lhe sucederam. Falo de Alack Sinner, que é da autoria de José Muñoz e Carlos Sampayo.

Esta obra emblemática da banda desenhada noir, uma série da qual este livro lançado pela Devir é o segundo de um total de sete volumes, mistura crítica social e política, ao mesmo tempo que tem um estilo gráfico singular, que ainda hoje impacta pela sua original utilização do preto e branco puro.

Esta obra com mais de 40 anos tem como protagonista o detetive particular Alack Sinner, um ex-polícia cínico, solitário e introspectivo que opera numa Nova Iorque infestada de decadência, injustiça e corrupção. Além de ser uma narrativa policial protagonizada por uma cativante personagem desencantada com a vida, a obra consegue ir além dessa valência, procurando ser igualmente uma crónica sobre a condição humana e sobre a sociedade contemporânea. E mesmo passadas várias décadas desde o seu lançamento, é um daqueles livros que envelheceu bem e que se mantém atual e relevante no tempo atual.

Alack Sinner - Bófia ou Detetive, de Muñoz e Sampayo - Devir
Para isso, também contribui o facto do protagonista, Alack Sinner, ser uma figura que foge aos arquétipos convencionais do "detetive-herói". Ao contrário de outras personagens de histórias de detetives, Alack Sinner é imperfeito, alcóolico, melancólico, contraditório e em constante transformação ao longo dos capítulos. E chamo a atenção para esta última característica da personagem. À medida que vamos avançando no livro (e relembro que este é apenas um de sete volumes) vamos vendo uma personagem em mutação constante, que se vai definindo aos poucos. Se isso é interessante e enriquecedor para o leitor, pois está perante uma personagem multidimensional e, consequentemente, muito (mais) verossímil, a verdade é que isso também causa uma certa aleatoriedade, quer na personagem, quer nas suas aventuras que nos são apresentadas como histórias avulsas, embora com alguma ligação entre si. 

E é especificamente a primeira história - ou o primeiro capítulo - deste Bófia ou Detetive, em que Alack Sinner, ainda polícia em atividade, se vê confrontado com um classe trabalhadora corrupta que silencia aqueles que querem acusar as corrupções existentes no seio da polícia, que eleva a obra para um patamar cimeiro. Há toda um dicotomia nesta primeira vivência da personagem, que faz com que a leitura seja impactante e enriquecedora. O facto da sua jornada profissional se misturar com a sua trajetória pessoal, em que as questões éticas o invadem, faz da obra uma banda desenhada quase existencial e filosófica. Alack Sinner acaba por ser mais vítima do que herói, numa abordagem desencantada que aproxima o leitor da experiência realista e amarga de viver numa sociedade desigual.

Alack Sinner - Bófia ou Detetive, de Muñoz e Sampayo - Devir
A crítica social está bem presente em toda a obra: temas como o racismo, a desigualdade, a violência policial, a guerra, o capitalismo predatório e a alienação das pessoas no meio urbano são presença constante. A cidade de Nova Iorque é-nos dada como um local onde os marginalizados não têm voz e os poderosos se mantêm impunes. A denúncia política é feita sem grandes dramatismos ou atitudes panfletárias, através da mera representação da vida quotidiana como ela é e dos casos que Sinner investiga, que muitas vezes revelam mais sobre a falência do sistema do que sobre o crime em si.

Há um certo charme nestas histórias - ou não fosse esta uma história noir - que é sublinhado pela  música - o jazz em particular - que atravessa a obra como elemento estético e simbólico. Sinner frequenta bares onde músicos tocam temas melancólicos que dialogam com o estado de espírito das personagens. Essa ligação com o jazz remete à improvisação e à fluidez narrativa da obra, o que reflete o que já referi acima: há um lado bom em ler estas histórias, pois não sabemos bem para onde as mesmas nos vão levar -, mas também há um lado menos positivo: lá por adorarmos uma curta história que nos aparece, isso não quer dizer que não possamos achar enfadonha ou desinspirada a história seguinte. Mas assim é a vida e é isso que mais admiro na obra Alack Sinner, pois considero que esta progressão não linear, com a personagem a envelhecer e a mudar de opinião sobre vários assuntos, é rara, o que confere à obra um caráter quase literário, com a passagem do tempo e o desgaste físico e emocional do protagonista a funcionarem como uma clara metáfora da passagem histórica e das mudanças (ou da estagnação) sociais.

Alack Sinner - Bófia ou Detetive, de Muñoz e Sampayo - Devir
Se o protagonista e o tema são aliciantes, o estilo visual da obra também não nos deixa indiferentes. Especialmente se pensarmos que por esta altura ainda nem existia a obra-prima de Frank Miller - Sin City - fica fácil de compreender que Alack Sinner influenciou muito Sin City - para além do próprio nome das obras.

O estilo gráfico de Muñoz, expressivo e muito inovador, oferece traços carregados, contrastes acentuados entre um preto e branco puros, uma boa exploração do espaço negativo visual e uma estética expressionista ousada, contribuindo decisivamente para a atmosfera pesada e emocional da narrativa. Os rostos caricaturais, as sombras densas e os espaços urbanos claustrofóbicos refletem a tensão interna das personagens e o ambiente hostil que as cerca. A arte não serve apenas como pano de fundo, mas participa ativamente na construção de significado, funcionando como metáfora visual da decadência social. 

Reconheço que, aqui e ali, há algumas vinhetas que se tornam um pouco complexas de decifrar, seja pelas poses algo deformadas das personagens, seja por um expressionismo mais exacerbado do que o habitual, mas também não deixa de ser verdade que, noutros casos, os desenhos de Muñoz são belíssimos.

A edição da Devir é em capa dura baça, com bom papel baço, boa encadernação e boa impressão. O formato mantém-se nos 17 x 24 cms - e será este o formato de todos os livros da Coleção Angoulême - o que será bastante reduzido para algumas obras da coleção. Mesmo assim, e ao contrário de A Trilogia Nikopol que saiu mais prejudicada por este formato diminuto, Alack Sinner não sofre tanto com este formato.

Em suma, Alack Sinner é uma obra madura, densa e de uma profundidade rara em banda desenhada, rompendo com fórmulas fáceis, desconstruindo aquilo que normalmente consideramos ser "um herói", ao mesmo tempo que nos oferece uma abordagem visual original, de enorme dimensão estética. Muñoz e Sampayo desenvolveram um universo sombrio, mas profundamente humano, em que cada página carrega uma reflexão sobre o mundo, a moralidade e o fracasso da modernidade. É uma leitura que exige envolvimento e recompensa com camadas de significado. Totalmente recomendável!


NOTA FINAL (1/10):
9.3



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Alack Sinner - Bófia ou Detetive, de Muñoz e Sampayo - Devir

Ficha técnica
Alack Sinner: Bófia ou Detetive
Autores: Muñoz e Sampayo
Editora: Devir
Páginas: 168, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Abril de 2023

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Devir prepara-se para lançar "Alack Sinner"!



A editora Devir lança, a 17 de Abril, o segundo volume da sua Coleção Angoulême. Desta vez, estamos perante o clássico Alack Sinner, dos autores argentinos Carlos Sampayo e José Muñoz. 

Este trata-se do segundo volume da série policial Alack Sinner, sendo um dos mais emblemáticos da dos sete volumes que compõem a série.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.


Alack Sinner: Bófia ou Detetive, de Muñoz e Sampayo
A história passa-se em Nova Iorque, onde vive Alack Sinner, um ex-polícia que bebe muito, mas é fundamentalmente correto e pouco complacente com a corrupção dos que o rodeiam.

Um relato espirituoso mas crítico e desencantado sobre uma sociedade fanática, racista, gananciosa, que nos reenvia para autores como Raymond Chandler ou Chester Gould.

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Ficha técnica
Alack Sinner: Bófia ou Detetive
Autores: Muñoz e Sampayo
Editora: Devir
Páginas: 168, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 17 x 24 cm
PVP: 22,00€

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Análise: Billie Holiday

Billie Holiday, de Muñoz e Sampayo - Levoir

Billie Holiday, de Muñoz e Sampayo - Levoir
Billie Holiday, de Muñoz e Sampayo
 

Billie Holiday foi lançada pela Levoir e pelo jornal Público em 2015, a propósito da comemoração do 100.º aniversário do nascimento da cantora de jazz Billie Holiday. E embora a obra tenha sido lançada de forma isolada, foi apresentada como fazendo parte da série Novela Gráfica, da editora. Sendo da autoria dos argentinos José Muñoz e Carlos Sampayo, foi originalmente publicada em 1991. 

É uma obra que procura ser uma biografia da incontornável cantora de jazz Billie Holiday, conhecida por Lady Day, que, ainda hoje, é considerada como “a voz”. A história deste trabalho assenta na procura por informações acerca da cantora, que um jornalista terá que fazer, depois de lhe ser pedido um artigo sobre a artista para o jornal onde trabalha. Ao tentar reconstruir a biografia de Holiday, o jornalista tenta procurar além dos escândalos que envolveram a cantora, como abusos sexuais, violência, uso de drogas e álcool, entre outros. Procura, por isso, descobrir a verdadeira identidade de Billie Holiday mas, lamentavel e ironicamente, é exatamente nessa demanda onde os autores Muñoz e Sampayo falham, a meu ver. É que esta obra aparece quase exclusivamente centrada nos dramas que envolveram a artista, em vez de se focar nos seus feitos em termos de contibuição para a música, em geral, e para o jazz, em particular. E isso é uma pena. E profundamente irónico, repito. 

Billie Holiday, de Muñoz e Sampayo - Levoir
Claro que é natural que uma biografia sobre Billie Holiday tenha que tocar os temas da perseguição policial a que a cantora foi constantemente submetida, o uso de estupefacientes, a prostituição e o racismo dilacerante que habitava a sociedade norte-americana à época. Mas, foca-se, a meu ver, demasiado nesses pontos. A ascenção da artista, a sua capacidade única de interpretação, as bandas que a acompanhavam, os seguidores que rapidamente começou a ter... tudo isso é parcamente abordado. 

E há ainda algo que torna esta leitura em algo mais difícil que é, especificamente, a maneira como a narrativa nos é dada, com a existência de muitas divagações narrativas, dando a ideia de que, mais do que contar a vida de Billie Holiday, apenas se pretendem fazer comentários soltos sobre a diva. Não há uma linha condutora que nos conte a sua história. Apenas alguns comentários avulsos. A obra assume, por isso, um caráter mais de homenagem do que documental. E custa-me a crer que alguém que leia esta história e nunca tenha ouvido falar de Billie Holiday, fique com uma ideia minimamente coerente sobre quem foi esta artista. 

Alack Sinner, personagem criado por ambos os autores, também marca presença nesta história, tendo até vários encontros casuais com Billie Holiday, ao longo do livro. 

Billie Holiday, de Muñoz e Sampayo - Levoir
Graficamente esta é uma obra interessante. A arte de José Muñoz, apresentando um cariz noir, parecido com o estilo normalmente utilizado no universo das histórias policiais, tem bastante carisma e personalidade própria. Por vezes, é algo difícil de acompanhar e o desenho das personagens parece arcaico e demasiado rude no traço, com o seu estilo (tão) abstracionista. Contudo, também é verdade que, noutras vezes, a boa e inteligente utilização de altos contrastes permite efeitos de preto e branco, com um bom uso do espaço negativo, que propiciam bonitas ilustrações que, com as devidas distâncias, me lembraram várias vezes o que Frank Miller fez em Sin City. Mesmo assim, também houve outras ilustrações que me pareceram algo difusas, com muitos elementos que criam algum ruído visual. A balonagem, muito rude, também não ajuda. 

O facto da Levoir ter oferecido este livro ao conjunto dos primeiros leitores que, há uns meses, compraram o Memórias de um Homem em Pijama, de Paco Roca, atesta que, por ventura, este foi um álbum com parcas vendas. E compreende-se que assim seja. Não só o tema é demasiado específico como me parece que foi lançado com o intuito de testar o mercado apenas. 

Billie Holiday, de Muñoz e Sampayo - Levoir
A edição é boa, em capa dura, e inclui interessantes extras, como a introdução da cantora Billie Holiday por Francis Marmande, escritor e crítico de jazz, e algumas ilustrações adicionais que aparecem como extra no final do livro. É de salientar que, embora este livro apareça ligado à chancela de novelas gráficas da Levoir, detém um papel brilhante de melhor qualidade e gramagem do que o papel normalmente utilizado na coleção de novelas gráficas da editora. 

Julgo que esta obra, tendo em conta que presta homenagem a uma cantora, teria tido mais impacto se inserida numa coleção de banda desenhada unicamente dedicada a cantores e músicos. Para ser sincero, até acho que uma coleção destas poderia ter sucesso no mercado nacional. E não seria difícil pensar em alguns títulos que poderiam fazer parte de uma coleção deste tipo: as excelentes obras Johnny Cash: I See A Darkness ou Nick Cave: Mercy on Me, ambas de Reinhard Kleist; California Dreamin' (dedicada a The Mamas & The Papas) de Pénélope Bagieu; Gabba Gabba Hey!: The Graphic Story of the Ramones, de Jim McCarthy e Brian Williamson; Reckless Life: Guns N' Roses: A Graphic Novel, de Jim McCarthy e Marc Olivent; The Carter Family: Don’t Forget This Song (dedicada aos The Carters), de Frank M. Young e David Lasky; ou duas obras dedicadas aos The Beatles: The Fifth Beatle: The Brian Epstein Story, de Vivek J. Tiwary, Andrew C. Robinson e Kyle Baker ou Baby’s in Black: Astrid Kirchherr, de Arne Bellstorf. E haverão muitas mais hipóteses para uma coleção deste género. Fica a sugestão. 

Em resumo, dada a especificidade do tema e a natureza algo difusa e divagante da leitura e ilustrações de Billie Holiday, diria que este é mesmo um daqueles livros claramente indicados para os fãs da famosa cantora. Não é um livro para todos, ainda que tenha algumas coisas interessantes que mereçam nota positiva. 


NOTA FINAL (1/10): 
6.5 


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Billie Holiday, de Muñoz e Sampayo - Levoir
Ficha técnica
 
Billie Holiday 
Autores: Carlos Sampayo e José Muñoz 
Editora: Levoir 
Páginas: 80, a preto e branco 
Encadernação: Capa dura 
Lançamento: Novembro de 2015