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terça-feira, 9 de setembro de 2025

Ala dos Livros edita primeiro volume de Mattéo!



A Ala dos Livros prometeu e cumpriu: o primeiro tomo da série Mattéo, de Jean-Pierre Gibrat, prepara-se para ser editado!

Inicialmente editado, há uns largos anos, pela extinta editora Vitamina BD, este primeiro volume da série Mattéo - tal como o segundo volume, já agora - encontrava-se extinto das livrarias portuguesas. 

A Ala dos Livros começou por editar depois toda a restante série, do terceiro ao sexto volume, e deixou no ar o compromisso de que, eventualmente, editaria os dois primeiros volumes da série.

E, a partir do próximo dia 23 de Setembro já poderemos contar com o primeiro volume, ficando apenas a faltar, para um futuro próximo, o lançamento do segundo volume da série. Por agora, o livro já se encontra em pré-venda no site da editora.

Esta é uma série verdadeiramente impressionante, totalmente recomendada, e em que, curiosamente, o autor parece mais inspirado nos primeiros dois volumes.

É, pois, uma excelente novidade para os muitos admiradores do autor e da série e a prova comprovada da dedicação da Ala dos Livros aos leitores, autores e obras de banda desenhada.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.


Mattéo - Primeira Época (1914 – 1915), de Jean-Pierre Gibrat

Reconhecida pela elevada qualidade gráfica e narrativa, Mattéo é uma série em 6 volumes que nos conta o destino singular de um homem. Empurrado pela força das circunstâncias, da guerra de 1914 à Segunda Guerra Mundial, passando pela Revolução Russa, a Frente Popular e a Guerra Civil Espanhola, Mattéo participará de todas as guerras que incendiaram as primeiras décadas do século XX, atravessando tempos tumultuosos e paixões exaltadas...

Na zona de Collioure, tudo pertence aos De Brignac: as vinhas, as casas, as pessoas, o seu suor... Mattéo e o seu amigo Paulin sabem-no. Trabalham para eles. Quanto a Juliette, a namorada de Mattéo, que a família De Brignac acolheu quando tinha apenas três anos de idade, é considerada por "eles" como um membro da família.

Agosto de 1914. A I Grande Guerra eclode. Filho de um anarquista espanhol, Mattéo escapa à mobilização geral pelo facto de ser estrangeiro. Mas quando o seu amigo Paulin e os jovens da sua idade partem, eufóricos, para a frente de batalha, Mattéo sente-se confusamente envergonhado por ter sido deixado para trás, com as mulheres e os velhos. Paradoxalmente, e o que lhe é ainda mais insuportável, é o facto de nos encontros diários que mantem com Juliette, esta passar o tempo a falar-lhe das suas preocupações com Guillaume de Brignac, que está na Força Aérea. No momento em que, ferido pela indiferença de Juliette e atormentado pelo remorso por não estar na frente de batalha, Mattéo decide finalmente incorporar-se e partir para as trincheiras, o seu amigo Paulin regressa definitivamente a casa.

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Ficha técnica
Mattéo - Primeira Época (1914 – 1915)
Autor: Jean-Pierre Gibrat
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 235 x 310 mm
PVP: 24,90 €

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Ala dos Livros lança nova banda desenhada!



Será ainda durante este mês de Agosto que chegará às livrarias a nova aposta da editora Ala dos Livros!

Trata-se de Peças, de Víctor L. Pinel, de quem a editora portuguesa já editou a banda desenhada O Mergulho. Dessa vez, o argumento foi da autoria de Séverine Vidal, com desenho de Víctor Pinel, mas no caso deste novo Peças, é o autor espanhol que assegura o argumento e as ilustrações.

Este é um livro do qual já li boas opiniões e que, pelo seu belo desenho, tem estado debaixo do meu radar há alguns meses. Estou, portanto, muito curioso para mergulhar nesta leitura.

Por agora, o livro já se encontra em pré-venda no site da editora.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.

Peças, de Víctor L. Pinel

«A vida é como um jogo de xadrez. Fácil de aprender, divertido de jogar, difícil de ganhar… impossível de controlar!»

As portas de um eléctrico abrem-se e um jovem vislumbra uma mulher que nunca mais voltará a ver, mas pela qual se apaixona. 

É este o ponto de ponto de partida desta obra em que os protagonistas, todos com relações pessoais falhadas, são como peças num jogo de xadrez. 

Os peões perguntam-se se não estará na altura de sacrificar uma peça para continuarem a avançar. Os bispos cruzam-se sem nunca se encontrarem verdadeiramente.

O cavalo, livre, capaz de saltar por cima das outras peças, mas vulnerável porque, por mais esquivo que seja, um cavalo pode ser apanhado por um simples peão. 

Todos avançam, confrontam-se, movimentam-se nas suas vidas como num tabuleiro de xadrez. 

Estão todos ligados sem o saberem e prestes a jogarem um jogo que irá mudar as suas vidas.




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Ficha técnica
Peças
Autor: Víctor L. Pinel
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 176, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 285 x 210 mm
PVP: 27,50 €

terça-feira, 12 de agosto de 2025

Análise: Tomahawk

Tomahawk, de Patrick Prugne - Ala dos Livros

Tomahawk, de Patrick Prugne - Ala dos Livros
Tomahawk, de Patrick Prugne

Depois de lançar Pocahontas, a editora Ala dos Livros, editou recentemente o seu segundo álbum do autor francês Patrick Prugne. Dá pelo nome de Tomahawk e insere-se no contexto histórico da Guerra dos Sete Anos (1756-1763), um conflito global que, no continente americano, ficou conhecido como The French and Indian War, a guerra que opôs o exército inglês ao exército francês e aos índios.

A narrativa transporta-nos para o coração das florestas da Nova França, onde franceses, milicianos canadianos e os seus aliados índios enfrentam as ofensivas britânicas. Ainda que a obra se insira num contexto histórico, este não é apenas um relato bélico, mas um mergulho profundo no quotidiano e nas tensões de um espaço e de um tempo que se encontravam em perfeito tumulto, bem como, paralelamente, uma história sobre o conflito entre o homem e o animal que me remeteu, obviamente para Moby Dick, de Herman Melville e brilhantemente adaptado para BD por Chabouté, mas também para a BD O Lobo, de Jean-Marc Rochette. 

Tomahawk, de Patrick Prugne - Ala dos Livros
No caso de Tomahawk, o protagonista Jean Malavoy, apaixonado por uma bela índia, persegue um urso pardo com uma enorme sede de vingança, por este animal aterrador ter ceifado a vida de alguém que era muito especial para Malavoy. À medida que avança pela floresta adentro em perseguição do animal, o soldado encontra adversários e companheiros de armas que vão trazendo dinâmica à narrativa de um modo muito orgânico, sem que esses encontros fortuitos pareçam forçado ou aleatórios em termos narrativos, o que me agradou bastante.

A história em si é relativamente simples, mas muito bem construída. Não há a complexidade política de um romance histórico pesado nem o melodrama exagerado de certas aventuras coloniais. Pelo contrário, Prugne opta por uma narrativa fluida, com ritmo equilibrado, que nos mantém imersos nos acontecimentos. Já tinha gostado bastante do livro Pocahontas e ainda gostei mais deste Tomahawk, talvez pelo simples facto da sua história ter argumento original e ser menos previsível, mas também pela própria estrutura e cadência narrativa.

No campo narrativo, Prugne consegue equilibrar ação e introspeção. As escaramuças e tensões militares coexistem com momentos de silêncio, observação silenciosa dos inimigos, conversas ao redor do fogo ou olhares carregados de significado. Especialmente quando Malavoy encara o urso prado que persegue. Esse contraste reforça a dimensão humana da história e impede que o álbum se reduza a um simples relato bélico.

Tomahawk, de Patrick Prugne - Ala dos Livros
Se a história, sendo simples, é interessante e capta o interesse do leitor, o grande trunfo de Tomahawk está no trabalho visual. O traço de Prugne é tão apurado e elegante que cada página poderia ser retirada do livro, emoldurada e exposta numa galeria de arte! A composição das cenas, o detalhe dos rostos, a anatomia dos corpos e a expressividade dos gestos revelam um autor de exceção que domina a linguagem gráfica e sabe usá-la para contar uma história tanto quanto pelas palavras.

A representação da natureza é absolutamente deslumbrante! Florestas cerradas, lagos serenos, neve imaculada, o sopro do vento nas folhas, a luminosidade a penetrar os ramos das árvores… tudo é retratado com um realismo poético. Os animais também não são meros elementos decorativos: surgem como parte orgânica da paisagem e do quotidiano das personagens, conferindo autenticidade e riqueza ao ambiente. O leitor quase sente o cheiro da madeira húmida ou o frio cortante do inverno canadiano.

Outro aspeto fulcral é a paleta de cores, dominada pela aguarela. Os verdes e azuis, trabalhados com mestria, conferem uma aura mística e uma elegância profunda à narrativa visual. A delicadeza cromática é um convite à contemplação, tornando cada página num objeto de beleza própria. Custa-me a crer que exista alguém que não consiga apreciar tão delicados desenhos!

Tomahawk, de Patrick Prugne - Ala dos Livros
Apesar de todos os méritos da obra, há um ponto fraco notório: o final. A sensação é que a narrativa, cuidadosamente construída ao longo de tantas páginas, é subitamente interrompida. O desfecho parece apressado e atabalhoado, como se Prugne tivesse sido forçado a entregar o livro de um dia para o outro. Em consequência, fica-se com um "after taste" de incompletude, quase como se estivéssemos a meio de uma conversa cortada, ou de um coito interrompido, o que é uma pena. Essa conclusão abrupta não anula, porém, o impacto positivo da obra. Pelo contrário, deixa o leitor desejoso de mais, o que é, paradoxalmente, um sinal da sua força. Mas também é inegável que, num trabalho tão visualmente e tematicamente cuidado, este final destoa e quebra o encantamento que se vinha a acumular de página para página. É um livro que acaba por valer mais pela jornada do que pelo final.

Em termos de edição, estamos novamente perante um belíssimo trabalho da Ala dos Livros. A edição é em grande formato, em capa dura baça, com detalhes a verniz. No miolo, o papel utilizado é brilhante e de bela qualidade. A impressão e a encadernação são fantásticas. No final do livro há ainda um caderno de extras, com generosas 23 páginas, em que nos são oferecidos esboços das personagens e de animais, estudos de capa, ilustrações de dupla página, storyboards e estudos de cor. E todas as páginas têm notas do autor em francês. Mas desta vez, e ao contrário do que tinha acontecido em Pocahontas, a Ala dos Livros decidiu, e bem, acrescentar uma página no final do livro onde esses comentários em francês do autor são traduzidos para português. Isto é um claro exemplo de como a Ala dos Livros não cessa de tentar fazer melhor, aproximando-se da perfeição editorial, de livro para livro. O que merece as minhas vénias, claro.

Em suma, Tomahawk é uma obra de rara beleza visual, com uma narrativa envolvente e um contexto histórico riquíssimo, que muito me agradou! A simplicidade da história é compensada por um traço sublime e uma cor magistral, capazes de evocar emoções e sensações com a mesma eficácia de um grande romance. É um livro que tanto pode ser lido como contemplado, e que, apesar do final insatisfatório, se afirma como uma verdadeira peça de arte gráfica e narrativa.


NOTA FINAL (1/10):
9.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Tomahawk, de Patrick Prugne - Ala dos Livros

Ficha técnica
Tomahawk
Autor: Patrick Prugne
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 96, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 245 x 330 mm
Lançamento: Maio de 2025

terça-feira, 29 de julho de 2025

TOP 10 - A Melhor BD lançada pela Ala dos Livros nos últimos 5 anos!


A propósito da comemoração dos 5 anos de existência do Vinheta 2020, trago-vos um especial que começa a partir de hoje e que procura celebrar e assinalar a melhor banda desenhada que cada uma das principais editoras portuguesas editou nos últimos 5 anos. Durante as próximas semanas tentarei, pois, oferecer-vos um artigo por editora.

Convém relembrar que este conceito de "melhor" é meramente pessoal e diz respeito aos livros que, quanto a mim, obviamente, são mais especiais ou me marcaram mais. Ou, naquela metáfora que já referi várias vezes, "se a minha estante de BD estivesse em chamas e eu só pudesse salvar 10 obras, seriam estas as que eu salvava".

Faço aqui uma pequena nota sobre o procedimento: considerei séries como um todo e obras one-shot. Tudo junto. Pode ser um bocado injusto para as obras autocontidas, reconheço, e até ponderei fazer um TOP exclusivamente para séries e outro para livros one-shot, mas depois achei que isso seria escolher demasiadas obras. Deixaria de ser um TOP 10 para ser um TOP 20. Até me facilitaria o processo, honestamente, mas acabaria por retirar destaque a este meu trabalho que procura ser de curadoria. Acabou por ser um exercício mais difícil, pois tive que deixar de fora obras que também adoro, mas acho que quem beneficia são os meus leitores que, deste modo, ficam com a BD que considero ser a crème de la crème de cada editora.

Em cinco anos de edição ininterrupta de banda desenhada, há naturalmente muitos títulos editados e, como devem calcular, a tarefa não foi fácil e vi-me forçado a excluir obras fantásticas, mas, lá está, há que fazer escolhas e estas são as minhas escolhas.

Hoje começo com uma editora cujo contributo para o lançamento de boa banda desenhada em Portugal é verdadeiramente inegável: a Ala dos Livros.

Esta editora tem um catálogo que considero de extrema qualidade. São (muito!) mais as obras que adoro da editora, do que aquelas de que não gosto. Não foi fácil, mas aqui está o meu TOP

Eis, mais abaixo, as minhas obras favoritas lançadas pela editora Ala dos Livros:

sexta-feira, 25 de julho de 2025

Análise: Aii! - A Dor Também Se Trata Com Humor

Aii! - A Dor Também Se Trata Com Humor, de Achdé e Patrick Sichère - Ala dos Livros


Aii! - A Dor Também Se Trata Com Humor, de Achdé e Patrick Sichère - Ala dos Livros
Aii! - A Dor Também Se Trata Com Humor, de Achdé e Patrick Sichère

Houve um tempo - não tão longínquo assim - em que eram publicadas em Portugal variadíssimas obras de banda desenhada franco-belga de humor. Eram livros leves e de humor fácil, muitas vezes com histórias curtas de uma ou várias páginas. Considero que o maior "Rei" deste tipo de histórias continua a ser Gaston Lagaffe, de André Franquin, mas poderia citar inúmeras outras obras como Bruce Kid, Agente 212, Campeões, Dirty Henry, E Deus Criou a Eva, O Inferno dos Concertos, Cubitus, O Exterminador, Ligue-me ao Céu, entre muitas, muitas, muitas - e muitas! - outras séries. 

E eram variadíssimas as editoras portuguesas a apostar neste tipo de obras - embora possa dizer que as editoras Booktree ou a ASA eram das que mais editavam este tipo de BD humorística. Posso admitir que talvez se tenha exagerado um pouco na quantidade de obras deste género lançadas nesta altura, algures no início dos anos 2000, posso dizer-vos que foram muitos os livros que me divertiram e que continuam a merecer um destaque na minha estante quando quero uma banda desenhada mais divertida e despretensiosa para me divertir.

Ora, toda esta introdução serve-me para vos falar de um dos lançamentos mais recentes da editora Ala dos Livros que dá pelo nome de Aii! - A Dor Também Se Trata Com Humor e é da autoria de Achdé e Patrick Sichère. Esta é uma banda desenhada que casa perfeitamente bem no conjunto de obras por mim elencadas mais acima: é leve e humorística, com algumas histórias curtas que nos deixam bem dispostos. Parece algo simples e fácil, eu sei, mas a verdade é que, se excluirmos o regresso pouco consensual de Gaston Lagaffe no ano passado, estivemos anos e anos sem nenhum lançamento deste tipo em Portugal. E, só por isso, saúdo a aposta da Ala dos Livros.

Aii! - A Dor Também Se Trata Com Humor, de Achdé e Patrick Sichère - Ala dos Livros
Este livro que conta com desenho do atual ilustrador da série Lucky Luke e com argumento de Patrick Sichère, que é reumatologista especialista em dor, é uma banda desenhada invulgar e surpreendente, que junta duas áreas à partida pouco compatíveis: medicina e humor em BD. Talvez por isso, vá até um pouco mais longe do que algumas das séries humorísticas franco-belgas que referi acima. É que, para além de fazer rir, de causar boa disposição, este Aii! - A Dor Também Se Trata Com Humor também procura informar-nos acerca das diferentes patologias que nos causam dor física, bem como a sua origem ou a resposta dada pela medicina, ao longo da história, a esses mesmos tipos diferentes de dor, tentando atenuar as mazelas que nos incomodam. 

Partindo, então, da premissa de que a dor, ainda que real e frequentemente debilitante, pode (e talvez deva) ser alvo de um olhar bem-humorado, a obra apresenta-se como uma coletânea de oito pequenas histórias nas quais os autores nos apresentam variados tipos de dores, como enxaquecas, dores de dentes, dores em membros-fantasma, fibromialgia, dores nas costas, entre várias outras. O livro percorre uma série de episódios e tópicos relacionados com a dor, explicando as suas origens, sintomas e possíveis tratamentos. E ainda nos fala de personagens relevantes da nossa história. Sempre com um registo cómico e exagerado, claro.  

A aparentemente inusitada dupla de autores acaba por funcionar de forma exemplar: Sichère fornece o conhecimento clínico e técnico sobre as várias manifestações da dor e Achdé traduz tudo isso em sequências visuais cheias de energia, humor e expressividade. A estrutura quase enciclopédica de algumas informações que nos são dadas a conhecer é rapidamente contrariada por uma piada visual, uma caricatura ou uma vinheta absurda que desarma o leitor e o convida a rir... mesmo quando o tema é uma hérnia discal ou uma enxaqueca insuportável. O efeito é desconcertante no melhor sentido: aprendemos e divertimo-nos ao mesmo tempo.

Aii! - A Dor Também Se Trata Com Humor, de Achdé e Patrick Sichère - Ala dos Livros
E é precisamente esta fusão entre conteúdo educativo e humor que torna Aii! - A Dor Também Se Trata Com Humor um trabalho duplamente bem conseguido. Raramente uma banda desenhada informativa consegue manter o leitor tão envolvido, e raramente uma banda desenhada humorística consegue transmitir tanta informação sem se tornar maçadora. Aqui, os autores encontram um equilíbrio eficaz, onde o conhecimento serve o riso e o riso serve o conhecimento.

À medida que ia lendo, senti-me não só entretido como verdadeiramente instruído. De certa forma, desejei que o livro fosse maior: quando dei por mim a terminar a leitura, tive vontade de continuar, de aprender mais sobre a origem de outras dores específicas, e de o fazer neste registo tão peculiar e refrescante. São apenas 8 temas que aqui são tratados, mas bem que poderiam ser 20 ou 30. Ou mais.

No plano visual, Achdé revela um belo jogo de cintura. Embora o autor seja amplamente conhecido  pelo seu trabalho em Lucky Luke, neste livro o ilustrador opta por um estilo mais solto, mais adequado ao tom desbragadamente cómico da narrativa. No entanto, há momentos – expressões faciais, gestos exagerados, certos enquadramentos – que parecem piscar o olho ao universo do cowboy solitário. São apenas subtis reminiscências que, diria, conseguem trazer um charme adicional à leitura, sobretudo para os fãs de longa data do autor.

A edição da Ala dos Livros é em capa dura baça, com detalhes a verniz, e, no miolo, podemos encontrar um bom papel brilhante e um bom trabalho ao nível de impressão e encadernação. Pode parecer - e é - um preciosismo da minha parte, mas parece-me que em vez de se chamar "Aii!", a obra deveria chamar-se, simplesmente, "Ai!". Julgo que ficaria mais inequívoca essa interjeição de dor. Mas também compreendo que isto implicaria um certo ajuste gráfico da capa.

Em suma, termino dizendo que este tipo de banda desenhada – informativa, cómica e temática – tem estado notoriamente ausente das livrarias portuguesas. Há muito que não se via uma obra que abordasse um tema específico com esta leveza humorística e simultaneamente com tanta seriedade no conteúdo. Por isso, Aii! - A Dor Também Se Trata Com Humor não só cumpre plenamente aquilo a que se propõe, como preenche uma lacuna no panorama editorial português. Um manual ilustrado de dores humanas que, em vez de nos fazer sofrer, nos leva a rir. Uma leitura que, ironicamente, até nos pode ajudar a que certas dores nos doam menos.


NOTA FINAL (1/10):
8.3



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Aii! - A Dor Também Se Trata Com Humor, de Achdé e Patrick Sichère - Ala dos Livros

Ficha técnica
Aii! - A Dor Também Se Trata Com Humor
Autores: Achdé e Patrick Sichère
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 60, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento: Maio de 2025

terça-feira, 22 de julho de 2025

Análise: Tales from Nevermore

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros
Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro

Sempre que um artista apresenta a sua obra de estreia ao público, seja um músico com o seu primeiro álbum, seja um realizador com o seu primeiro filme, seja um fotógrafo com a sua primeira exposição de fotografia, seja um escultor com a sua primeira peça esculpida ou seja um autor de banda desenhada com a sua primeira BD, independentemente da qualidade dessa mesma obra, pode fazê-lo de um modo promissor, embora tímido, ou de uma forma retumbante, confiante, orgulhosa, que não deixa ninguém indiferente. Depois desta introdução, deixei-vos a pensar no álbum de estreia da vossa banda preferida? Ou no primeiro filme do realizador que vos enche as medidas? Pois bem, estou a falar concretamente de Tales from Nevermore, a BD de estreia dos portugueses Pedro N. (AKA Pedro Nascimento) e Manuel Monteiro, editada há algumas semanas pela editora Ala dos Livros.

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros
À semelhança de um Appetite for Destruction, o álbum de estreia dos Guns N' Roses que, curiosamente, festejou ontem os seus 38 anos de existência, e que, mesmo sendo o primeiro álbum de uma banda de jovens músicos, tomou de assalto o rock n roll para sempre desde o dia do seu lançamento original, também Tales From Nevermore tem a energia, a juventude, a ousadia, o talento, a infâmia, a noção do clássico e, pelo menos, o potencial de ser uma primeira obra que abala o meio nacional, neste caso, a banda desenhada portuguesa. Aliás, até gostava de estar enganado - pois isso significaria que o talento nacional é ainda maior do que aquilo que já é -, mas custa-me a crer que, em 2025, Tales From Nevermore não seja a obra revelação da banda desenhada portuguesa.

Esta é uma antologia de histórias curtas de terror que se destaca desde as primeiras páginas pela sua qualidade surpreendente e coesão narrativa. Através da figura de Vincent, um corvo carismático e sombrio que nos serve de anfitrião, um cicerone que nos acompanha por contos tenebrosos e desconfortáveis, os autores levam-nos numa visita ao misterioso cemitério de Nevermore, onde cada campa esconde um conto trágico, macabro e profundamente humano. Esta estrutura narrativa que recorre ao corvo como conector entre histórias é algo que, logo à partida, funciona muito bem para unir os pontos e fazer com que o livro suba de patamar narrativo, já que é um truque perfeito, um bom artifício que se revela o verdadeiro cimento capaz de bem unir as seis histórias aqui presentes, transformando a obra numa experiência imersiva, contínua e verdadeiramente cinematográfica. Em vez de um conjunto de seis histórias, o livro passa, portanto, a ser uma "história grande" que se espraia em seis histórias mais curtas... e tudo graças à vertente catalizadora da personagem de Vincent. E logo aqui, fiquei conquistado.

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros
Vincent é o narrador omnipresente, com um toque irónico e lúgubre, que surge, pois, como a ponte entre cada conto e confere ao livro uma continuidade quase teatral. Essa “cola” narrativa faz com que a antologia se leia como um todo coeso, e não como uma mera compilação de histórias. Ainda recentemente joguei na PlayStation alguns dos videojogos The Dark Pictures Anthology, em que também temos a presença de um narrador presente que tão bem nos mergulha nas histórias de terror, e não pude deixar de fazer ligações mentais entre esses videojogos e este Tales From Nevermore. Mas claro que outra referência que vem à memória quando lemos esta BD é a série televisiva Tales from the Crypt., que também tinha um narrador que dialogava connosco enquanto nos ajudava a mergulhar nas várias histórias de terror.

A escolha de Vincent como anfitrião é particularmente feliz, pois ele é simultaneamente personagem, narrador e figura simbólica, uma presença que acompanha o leitor, que o guia e que o seduz para dentro do mundo sombrio de Nevermore. E já que falamos em "referências", em "Vincent" e em "Nevermore", é impossível não afirmar que a grande influência aqui presente é Edgar Allan Poe, o mestre do terror, ou não fosse a própria menção a "Nevermore" da sua autoria, tendo primeiramente surgido no seu poema The Raven, ou seja, O Corvo. Por outro lado, há muitas outras referências para além de Poe, já que o próprio nome do Corvo, "Vincent", estará certamente ligado a Vincent Price, um dos maiores ícones do cinema de terror, também popularizado pelo realizador Tim Burton. "Burton" que, já agora, também é o apelido de uma das personagens deste Tales From Nevermore. Enfim, como já devem ter percebido, todo o livro aparece carregado de referências e múltiplos easter eggs e homenagens visuais e textuais que celebram o terror clássico e o cinema de culto. São referências subtis (e outras menos subtis) a autores, filmes e obras que podemos encontrar ao longo das páginas, revelando não só o conhecimento profundo de Pedro N. e Manuel Monteiro, mas também o carinho que têm pelo género. Para os leitores mais atentos, e especialmente para os fãs de terror, essa camada de referências funciona como um jogo de descoberta que enriquece ainda mais a obra e que sedimenta a interação com o leitor, criando uma cumplicidade que enriquece a leitura e que a transforma numa experiência (mais) participativa. Tales From Nevermore não é apenas uma coleção de histórias... é um universo, uma mitologia em expansão. E, espero eu, pode ser a abertura de um universo com o potencial de ser explorado, com novas histórias, em livros futuros.

Mas há mais que importa referir sobre este livro!

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros
O trabalho de Pedro N. e Manuel Monteiro é tão bem executado que dificilmente se acreditaria tratar-se de uma estreia. A fluidez entre os contos, a consistência tonal e a solidez estética demonstram uma maturidade artística que normalmente se encontra em autores com longa carreira no meio da banda desenhada. Nada parece ao acaso: desde a forma como o horror é trabalhado, com elegância e contenção, até à forma como se gerem os silêncios, os olhares e as sugestões visuais. Há aqui um domínio da linguagem gráfica e narrativa que impressiona.

Pedro N., responsável pelos desenhos, oferece-nos um trabalho verdadeiramente sublime. O seu virtuoso traço a preto e branco é ao mesmo tempo realista e expressivo, com uma capacidade rara de transmitir atmosfera. A planificação das páginas, a escolha dos planos, o uso magistral das sombras e das tramas, a expressividade das personagens... tudo aqui contribui para um resultado visual imersivo, inquietante e sedutor. É um talento raro no panorama nacional, que se afirma, desde já, com uma voz própria e uma assinatura artística inconfundível. É isto que eu chamo "entrar pela porta grande da BD nacional"!

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros
As histórias em si, da autoria de Pedro N. e de Manuel Monteiro, abordam temas clássicos como o amor, o ciúme, a ganância ou o arrependimento, e certamente evocarão memórias de outros contos de terror para os mais batidos neste tipo de narrativas, o que pode, por vezes, parecer algo clichet, mas diria que mais do que isso ser uma falha, é uma qualidade, pois há aqui uma reverência assumida pelo género, um reconhecimento das suas raízes, não obstante uma vontade de o reinventar subtilmente. 

Se a proposta é séria e dramática, há ainda espaço para algum humor, bem-vindo, em que os autores nos permitem um certo alívio ao peso funesto da obra. Aqui podemos encontrar anúncios classificados morbidamente divertidos, entrevistas com a presença de figuras como Edgar Allen Poe ou Niccolò Paganini, ou uma página dupla onde, em cada uma das campas do cemitério de Nevermore, há um QR Code que nos convoca a (re)conhecer personagens reais ligadas ao terror e que aqui são homenageadas, como H.P. Lovecraft, Béla Lugosi, Mary Shelley ou Grigori Rasputin. Mas sempre com os nomes abreviados - tal como o próprio nome do autor Pedro N. - para que a referência não seja demasiado óbvia.

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros
Tudo isto torna o livro muito rico e muito denso, o que poderá fazer criar no leitor a necessidade de uma segunda ou terceira leituras. E isso, mais uma vez, revela tenacidade autoral e uma "maturidade juvenil" (se é que isso faz sentido) que, já sendo rara de encontrar na banda desenhada nacional, imagine-se o quão rara é de encontrar numa BD de estreia portuguesa.

Se há um ponto que merece alguma reflexão, quiçá menos positiva, é a opção por manter todos os títulos dos contos - ou quase todos - em inglês. Ainda que isto seja compreensível dentro da estética do livro e das suas múltiplas homenagens ao imaginário anglo-saxónico do terror já aqui mencionadas, talvez tivesse sido mais interessante (ou mais identitário, diria) que alguns títulos fossem em português. Esta escolha autoral/editorial pode afastar levemente quem procura uma obra de terror com mais sabor local, especialmente num contexto em que o livro se afirma orgulhosamente como produto nacional.

Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros
Falando da edição, há que referir que a Ala dos Livros fez aqui (mais) um belíssimo trabalho! O livro é verdadeiramente diferenciado e pleno de detalhes que oferecem requinte à obra. Tem capa dura num tecido que parece pele preta, com detalhes góticos e ainda um corte que cria um "buraco", uma janela que nos permite ver a ilustração da primeira página. Na prática, a capa do livro parece uma moldura para a a primeira página do livro. Delicioso! Há ainda uma fita marcadora em tecido preto e um belo papel baço utilizado no miolo do livro. A impressão e encadernação são excelentes, também. Visualmente é, pois, um livro singular, que chama a atenção pelo seu requinte e pelo seu aspeto gótico e obscuro, tão em linha com o próprio livro. Muito bom!

Enfim, Tales from Nevermore é um livro sofisticado, elegante e assustador no melhor sentido do termo, que, de forma impetuosa, escancara sem medo as portas da BD nacional para a sua entrada triunfal. Consegue ser, ao mesmo tempo, um tributo ao passado e uma proposta ousada para o futuro da BD de terror em Portugal. Pedro N. e Manuel Monteiro entram no panorama da 9ª arte portuguesa com um primeiro livro que poderia perfeitamente ser assinado por autores veteranos. No cemitério de Nevermore, cada história é uma lápide, mas também uma janela. Uma janela para os recantos mais escuros da alma humana, onde o terror não vem de monstros imaginários, mas dos pecados que carregamos connosco. O meu desejo é apenas que possamos voltar brevemente a este cemitério com novas histórias extraídas das mentes de Pedro N. e Manuel Monteiro!

NOTA FINAL (1/10):
9.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Tales from Nevermore, de Pedro N. e Manuel Monteiro - Ala dos Livros

Ficha técnica
Tales from Nevermore
Autores: Pedro N. e Manuel Monteiro
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 96, a preto e branco
Encadernação: Capa em pele, estampada, com recorte.
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento: Maio de 2025

sexta-feira, 18 de julho de 2025

Análise: A Sombra das Luzes - Tomo 1 – O Inimigo do Género Humano

A Sombra das Luzes - Tomo 1 – O Inimigo do Género Humano, de Alain Ayroles e Richard Guérineau - Ala dos Livros

A Sombra das Luzes - Tomo 1 – O Inimigo do Género Humano, de Alain Ayroles e Richard Guérineau - Ala dos Livros
A Sombra das Luzes - Tomo 1 – O Inimigo do Género Humano, de Alain Ayroles e Richard Guérineau

Depois de O Burlão nas Índias, de Alain Ayroles e Juanjo Guarnido, ter-me conquistado ao mais alto nível, numa obra que considero, sem problema algum, "perfeita", devo dizer que estava ansioso para mergulhar nesta mini-série, intitulada A Sombra das Luzes e projetada para 3 volumes, dos quais a Ala dos Livros editou recentemente o primeiro deles, O Inimigo do Género Humano. Desta feita, Alain Ayroles faz-se acompanhar por Richard Guérineau nas ilustrações.

A Sombra das Luzes é uma obra ambiciosa que procura recriar o século XVIII com elegância, sátira e decadência moral, seguindo a tradição epistolar de obras como Ligações Perigosas, de Pierre Choderlos de Laclos. A narrativa é, portanto, construída através de uma teia de cartas escritas pelo cavaleiro de Saint-Sauveur e por diversas figuras do seu círculo social, o que nos permite acompanhar de forma indireta a ascensão social e as manobras traiçoeiras de um autêntico libertino que visa brilhar na corte do rei Luís XIV.

A Sombra das Luzes - Tomo 1 – O Inimigo do Género Humano, de Alain Ayroles e Richard Guérineau - Ala dos Livros
À semelhança do clássico da literatura já mencionado de Choderlos de Laclos, esta obra apresenta-se como um jogo de máscaras e manipulações, em que a linguagem requintada contrasta com as ações praticadas pelas várias personagens, em particular por Saint-Sauveur. Este, procura aproximar-se de uma mulher casada, Eunice de Clairefont, sendo movido pela sua vaidade, pelo seu orgulho e, claro, por um enorme desejo de ascensão social. A sua crueldade é disfarçada pelo charme e inteligência da sua máscara social, e isso torna-o uma figura fascinante e abjeta ao mesmo tempo. O argumento de Ayroles tem pois essa crítica face ao vício dos indivíduos e das instituições, em especial da sociedade aristocrática, embora também haja, naturalmente, uma clara ponte entre a sociedade retratada e a sociedade atual. Algo que é bem-vindo.

Confesso que iniciei a leitura com grande entusiasmo. O livro evocava-me o classicismo romântico de obras como Sambre, de Yslaire, da qual sou grande admirador. A expectativa era alta, e esperava mergulhar num drama profundo e rico em intrigas. No entanto, tenho que admitir que à medida que avançava pelas páginas deste A Sombra das Luzes, o meu entusiasmo foi perdendo força. O que encontrei foi uma obra que, embora bem escrita e visualmente apelativa, se perde um pouco nesta forma de contar a história por cartas, parecendo excessivamente preocupada em preparar terreno para algo que ainda não se concretiza neste primeiro volume. O que, bem vistas as coisas, até pode trazer bons frutos nos dois álbuns futuros da série, embora, pelo menos por agora, isso fragilize este primeiro tomo.

A Sombra das Luzes - Tomo 1 – O Inimigo do Género Humano, de Alain Ayroles e Richard Guérineau - Ala dos Livros
Esta forma narrativa epistolar, que até poderia ser um recurso engenhoso para criar tensão e revelar os meandros da manipulação social, acaba por se tornar, na prática, um obstáculo. A alternância constante de vozes, nem sempre bem assinalada, nas cartas que nos são dadas a conhecer, obriga-nos a retroceder com frequência na leitura para perceber quem escreve a quem e com que intenção. Isso retira fluidez à leitura e prejudica a imersão. Torna-se uma leitura excessivamente - e desnecessariamente! - complexa. As cartas sucedem-se com pouco impacto direto na ação, deixando muitas pontas soltas... talvez de forma propositada -  a ver vamos -, mas de forma algo frustrante.

Ayroles apresenta talento enquanto argumentista, claro, mas não atinge ainda, neste primeiro tomo, a mesma sofisticação narrativa que revela, por exemplo, em O Burlão nas Índias, que já mencionei. Falta aqui um ritmo mais bem calibrado entre mistério, revelação e progressão dramática. O que recebemos são fragmentos promissores, mas pouco consolidados. Portanto, não há dúvidas de que o impacto emocional, por agora, fica aquém do potencial que o enredo sugere.

No entanto, não se pode ignorar a qualidade visual do álbum. O desenho de Richard Guérineau é minucioso, elegante e perfeitamente adequado à época retratada. As indumentárias, os cenários aristocráticos, os salões, as carruagens e os gestos da corte são retratados com enorme atenção ao detalhe. Guérineau consegue transmitir aquele charme francês típico do século XVIII, com uma composição visual que nos remete imediatamente para esse mundo de verniz social e podridão moral escondida por detrás do luxo. E, ao mesmo tempo, e apesar desse classicismo, o traço até tem alguma simplicidade e modernidade. Em várias páginas, a beleza estética dos desenhos compensa as dificuldades de leitura, e isso diz muito sobre o trabalho de Guérineau enquanto ilustrador desta intriga.

A Sombra das Luzes - Tomo 1 – O Inimigo do Género Humano, de Alain Ayroles e Richard Guérineau - Ala dos Livros
É importante sublinhar que este é apenas o primeiro tomo de uma trilogia, e tudo indica que muitas das peças aqui lançadas terão continuidade e desenvolvimento nos volumes seguintes. Pode dar-se o caso de este álbum funcionar como uma longa introdução, como uma abertura mais lenta e atmosférica antes de a narrativa ganhar velocidade e peso emocional nos capítulos seguintes. No entanto, enquanto volume isolado, a obra não me convenceu, com pena minha.

Já a edição que a Ala dos Livros nos oferece é, mais uma vez, belíssima. O livro tem um charme muito especial que o torna facilmente apetecível. Para além de editado em grande formato - semelhante ao de O Burlão nas Índias ou do das obras de Patrick Prugne, também editadas pela Ala dos Livros -, a capa dura do livro apresenta uma textura que faz lembrar tecido e que é muito agradável ao toque. Tem ainda um brilho localizado que torna o objeto mais requintado. As próprias guardas do livro, fazendo lembrar papel de parede, são belíssimas. No interior, o papel é brilhante e de boa qualidade, tal como também assim o é a impressão e a encadernação.

Em conclusão, este primeiro volume de A Sombra das Luzes é uma BD ambiciosa, com argumentos morais interessantes e um retrato visual rico do século XVIII, mas que sofre de uma narrativa algo confusa e pouco envolvente, principalmente devido à estrutura epistolar mal integrada com o ritmo da banda desenhada. É uma leitura que exige paciência e atenção redobrada, e que, para já, ficou um pouco aquém das minhas expectativas iniciais. A esperança, no entanto, reside na promessa de que os volumes seguintes consigam atar as pontas deixadas soltas e revelar, enfim, o grande jogo que Ayroles parece estar a construir.


NOTA FINAL (1/10):
6.9



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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A Sombra das Luzes - Tomo 1 – O Inimigo do Género Humano, de Alain Ayroles e Richard Guérineau - Ala dos Livros

Ficha técnica
A Sombra das Luzes - Tomo 1 – O Inimigo do Género Humano
Autores: Alain Ayroles e Richard Guérineau
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 72, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 255 x 340 mm
Lançamento: Abril de 2025

terça-feira, 15 de julho de 2025

Qual o melhor Livro do Mês de Maio de 2025 para o Vinheta 2020?


Tentando recuperar o meu atraso na nomeação dos melhores livros de cada mês de 2025, hoje trago-vos a melhor banda desenhada lançada em Portugal durante o mês de Maio.

Relembro que isto do "melhor" e do "pior" é sempre algo subjetivo, concedo, mas o objetivo aqui é muito simples: caso não haja dinheiro para comprar todas as boas bandas desenhadas lançadas por cá, qual a compra mensal mais obrigatória a fazer?

Quanto a mim, é este a BD mais obrigatória deste mês.

Eis, pois, o Livro do Mês de Maio de 2025:

segunda-feira, 14 de julho de 2025

Análise: CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2

CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2, de Marco Calhorda e Osvaldo Medina - Ala dos Livros

CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2, de Marco Calhorda e Osvaldo Medina - Ala dos Livros
CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2, de Marco Calhorda e Osvaldo Medina

Se há série de banda desenhada que tem um valor histórico mais do que pertinente, por nos dar um vislumbre do passado recente bélico nacional, essa série dá pelo nome de CoBrA. Recentemente, o terceiro livro da mesma, extraído da mente de Marco Calhorda, argumentista e mentor da franquia, foi editado pela Ala dos Livros. E novamente temos um novo ilustrador para a história. Depois de Daniel Maia e Zoran Jovici, que ilustraram, respetivamente, Operação Goa e o primeiro tomo de Operação Conacri, é a vez de Osvaldo Medina, uma referência na banda desenhada nacional, se juntar à série.

Este Cobra - Operação Conacri - Tomo 2, tal como o nome assim revela, é pois a segunda e última parte do segundo arco narrativo da série.

CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2, de Marco Calhorda e Osvaldo Medina - Ala dos Livros
Dando continuidade ao trabalho iniciado por Marco Calhorda e Zoran Jovicic no primeiro tomo de Operação Conacri, este volume mergulha o leitor numa das operações militares mais secretas e controversas da história recente de Portugal: a tentativa de derrube do regime guineense aliado do PAIGC, numa manobra conhecida como Operação Mar Verde, que foi levada a cabo já durante os últimos anos do Estado Novo. Este episódio, largamente esquecido ou silenciado nas narrativas oficiais, é recuperado aqui com um impressionante sentido de rigor e coragem, por parte de Marco Calhorda, ainda que, e felizmente, esta seja uma história de ficção. Com um pé no rigor histórico e outro no entretenimento. E esse pode muito bem ser o seu principal trunfo.

A série CoBrA tem-se afirmado ao longo dos seus vários tomos, aliás, como uma proposta narrativa e historicamente pertinente, pois não só oferece um mergulho nas missões secretas do exército português, como também aborda as ramificações políticas e geoestratégicas dessas ações, muitas vezes orquestradas à margem das instituições formais. E este novo volume da série volta a ser exemplar nesse sentido, destacando, também, o papel de Jorge Jardim, figura influente nas sombras do colonialismo tardio, cuja atividade junto de redes internacionais e mercenárias o tornaram num dos principais mentores destas operações encobertas. Ainda que, no caso concreto, Jorge Jardim até não tenha, desta vez, um papel tão ativo como nos dois livros anteriores.

Neste segundo tomo de Operação Conacri, acompanhamos a necessidade de reação por parte do governo português face ao massacre dos majores e à situação independentista na Guiné que, no início dos anos 70, se começava a agravar cada vez mais. Foi neste cenário que Marcelo Caetano aprovou uma missão militar sem precedentes para o exército português e onde, mais uma vez, a agência CoBrA foi figura central. Esta foi, aliás, a maior operação clandestina realizada pelas forças militares portuguesas.

CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2, de Marco Calhorda e Osvaldo Medina - Ala dos Livros
Em termos históricos, o valor documental de Operação Conacri - Tomo 2 é inegável. Ao retratar a Operação Mar Verde, ainda que de uma forma ficcionada, o livro levanta o véu sobre uma faceta menos explorada da Guerra Colonial, revelando-nos uma guerra obscura, onde a espionagem, os golpes falhados e as redes internacionais de interesses assumiram um protagonismo letal. 

A série CoBrA tem sido exemplar ao abordar episódios pouco conhecidos da história portuguesa, dando-lhes corpo através da banda desenhada e assumindo-se numa "espionagem à portuguesa". Em vez de perpetuar mitos ou versões simplificadas, vê-se que há um esforço dos autores em alicerçar a narrativa em factos e documentos reais. E isso merece os meus louvores. 

Neste tomo, Marco Calhorda continua a aperfeiçoar o seu trabalho de escrita. Nota-se uma evolução clara na estrutura narrativa, tornando-a menos confusa e isso é especialmente visível na forma como as legendas são trabalhadas e otimizadas. Há um maior cuidado em contextualizar o leitor, explicando onde e quando se passam os eventos, o que permite um acompanhamento mais fluído da história. Pode parecer um detalhe menor, mas é precisamente esse tipo de escolhas que demonstra maturidade autoral e que proporciona uma leitura mais imersiva e acessível, especialmente para os leitores menos familiarizados com os eventos retratados.

O trabalho de Osvaldo Medina é outro dos pontos fortes desta edição. Com um traço limpo, expressivo e um belo uso do preto e branco puro, o autor confere ao livro uma intensidade gráfica que casa bem com a tensão da narrativa. O seu domínio do claro-escuro reforça a atmosfera de clandestinidade e perigo que atravessa a história. Enquanto admirador do seu trabalho noutras obras, não posso deixar de sublinhar que, também aqui, Osvaldo Medina não desilude e continua a afirmar-se como um dos grandes talentos da banda desenhada nacional.

CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2, de Marco Calhorda e Osvaldo Medina - Ala dos Livros
No entanto, essa opção estética de ter um desenho mais "cartoonesco" do que nos dois álbuns anteriores da série, acaba por criar uma fratura visual dentro da própria franquia CoBrA. O contraste com o estilo mais realista de Daniel Maia e de Zoran Jovicic é inevitável. Para leitores que seguem a série desde o início, essa dissonância pode criar um certo estranhamento, comprometendo parcialmente a continuidade visual da obra. Note-se que esta diferença não diz respeito à qualidade do trabalho, mas sim à coerência gráfica entre os volumes. 

O trabalho de Osvaldo Medina não é melhor, nem pior do que o de Daniel Maia ou Zoran Jovicic... é diferente. E talvez esta questão se dissipasse caso Osvaldo Medina tivesse sido responsável por um tomo independente, com uma história auto-conclusiva dentro do universo de CoBrA. Aí, o seu estilo distinto poderia brilhar com maior autonomia, sem provocar o tipo de ruturas visuais que se sentem ao mudar de artista a meio de um arco narrativo. Mas como o autor desenhou a segunda parte de um arco narrativo, parece-me que talvez devesse ter havido um menor corte em termos visuais, mesmo admitindo que, não obstante, o contributo artístico de Osvaldo Medina enriqueça o livro e lhe traga um vigor gráfico notável.

Abordando a edição da Ala dos Livros, estamos perante um bom trabalho. O livro apresenta capa dura com revestimento em tecido e uma sobrecapa. No interior, o papel utilizado é brilhante e de boa qualidade e o trabalho de encadernação e impressão é bom. Há um prefácio assinado por Abílio Pires Lousada, Militar Historiador, e, no final do livro, há documentos (com QR Code) que permitem que o leitor possa fazer a ponte para a base verídica e histórica dos eventos retratados no livro. Há ainda um conjunto de fotografias de época e o esboço de duas páginas para Operação Porto, que deverá ser o quarto e último volume da série CoBrA.

Em suma, este novo tomo consolida a importância de CoBrA enquanto projeto editorial de BD que não teme mergulhar nos episódios mais obscuros da nossa história militar contemporânea. Apesar da diferença de estilos entre Osvaldo Medina e os ilustradores dos dois volumes anteriores da série, a obra mantém-se sólida e envolvente, cumprindo o duplo propósito de entreter e informar. O leitor sai da leitura não apenas com uma história tensa e bem construída, mas também com um entendimento mais complexo da realidade portuguesa no final do Estado Novo.


NOTA FINAL (1/10):
8.9



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2, de Marco Calhorda e Osvaldo Medina - Ala dos Livros

Ficha técnica
CoBrA - Operação Conacri – Tomo 2
Autores: Marco Calhorda e Osvaldo Medina
Editora: Ala dos Livros
Páginas: 80, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 270 mm
Lançamento: Maio de 2025