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quarta-feira, 23 de julho de 2025

Análise: A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart
A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou

Uma das mais recentes bandas desenhadas editadas pela editora A Seita - e, desta feita, através da chancela Comic Heart - foi este A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos que hoje vos trago, que junta pela primeira vez a dupla nacional formada por André F. Morgado, no argumento, e Kachisou, no desenho. Autores dos quais, de resto, tenho as melhores impressões com base nas suas obras, das quais posso citar, por exemplo, O Infeliz Pacto de George Walden (Morgado) Quero Voar (Kachisou) ou as recentes adaptações de obras clássicas da literatura portuguesa da coleção da Levoir, que André Morgado tem feito com vários ilustradores brasileiros.

Olhando para as obras criadas até então, este A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos apresenta-se como uma alternativa deveras diferente face àquilo que os autores nos deram até agora. Este é um livro cuja catalogação afigura-se-me difícil. Dizer que é um livro para um público mais novo está correto, sim, embora seja uma afirmação redutora, pois este é um livro munido de um humor maduro, carregado de referências, que, por isso, também pode (e deve) ser lido por um público mais adulto.

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos apresenta-se como uma fábula moderna, com simpáticos animais - exceptuando os amargurados ratos - e reveste-se de um humor que varia entre o inteligente e o absurdo. 

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart
A história centra-se num sapo entediado com o pântano e com a sua rotina, que, num impulso de inconformismo, procura uma nova aventura. O que se segue, no entanto, não é o épico tradicional que o protagonista poderia imaginar, mas sim uma espiral de acontecimentos caóticos onde os animais passam a conseguir adquirir as características que nunca tiveram, como a capacidade para falar, para voar, para cantar, para saltar... enfim, para viver tal como os humanos. E tudo isso é conseguido através de amuletos mágicos comercializados pelo Sapo. Entretanto, a comunidade dos ratos decide ficar com enormes corpos musculados e procura a sua vingança por, historicamente, ser um classe animal tão desprezada e mal tratada por todos. No meio disto tudo, ainda entram na trama as caralhotas (pães) de Almeirim. Bem, só por aqui já dá para ver como este desejo do Sapo em alterar a sua vida nos leva a situações divertidas e inusitadas.

É praticamente impossível que o início desta aventura não nos remeta para O Vento nos Salgueiros, de Kenneth Grahame, e brilhantemente adaptado para banda desenhada por Michel Plessix, quando o sapo dessa história também sente um chamamento interior para ter uma aventura que o transporte da sua vida rotineira no pântano. Mas, claro, o Sapo deste Caos e Coaxos é ainda mais propenso à criação de caos à sua volta. E coaxos!

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart
A estrutura da história é interessante. O início arranca um pouco aos tropeções, mas essa sensação é rapidamente contrariada quando a trama ganha corpo e se estabelece um fio condutor entre os diversos episódios e as personagens excêntricas que vão surgindo. André F. Morgado demonstra um bom domínio da narrativa ao conseguir amarrar todos os elementos aparentemente aleatórios num final que fecha o ciclo da história com coerência e até com uma subtil moral. 

É nesse equilíbrio entre o nonsense e a estrutura clássica da fábula que reside uma das maiores forças da obra, porque embora o absurdo impere, nunca se sente que o autor perdeu o controlo da narrativa. Ao contrário, percebe-se uma intenção clara de brincar com as convenções do género e de subverter expectativas, algo que contribui para manter o interesse do leitor ao longo da obra. Ao longo da leitura somos constantemente surpreendidos, seja com personagens inusitadas, seja com referências pop inesperadas ou com momentos de quebra da quarta parede.

Nesse ponto, o humor do livro merece um destaque especial. À primeira vista, pode parecer algo infantil ou “silly”, como se se limitasse ao jogo de palavras ou ao absurdo pelo absurdo. No entanto, uma leitura mais atenta revela um humor multifacetado, com várias camadas de referências culturais, literárias e musicais, jogos linguísticos e até críticas subtis ao nosso quotidiano. Essa combinação torna o livro acessível a leitores mais jovens, mas também muito satisfatório para leitores mais maduros que consigam captar as referências. André Morgado tem aqui o mérito de escrever com despretensão sem cair na banalidade. Também é de salientar o trabalho de diálogo e caracterização das personagens. A escrita é eficaz e ritmada, com bons tempos cómicos e um domínio interessante do absurdo como ferramenta narrativa, sem que este se torne cansativo.

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart
Todavia, se posso criticar algo, diria que a opção de incluir notas explicativas para duas ou três referências, como as de Tyler Durden ou de Chad Channing, por exemplo, me parece desajustada porque, lá está, se a intenção é criar um humor referencial, então parte da graça está precisamente na capacidade do leitor de reconhecer (ou não) as tais referências. Explicá-las tira-lhes impacto e, em certos casos, mata a própria piada, além de criar uma inconsistência, pois algumas referências são explicadas e outras não, o que leva à sensação de que se subestima a inteligência do leitor. Mas, enfim, é apenas uma nota pequena que, naturalmente, não belisca em nada a qualidade da obra.

Falando em qualidade, o trabalho de ilustração de Kachisou é outro ponto alto da publicação. O traço "cartoonesco", simplista, leve e expressivo, combina perfeitamente com o tom da narrativa. A paleta bicromática em tons esverdeados confere identidade visual à obra, sem a sobrecarregar. 

A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart
As ilustrações complementam e, em vários momentos, amplificam o humor e o ritmo da narrativa. O Sapo tem expressões que, por si só, são inequívocas em transmitir as suas emoções e pensamentos. Admito que não comecei por adorar os desenhos da autora nas primeiras páginas, mas não é menos verdade que acabei o livro a achar que Kachisou tinha aqui feito (mais) um belo trabalho. E que é diferente de tudo o que a autora já nos deu nas suas outras obras de banda desenhada. Prova superada, portanto.

Refiro ainda que a pertinência deste livro no panorama editorial português também é digna de nota. O humor tem escassa representação na banda desenhada nacional, especialmente com esta combinação de humor absurdo, fábula e sátira, o que faz com que esta A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos seja ainda mais bem-vinda. A aposta das editoras A Seita e Comic Heart revela, neste sentido, uma visão interessante e arriscada, num mercado que nem sempre valoriza este tipo de propostas.

De resto, a edição do livro é em capa dura baça, com bom papel baço e um bom trabalho quanto à impressão e encadernação. No final, como extra, há um conjunto de ilustrações sobre a obra, feitas por artistas convidados.

Em suma, A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos traz consigo algo de lúdico e libertador, convidando à gargalhada, ao espanto e, ao mesmo tempo, à reflexão sobre o que pedimos à vida e sobre as consequências dos nossos desejos. É um livro que vale pela diversão, mas que recompensa também a atenção e a releitura do leitor. 


NOTA FINAL (1/10):
7.8


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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A Aventura do Sapo - Caos e Coaxos, de André F. Morgado e Kachisou - A Seita e Comic Heart

Ficha técnica
A Aventura do Sapo: Caos e Coaxos
Autores: André F. Morgado e Kachisou
Editora: A Seita e Comic Heart
Páginas: 174 páginas, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 23 x 16 cm
Lançamento: Maio de 2025

segunda-feira, 27 de março de 2023

Análise: Quero Voar

Quero Voar, de Kachisou - A Seita e Comic Heart

Quero Voar, de Kachisou - A Seita e Comic Heart
Quero Voar, de Kachisou

Quero Voar foi lançado durante o último Amadora BD e é especialmente assinalável por ser a primeira obra de maior fôlego da autora portuguesa Kachisou.

Depois de Weak, que reunia duas curtas da autora, devo dizer que tinha bastantes expetativas para este Quero Voar. E a verdade é que, sendo certo que, com mais ajustes e maturação da narrativa e das personagens, Quero Voar poderia ser uma obra ainda mais impactante e inesquecível, não deixa de ser claro que estamos perante uma autora com um enorme potencial.

Até porque a sua obra se assume como bastante original e, até, algo "fora da caixa", diria. Pelo menos para o que é comum na banda desenhada portuguesa. O estilo de desenho tem forte influência do mangá, mas, não obstante, parece haver uma forte influência da banda desenhada mais ocidental, em termos narrativos e não só. O que faz com que a junção destes dois mundos nos dê algo original ao nível da banda desenhada nacional. É verdade que há outros autores portugueses com um estilo demarcadamente oriundo da escola do mangá, mas, parece-me, a sua criação procura aproximar-se (ou prestar homenagem?) ao próprio mangá. Kachisou parece navegar a um ritmo diferente e mais independente.

Quero Voar, de Kachisou - A Seita e Comic Heart
Esta é uma história sobre a juventude que acompanha a vivência de Kyle, cujo pai é demasiadamente severo, controlador e punitivo em relação ao protagonista. As altas e dificilmente alcançáveis expetativas que o pai coloca em cima do filho, bem como toda a ambiência de uma família religiosa e demasiado fechada em si mesma – e de si para o mundo – fazem com que a vida de Kyle seja tudo menos aquilo que um adolescente da sua idade desejaria. Não há espaço para que o jovem se sinta ele próprio e procure voar para as paragens a que procura almejar.

E é então que se dá o ponto de rutura e Kyle decide sair de casa com os poucos trocos que conseguiu amealhar. A sua vida parece melhorar então, especialmente quando este reencontra um dos seus amigos de infância, Jack. Juntos vão mergulhar no mundo das drogas, enquanto traficantes. Mas, passado algum tempo, também esta nova vida deixa Kyle insatisfeito, levando-o a passar a consumir as drogas que, supostamente, estavam destinadas apenas à venda. Infelizmente, as drogas nunca foram bom augúrio para ninguém. Como, aliás, a história nos demonstra. 

O texto é bom e a ideia, de alguém que está cansado da vida familiar e vai viver fora de casa, num mundo repleto de drogas e delinquência, até pode não ser especialmente original, mas está bem atada entre si e funciona bem. A única coisa que lamento neste álbum é que a história e vários momentos da mesma parecem acontecer de forma demasiado abrupta e não tão bem explanada como seria benéfico. 

Quero Voar, de Kachisou - A Seita e Comic Heart
Se tivesse havido um maior desenvolvimento das personagens e uma maior contenção na forma como Kyle toma algumas ações – e já descontando o facto de ser um jovem e, por norma, os jovens tomarem algumas decisões sem grandes reflexões -, julgo que o grau de imersão da história e a ligação que criamos com as personagens seriam maiores. E note-se que, neste caso, até não me parece que um livro de 124 páginas não dê bem para um bom character building. Acho que até havia espaço para isso. Mas a questão é que, se é verdade que a autora utiliza várias páginas para um só diálogo – o que dá vivacidade e realismo ao mesmo – por outro lado, desperdiça a tal oportunidade de nos fazer compreender melhor Kyle e Jack, criando empatia com os mesmos. E até quando chegamos ao final – que me parece bem conseguido – o mesmo é-nos dado de forma muito repentina, como se a autora aparentasse ter urgência para fechar a história.

Mas, se parece que me estou a focar em demasia nas coisas menos boas deste livro, deixem-me dizer-vos que a razão para tal é mesmo a de que Quero Voar tinha tudo para ser um livro mais impactante ainda. A história, triste e dramática, está bem conseguida, a reflexão que a mesma levanta é pertinente, a arte de Kachisou é muito bela, especialmente nas pranchas mais oníricas, resultantes dos efeitos das drogas a que Kyle sucumbe. O próprio final é um bom final. É, portanto, nas pequenas nuances que Quero Voar consegue um certo voo, sim, mas que poderia ser mais grandioso e menos rasante.

Quero Voar, de Kachisou - A Seita e Comic Heart
Também em termos de ilustrações, a preto e branco, o trabalho de Kachisou se revela com um enorme potencial. Com um estilo, já referido, bem ao jeito do mangá, a autora é especialmente exímia na forma como tão bem ilustra as expressões das personagens. O seu traço aparenta ser rápido, nervoso e confiante, dotando a componente visual do seu trabalho de uma eficácia e beleza muito orgânica. 

Considero que se algumas ilustrações tivessem recebido uma maior quantidade de pormenores, ficariam ainda mais belas. Mesmo assim, é justo dizer que Kachisou já é dona de uma técnica e de uma personalidade gráfica bastante elevada. Não admira que a mesma já tenha vencido prémios de criação mangá no Japão. Nota ainda, positiva, para a forma como a autora aplica os cinzentos, em trama, que acrescentam beleza e um cariz artístico aos desenhos.

Apreciei bastante a diversidade de planos e perspetivas utilizados pela autora, sempre com uma sensação bastante cinematográfica que perpassa ao longo de cada vinheta. A planificação é bastante dinâmica e muito em linha com o estilo mangá. Os limites de cada vinheta serão, por ventura, mais grossos do que aquilo que deveriam ser, o que torna as páginas menos airosas. E a inexistência de margens laterais também contribuiu para uma certa sensação de claustrofobia visual das páginas. Não é nada de muito negativo, mas creio que, feito de outra maneira, faria com que o aspeto visual da obra fosse ainda melhor.

Em termos de edição, o trabalho d’A Seita e da Comic Heart está bem conseguido. A capa é dura e baça, o papel, também baço, tem uma boa espessura. A encadernação e a impressão são igualmente boas. Nota para a inclusão de um pequeno caderno gráfico com alguns esboços e estudos preliminares das personagens.

Em suma, Quero Voar é a confirmação de que, sim, Kachisou pode voar enquanto autora de banda desenhada em Portugal. Este livro é, pois, a confirmação de todo o potencial da autora que, estou certo, ainda poderá dar-nos melhores obras no futuro. Um livro e uma autora a conhecer!


NOTA FINAL (1/10):
8.2


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Quero Voar, de Kachisou - A Seita e Comic Heart

Ficha técnica
Quero Voar
Autora: Kachisou
Editoras: A Seita e Comic Heart
Páginas: 124, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 16,5 x 24 cm
Lançamento: Agosto de 2022

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Portuguesa Kachisou lança o seu primeiro álbum de maior fôlego!



A Seita e a Comic Heart editaram recentemente Quero Voar, da autora portuguesa Kachisou, que se assume como a primeira obra de maior fôlego da mangaka algarvia.

Depois do primeiro trabalho, Weak, que reunia duas curtas da autora, diria que este Quero Voar é a grande afirmação de Kachisou enquanto autora portuguesa de banda desenhada.

Tal como A Rainha dos Canibais, de Miguel Rocha, também Quero Voar foi lançado ainda durante o Amadora BD. Porém, é só agora que o livro se encontra à venda de forma mais abrangente.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.

Quero Voar, de Kachisou
Uma maravilhosa novela gráfica de uma das mais recentes vozes da BD portuguesa.

Kyle sente-se preso, acorrentado pelo seu pai autoritário, numa família religiosa e severa, sente que não consegue abrir as suas asas, ganhar espaço... voar! O reencontro com o seu amigo de infância, Jack, vai ser o momento da libertação, da fuga. Mas vai ser também o início de algo mais, de uma viagem daquelas que nem sempre acabam bem.

Kachisou, uma autora de banda desenhada vencedora de vários prémios de mangá no Japão, apresenta aqui a sua primeira obra de longo fôlego, um drama de adolescência com um sabor ao mesmo tempo doce e amargo, num estilo entre o realista e a linguagem do mangá japonês. Um livro num registo a preto e branco que inclui algumas das mais belas páginas da BD portuguesa contemporânea.
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Ficha técnica
Quero Voar
Autora: Kachisou
Editoras: A Seita e Comic Heart
Páginas: 124, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 16,5 x 24 cm
PVP: 15,00€