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segunda-feira, 18 de agosto de 2025

TOP 10 - A Melhor BD lançada pela Comic Heart nos últimos 5 anos!


Hoje apresento-vos aquela que foi a melhor banda desenhada editada pela Comic Heart nos últimos 5 anos. Bem sei que esta é uma chancela que, atualmente, pertence à cooperativa editorial A Seita, da qual já aqui fiz um TOP 10, mas tendo em conta o facto de a Comic Heart se especializar em banda desenhada de autores nacionais, faz sentido que se assinale quais as 10 melhores obras de banda desenhada que esta chancela lançou nos últimos 5 anos.

Até porque a Comic Heart tem no seu catálogo alguns dos nomes maiores da banda desenhada nacional, o que revela bem a importância que foi conquistando ao longo da sua história recente.

Convém relembrar que este conceito de "melhor" é meramente pessoal e diz respeito aos livros que, quanto a mim, obviamente, são mais especiais ou me marcaram mais. Ou, naquela metáfora que já referi várias vezes, "se a minha estante de BD estivesse em chamas e eu só pudesse salvar 10 obras, seriam estas as que eu salvava".

Deixo-vos então, mais abaixo, com as 10 melhores bandas desenhadas editadas pela Comic Heart nos últimos 5 anos:

terça-feira, 3 de setembro de 2024

Análise: O Crime do Padre Amaro

O Crime do Padre Amaro, de André Oliveira e Ricardo Santo - Levoir - RTP

O Crime do Padre Amaro, de André Oliveira e Ricardo Santo - Levoir - RTP
O Crime do Padre Amaro, de André Oliveira e Ricardo Santo

Devo confessar que estava particularmente curioso em ler este O Crime do Padre Amaro - que a editora Levoir editou há umas semanas na sua coleção Clássicos da Literatura Portuguesa em BD - não por uma, não por duas, mas por três razões. E essas três razões são exatamente os nomes dos três autores por detrás desta obra: Eça de Queirós, André Oliveira e Ricardo Santo. 

Eça de Queirós, o autor do romance original O Crime do Padre Amaro, e nome maior da literatura, é um dos meus escritores favoritos! Não só da literatura portuguesa, como da literatura mundial. É um autor com um humor latente, irónico e subtil, carregado de uma crítica social indireta que adoro e que considero completamente atual. Quanto a André Oliveira, este é, quanto a mim, um dos melhores argumentistas da banda desenhada nacional, sendo as suas premissas originais e o seu texto especialmente inspirado e bem tecido. Finalmente, Ricardo Santo - que até lançou recentemente o também muito recomendável Boarding Pass - é um dos ilustradores de banda desenhada que mais aprecio.

O Crime do Padre Amaro, de André Oliveira e Ricardo Santo - Levoir - RTP
Portanto, tudo somado, estava desejoso de ler este O Crime do Padre Amaro e confirmar se as minhas altas expetativas para este livro eram positivamente correspondidas ou não. E foram, posso dizer-vos! Ainda não li todos os livros lançados nesta coleção da Levoir (mas faltam-me poucos) e ainda serão lançadas algumas novas obras no futuro, mas, pelo menos até agora, e considerando até os livros Auto da Barca do Inferno, Os Maias ou Amor de Perdição - lançados na coleção Clássicos da Literatura em BD - este O Crime do Padre Amaro é o meu favorito!

Mas voltemos um pouco atrás.

O Crime do Padre Amaro é um dos romances mais conhecidos de Eça de Queirós e representa uma das primeiras incursões do autor no realismo literário. Publicada pela primeira vez em 1875, a obra é uma crítica feroz à hipocrisia e corrupção moral da Igreja Católica e da sociedade portuguesa da época. Através de uma narrativa que combina elementos de crítica social, análise psicológica e denúncia moral, Eça constrói uma história poderosa e polémica. Se continua a ser polémica nos dias de hoje, imagino o quão mais chocante terá sido aquando da sua publicação original! Obrigado por abalares o sistema, Eça!

O Crime do Padre Amaro, de André Oliveira e Ricardo Santo - Levoir - RTP
A história gira em torno do Padre Amaro, um jovem que, devido à sua origem humilde e a uma série de influências externas, entra para o sacerdócio, mesmo sem que se lhe note uma verdadeira vocação religiosa. Após concluir os estudos no seminário, Amaro é enviado para a cidade de Leiria, onde é acolhido na casa de S. Joaneira, uma devota senhora que frequentemente abriga padres na sua casa.

E é nessa casa que Amaro conhece Amélia, uma bela e inocente jovem, filha da anfitriã. Rapidamente, Amaro é atraído por Amélia, e os dois iniciam um relacionamento secreto e ilícito, motivado tanto pelo desejo físico, quanto pela falta de escrúpulos morais de Amaro. A relação deles é complicada pelo contexto religioso e pelas pressões sociais da época e, claro, tudo se complica ainda mais quando Amélia engravida, o que leva a uma série de ações desesperadas. Para evitar o escândalo, Amaro convence Amélia a fazer tudo para assegurar que a sua reputação permanece intacta. Eventualmente, o desfecho acaba por ser trágico não para todas, mas para várias das personagens.

O Crime do Padre Amaro, de André Oliveira e Ricardo Santo - Levoir - RTP
Com toda a inteligência e humor irónico pelo qual é (re)conhecido, Eça de Queirós utiliza a figura do Padre Amaro para criticar a corrupção, a hipocrisia e a falta de verdadeira espiritualidade dentro da Igreja Católica. A obra mostra padres que, em vez de serem guias morais e espirituais, estão envolvidos em escândalos, pecados e abusos de poder. A crítica não é apenas ao comportamento individual de Amaro, mas ao sistema que permite e, em certa medida, encoraja esses comportamentos.

A própria sociedade portuguesa também é alvo de crítica, sendo retratada como hipócrita. As aparências são mantidas a qualquer custo, enquanto a moralidade verdadeira é frequentemente negligenciada. Personagens como S. Joaneira, que promove encontros entre padres e mulheres, e outros membros da comunidade de Leiria, que fofocam e julgam, exemplificam essa duplicidade.

E, claro, também bem presente, como um dos temas centrais, está a tensão entre o desejo carnal e as exigências do dever religioso. A obra questiona a repressão do desejo natural imposta pela Igreja, sugerindo que tal repressão leva à hipocrisia e à corrupção. 

O Crime do Padre Amaro, de André Oliveira e Ricardo Santo - Levoir - RTP
André Oliveira consegue agarrar bem na história originalmente tecida por Eça de Queirós, honrando a relevância da mesma e, ao mesmo tempo, adaptando-a de forma convincente para banda desenhada, utilizando as valências e possibilidades narrativas próprias da 9ª arte. Quem não conhece a história original poderá ficar com uma ideia muito clara da mesma, e quem já a conhece tem aqui mais uma oportunidade para um refrescante e novo mergulho nesta obra de valor incomensurável.

Nota ainda para o texto utilizado por André Oliveira que consegue manter o bom ritmo e dialética da escrita de Eça de Queirós sem o recurso a uma transcrição pura. E isto revela, lá está, a capacidade de André Oliveira para as palavras, por um lado, mas também para a narrativa em banda desenhada, por outro.

Mas se a adaptação do argumento por André Oliveira resulta, as ilustrações de Ricardo Santo também funcionam na perfeição para este O Crime do Padre Amaro

Tratando-se de uma história que vive muito do enredo que envolve as personagens, levando a muitos diálogos e intriga junto das mesmas, os desenhos de Ricardo Santo, com a sua característica expressividade caricatural revelam-se a cereja no topo do bolo para que o livro funcione da melhor forma possível. Nesse ponto - e embora eu seja sempre um apreciador dos desenhos do autor - até tenho que dizer que Ricardo Santo se revelou ainda melhor do que em anteriores trabalhos. É que os olhares que as personagens trocam entre si, bem como os gestos e as reações faciais das mesmas, muito contribuem para que o leitor mergulhe profundamente no enredo e na suas mensagens subliminares.

O Crime do Padre Amaro, de André Oliveira e Ricardo Santo - Levoir - RTP
Há uma ou outra expressão facial do Padre Amaro que me parece algo menos natural, talvez devido à tentativa de colocar a personagem com uma aparência mais andrógena do que o habitual, mas não é nada que seja demasiado grave. A "regra" é que funcione muito bem.

E onde Ricardo Santo também se revela especialmente inspirado nesta obra, é na forma dinâmica como planifica os seus quadros, com várias ilustrações maiores a serem divididas por vinhetas mais pequenas, e com os desenhos a transporem os limites das próprias vinhetas. Todas estas opções tornam a narrativa visual moderna, airosa e apelativa.

Em termos de edição, este livro apresenta as habituais características dos outros livros da coleção: capa dura baça, bom papel brilhante no miolo, boa encadernação e boa impressão. Destaque para o dossier de conteúdo adicional com 6 páginas, um pouco menos páginas do que o habitual para, presumivelmente, compensar o facto de também a história em BD ter mais duas páginas do que a regra nesta coleção. Uma nota ainda, positiva, para a capa, também um das mais apelativas de toda a coleção.

Em suma, esta adaptação de O Crime do Padre Amaro, uma das mais emblemáticas obras da literatura portuguesa, conquistou-me nos seus diversos níveis: a adaptação do argumento para banda desenhada por André Oliveira está bem conseguida, as ilustrações de Ricardo Santo fazem jus a este universo Queirosiano e, bem, a história, já amplamente conhecida pelos portugueses, continua apetitosa e totalmente atual, como se a obra original tivesse sido escrita há duas semanas e não há mais de 100 anos. Quer estejam a acompanhar ou não esta coleção da Levoir, este é mesmo um livro obrigatório!

NOTA FINAL (1/10):
9.1


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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O Crime do Padre Amaro, de André Oliveira e Ricardo Santo - Levoir - RTP

Ficha técnica
O Crime do Padre Amaro
Autores: André Oliveira e Ricardo Santo
Adaptação a partir da obra original de: Eça de Queirós
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
Lançamento: Julho de 2024

segunda-feira, 15 de julho de 2024

"O Crime do Padre Amaro" recebe adaptação em Banda Desenhada!



Uma das mais célebres obras de Eça de Queirós e, por conseguinte, da literatura portuguesa, recebe adaptação para banda desenhada! 

Falo de O Crime do Padro Amaro, primeiro romance de Eça de Queirós a ser publicado. A edição da adaptação para banda desenhada de tal obra é da editora Levoir e os responsáveis pela adaptação são André Oliveira, no argumento, e Ricardo Santo, nas ilustrações.

Estou super curioso com esta obra por vários motivos: em primeiro lugar, porque sou um grande admirador da obra de Eça de Queiroz e este O Crime do Padre Amaro, a par de obras como Os Maias ou O Primo Basílio, estão entre os meus livros favoritos da literatura nacional.

Além disso, também sou um fã do trabalho dos dois autores desta adaptação. André Oliveira tem demonstrado, a meu ver, ser dos melhores argumentistas de banda desenhada em Portugal, e Ricardo Santo como, aliás, até escrevi há uns dias, é dono de um estilo de ilustração por quem nutro grande admiração!

A expetativa está, portanto, alta e estou com muita vontade de ler este livro que deverá chegar às livrarias a partir de amanhã.

Por agora, deixo-vos com a nota de imprensa da editora e com algumas imagens promocionais.


O Crime do Padre Amaro, de André Oliveira e Ricardo Santo

José Maria Eça de Queirós nasceu a 25 de novembro de 1845, na Póvoa de Varzim, filho de um magistrado, também ele escritor, e morreu a 16 de agosto de 1900, em Paris.

É considerado um dos maiores romancistas de toda a literatura portuguesa, o primeiro e principal escritor realista português, renovador profundo e perspicaz da nossa prosa literária. O Crime do Padre Amaro, é o primeiro livro publicado de Eça de Queirós em 1875.

O Crime do Padre Amaro denuncia a corrupção dos padres, que manipulam a população em favor da elite, e a questão do celibato clerical. A sua publicação marca o início do Realismo português e é considerado por muitos a melhor obra do movimento.

André Oliveira, argumentista multipremiado com mais de uma vintena de obras publicadas em nome próprio, entre livros e minicomics, em diversas editoras nacionais, é também o autor da adaptação deste romance.

O ilustrador Ricardo Santo vive actualmente em Barcelona, onde exerce a atividade de designer industrial e é ilustrador, animador e autor de BD no tempo que lhe sobra. 

Em BD recebeu vários prémios em festivais e certames. O primeiro no Amora BD em 1991. E o último no Festival de BD da Amadora, em 2021.


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Ficha técnica
O Crime do Padre Amaro
Autores: André Oliveira e Ricardo Santo
Adaptação a partir da obra original de: Eça de Queirós
Editora: Levoir
Páginas: 64, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 210 x 285 mm
PVP: 15,90€

terça-feira, 2 de julho de 2024

Análise: Boarding Pass

Boarding Pass, de Ricardo Santo - A Seita e Comic Heart

Boarding Pass, de Ricardo Santo - A Seita e Comic Heart
Boarding Pass, de Ricardo Santo

Começo por uma afirmação plena de sinceridade: sou um verdadeiro fã dos desenhos de Ricardo Santo. É, aliás, dos meus artistas portugueses preferidos da atualidade. E quando se gosta de algo, seja de uma pintura, de uma música, de um automóvel, de uns sapatos, de uma banda desenhada, da beleza de alguém ou de um simples objeto decorativo, por muito que queiramos dizer o contrário - e mesmo admitindo que há condições objetivas de design de construção que sempre poderemos balizar - a verdade é que há uma grande subjetividade para gostarmos dessas coisas. Para as acharmos bonitas ou agradáveis à (nossa) vista. Gostamos porque… bem, gostamos porque sim. Porque nos identificamos, porque nos diz algo, porque nos toca no fundo, porque nos agrada, porque nos apela. E, bem, os desenhos de Ricardo Santo têm esse efeito em mim. Agradam-me verdadeiramente.

Boarding Pass, de Ricardo Santo - A Seita e Comic Heart
Portanto, ainda antes de ler um livro de Ricardo Santo, de averiguar se a história é marcante ou não, já os seus desenhos me agradaram. Posso arranjar várias explicações para isso - como o estilo “cartoonesco” moderno, com personagens a envergarem uma bela expressividade, ou as influências de uma mistura feliz entre aquilo que gosto de apelidar de o “novo franco-belga” e os comics americanos - mas a verdade é que Ricardo Santo faz “bonecos” de que gosto. Já o fez em Planeta Psicose e em Abandonos e fá-lo novamente – e ainda melhor - neste Boarding Pass que é, sem grande esforço, o melhor livro do autor até agora. E, acredito, um dos melhores livros de BD portuguesa deste ano!

Mas vamos por partes. 

Voltando ao início - e já que comecei este texto por falar nos desenhos - posso dizer-vos que em Boarding Pass, Ricardo Santo, parece (ainda) mais inspirado do que em álbuns anteriores. Todas as suas personagens são carismáticas e bem desenhadas, fazendo com que, só por olharmos para elas, possamos identificar características da sua maneira de ser e estar. As mulheres são bonitas (e apetecíveis), os homens têm carisma e os cenários são belos. Há toda uma certa sensualidade nos desenhos do autor que muito me apelam e destaca-se o bom equilíbrio entre "desenho simples" na génese e "desenho detalhado", onde é dada atenção a pormenores, que o autor consegue.

Boarding Pass, de Ricardo Santo - A Seita e Comic Heart
Também as cores são muito belas e vibrantes, acentuando o registo boémio da maioria das cenas com que nos deparamos em Boarding Pass e sendo parte relevante do registo gráfico apelativo de Ricardo Santo. Contudo, devo dizer que algumas das cores - especialmente as das cenas noturnas - se tornam um pouco escuras em demasia. Normalmente, diria que a responsabilidade desta situação poderia ser dividida entre o autor e a qualidade da impressão, mas tendo em conta que é algo que também já senti em Planeta Psicose, publicado por outra editora portuguesa, talvez seja algo que se deva imputar ao autor. Não é que seja uma coisa que faça com que os desenhos fiquem feios ou algo parecido. Nada disso. No entanto, é algo que torna a leitura mais ilegível. Se não lermos o livro com uma boa claridade, é normal que, à luz de um candeeiro de luz tímida, não consigamos captar bem os desenhos do autor. E esta situação fica ainda mais acentuada pelo tamanho das legendas e texto que me parece demasiado pequeno. Em termos estéticos, até gosto, pois acaba por ser uma legendagem que não ocupa em demasia as ilustrações, mas, por outro lado, perde-se em legibilidade. Talvez se a edição fosse num maior formato, isto não se sentisse tanto.

Boarding Pass, de Ricardo Santo - A Seita e Comic Heart
Quanto à história de Boarding Pass, esta centra-se em vários imigrantes que tentam a sua sorte na cidade de Barcelona, local que acolhe tanta gente vinda de fora da cidade e do país - como é, aliás, o caso do próprio autor Ricardo Santo. A história centra-se especialmente – mas não só - em quatro mulheres que formam uma banda de rock feminista e têm, cada uma delas, os seus próprios problemas e dificuldades de subsistência numa cidade onde conseguir uma casa a custos decentes se torna cada vez mais uma miragem. À semelhança do que vamos vivendo em Lisboa, diga-se. A especulação imobiliária, os despejos, as demolições, a ocupação dos edifícios são uma constante e, neste Boarding Pass, essa é a fonte de todos os problemas, fazendo com que um submercado à margem da lei evolua cada vez mais.

Paralelamente, acompanhamos também o percurso de Oumar, natural do Senegal, que ao procurar por uma melhor vida em Barcelona, se vê arrastado para (e por) uma rede criminosa. O destino de Ângela, a guitarrista da banda de rock, acaba por se cruzar com o de Oumar já que este também é músico.

Boarding Pass, de Ricardo Santo - A Seita e Comic Heart
A história adota um estilo slice of life, em que nos vão sendo dado vários capítulos nas vidas das personagens e na forma como as suas vidas acabam, todas elas, por se entrelaçar. Tendo especialmente em conta que estamos a falar de uma cidade grande e multicultural, é perfeitamente natural que os amigos e relacionamentos de cada imigrante comportem pessoas de diversas etnias e credos. E Ricardo Santo é bem sucedido em deixar o leitor sempre ligado a estas personagens com que é fácil criar um relacionamento. 

O discurso é-nos dado na primeira pessoa, levando-nos a crer que as vozes das personagens são inspiradas em testemunhos reais. Algo como o autor já havia feito em Abandonos. E sente-se, de certa forma, que a história foi feita ao sabor do vento, sem que, aparentemente, o seu desenvolvimento e, especialmente, o final estivessem já muito bem delineados na mente do autor, que foi explorando caminhos narrativos à medida que avançava na criação desta obra. Isso não é um problema, até porque as personagens são boas, mas denota um argumento quiçá mais frágil.

Boarding Pass, de Ricardo Santo - A Seita e Comic Heart
Quanto a mim, em termos de história, o livro só não é perfeito porque, lá mais para o fim – e não vou adiantar muito, para não fazer spoiler a ninguém – a história se encha, repentinamente, de um tipo de cenas de ação que parecem oriundas do estilo policial. É um género que também me agrada, mas que me pareceu algo forçado nesta história. Percebo que foi uma forma para o autor surpreender o leitor e explorar algo mais dinâmico, mas parece-me que o todo teria funcionado melhor, obtendo mais verosimilhança, se o autor se tivesse mantido no registo mais slice of life, em vez desta opção por um híbrido entre esse género e o “policial de ação”. Se é que lhe posso chamar isso. Não é que estrague a obra minimamente, atenção, mas simplesmente a afasta de ser ainda melhor. Mesmo assim, repito, é, até agora, uma das melhores bandas desenhadas portuguesas do ano e, sem dúvida, o melhor livro de Ricardo Santo!

A edição d’A Seita e da Comic Heart está bem conseguida, apresentando capa dura baça, bom papel baço no miolo e uma boa impressão e encadernação. No final, há um breve caderno de extras com duas páginas, onde nos são dados esboços e fotografias que, certamente, serviram como mapeamento gráfico ao nível de cenários. O grafismo do livro também está muito agradável. Repito que, pelas razões acima enumeradas, considero que este livro merecia um formato ligeiramente maior e cores ligeiramente mais claras.

Boarding Pass, de Ricardo Santo - A Seita e Comic Heart
Nota positiva para a capa, belissimamente ilustrada pelo autor e que faz bom uso de uma ilustração dupla, que acaba por representar um excelente cartão de visita para a obra. 

Se há livros que, por causa da sua boa capa, chamariam a minha atenção numa loja, este é um bom exemplo disso. E espero que isso também aconteça a muitas mais pessoas que deambulem pelas livrarias. 

Como sempre digo: a capa, contracapa e lombada são as embalagens dos livros. Se forem bonitas, mais possibilidade tem esse livro de ser comprado.

Em suma, Boarding Pass confirma o enorme potencial que existe em Ricardo Santo para ser um autor incontornável na banda desenhada portuguesa. 

Mesmo - e por pequenas coisas - sem ser perfeito, é das melhores bandas desenhadas portuguesas que li em 2024. Ricardo Santo já não é uma revelação, mas antes a confirmação de um autor nacional que todos têm de conhecer!

NOTA FINAL (1/10):
9.0



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Boarding Pass, de Ricardo Santo - A Seita e Comic Heart

Ficha técnica
Boarding Pass
Autor: Ricardo Santo
Editoras: A Seita e Comic Heart
Páginas: 112, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Maio de 2024

quarta-feira, 20 de março de 2024

Pára tudo! Eis o meu livro sobre BD!!!



Hoje é um dia muito importante para mim!!!

Finalmente posso apresentar-vos o meu primeiro livro, em que estive a trabalhar no último ano, e que sairá no próximo sábado!

Chama-se Muitos Anos a Virar Frangos... perdão, Muitos Anos a Virar Páginas, e é um livro não de banda desenhada, mas sobre banda desenhada.

O repto foi lançado por Jorge Deodato que, a propósito do 10º aniversário da editora Escorpião Azul, me convidou a fazer um livro sobre banda desenhada, com alguns dos principais editores portugueses de BD. Gostei da ideia e pus mãos à obra!

Procurando não fazer um mero livro de entrevistas secas e formais, tive 10 "verdadeiras" conversas com 10 dos mais relevantes editores de banda desenhada em Portugal.

O objetivo? Muito simples: levantar um pouco (ou, por vezes, demasiado!) o véu sobre o que é a edição de banda desenhada por terras lusas, conhecendo as dificuldades, os desafios, os feitos alcançados. E, porque sei que isso também é importante, conhecer os percursos pessoais destes 10 editores. E, acreditem, há aqui histórias mirabolantes contadas na primeira pessoa!

Falei com 10 pessoas incríveis que, com generosidade, me abriram o coração, esmiunçando o seu passado e opinando - por vezes de uma forma que muitos poderão achar polémica - sobre tudo e mais alguma coisa que esteja relacionada com a banda desenhada. Esperem afirmações marcantes que nos fazem pensar.

Os autores com quem falei foram Jorge Deodato e Sharon Mendes (Escorpião Azul), Rui Brito (Polvo), Mário Freitas (Kingpin Books), José Hartvig de Freitas (A Seita, Devir, G. Floy Studio), Bruno Caetano (A Seita, Comic Heart), Ricardo M. Pereira (Ala dos Livros), Silvia Reig (Levoir), João Miguel Lameiras (A Seita, Devir), Vanda Rodrigues (Arte de Autor) e Guilherme Valente (Gradiva).

Falámos de tudo e mais alguma coisa! Houve perguntas malandras, houve respostas curiosas e, acima de tudo, houve conversas abertas e sem tretas ou filtros. Não gosto de chamar ao Muitos Anos a Virar Páginas um livro de entrevistas... é mais um livro de conversas que QUALQUER AMANTE de BANDA DESENHADA certamente apreciará. Admito que isto pode parecer o discurso de quem quer vender algo, mas digo-vos, com sinceridade total: conhecendo o livro como conheço, eu adoraria ler um livro assim, mesmo que tivesse sido feito por outra pessoa. Considero-o uma "verdadeira bíblia" sobre os meandros da edição de banda desenhada em Portugal e acho que, no final da leitura, saímos bastante mais ricos!

Acham que percebem muito sobre banda desenhada e sobre o que é editar BD? Então esperem por ler este livro e ficarem de boca aberta perante certas revelações. Mais, não digo.

Eu sou suspeito a falar, reconheço, mas estou muito orgulhoso do que aqui foi feito. Daquilo que representa este livro. Mas, claro, não o teria conseguido sozinho, claro está, se não fosse a generosidade destes 10 editores que disseram "SIM" ao meu convite. A eles, e agora publicamente, eu digo: OBRIGADO.

Mas há mais neste Muitos Anos a Virar Páginas, caros leitores.

Este não é apenas um livro de texto. Está carregado de desenhos e de imagens. Cada conversa é acompanhada por fotografias do acervo pessoal de cada um dos editores e algumas dessas fotos veem agora, pela primeira vez, a luz do dia. Já para não falar que várias dessas fotografias incluem autores de renome internacional.

Mas melhor ainda que isso, é que o livro conta com 10 ilustrações inéditas e feitas de propósito para o Muitos Anos a Virar Páginas por alguns dos autores portugueses mais marcantes na banda desenhada nacional, nomeadamente: Luís Louro, Rita Alfaiate, Paulo J. Mendes, Derradé, Pepedelrey, Álvaro, Inês Garcia, João Gordinho, Ricardo Santo e João Amaral! Todos eles com obras publicadas pela Escorpião Azul. Posso dizer-vos que todos estes ilustradores se esmeraram nas suas ilustrações e que foi para mim uma honra poder contar com o seu contributo. A capa do livro, já agora, é da autoria de Sharon Mendes.

Este contributo de tanta gente estendeu-se ainda a Maria José Magalhães Pereira, que assina um fantástico e muito elucidativo prefácio ao livro. Já viram a sorte que eu tive em poder contar para o meu livro com tanta gente maravilhosa e que tanto e tão bem representa a banda desenhada em Portugal? 

Sim, já perceberam que estou muito entusiasmado com este livro, mas acho que tenho razões para tal. O mesmo será lançado no próximo sábado, às 22h, no Festival LouriBD, na Lourinhã. Apareçam e trocamos dois dedos de conversa.

Com sorte, tendo em conta que muitos dos ilustradores que aparecem no livro estarão presentes no LouriBD, ainda levam o livro com dedicatórias para casa.

Por agora, deixo-vos com a sinopse da obra, ficha técnica e com algumas das ilustrações que poderão encontrar no livro.


Muitos Anos a Virar Páginas, de Hugo Pinto

No atual e consentâneo período dourado que se vive na edição de banda desenhada em Portugal em que, cada vez mais, se lança mais e melhor BD por terras lusas, há, ainda assim, questões que subsistem sem resposta: como é que, efetivamente, se desenrola a atividade de edição de BD por cá? Será este mercado tão sustentável como aparenta ser? Que ambiente se respira entre concorrentes na edição? Que tiragens são feitas? Que diferença há entre Novela Gráfica e Banda Desenhada? Como vivem os editores de BD em Portugal? E serão eles “editores” ou meros “publicadores”?

Recorrendo a um anglicismo e adaptando ao universo da banda desenhada a célebre questão sem resposta de Bob Dylan, a pergunta primordial que se impõe é: How many books must a publisher publish, before you call him an editor?

“A resposta, meu amigo”, a essa e outras questões, está neste primeiro livro de Hugo Pinto (autor do blogue Vinheta 2020 e divulgador e crítico de banda desenhada). De modo desgarrado e sem pudores, não fugindo a assuntos muitas vezes considerados tabu, este é um livro com conversas entre o autor e 10 dos mais proeminentes editores de banda desenhada da última década em Portugal.

Não só Muitos Anos a Virar Páginas assinala os 10 anos de existência da editora Escorpião Azul, como nos dá um extenso e profundo vislumbre sobre a banda desenhada em Portugal, carregado de inúmeras histórias dos bastidores da edição da 9ª Arte que eram, até agora, desconhecidas.

E como cereja em topo do bolo, ainda reúne 10 ilustrações únicas e inéditas feitas por 10 dos autores que fazem parte do catálogo da editora portuguesa.

Eis um livro obrigatório para todos os amantes de banda desenhada.

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Ficha técnica
Muitos Anos a Virar Páginas
Autor: Hugo Pinto
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 256, a preto e branco
Encadernação: Capa Mole
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Março de 2024
PVP: 25,00€

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

Análise: Abandonos

Abandonos, de Ricardo Santo - Escorpião Azul

Abandonos, de Ricardo Santo - Escorpião Azul
Abandonos, de Ricardo Santo

Abandonos, assinala o regresso, passado apenas um ano, do autor português Ricardo Santo ao lançamento de banda desenhada. Depois de, também pela editora Escorpião Azul, o autor ter lançado a aclamada obra Planeta Psicose – que este ano arrecadou o Prémio Revelação nos Prémios do Amadora BD e que, nos VINHETAS D’OURO, também esteve, no ano passado, nomeada para Obra Revelação da Banda Desenhada Nacional – eis que Ricardo Santo, também autor do novo banner do Vinheta 2020 - já agora! - regressou em 2021 com uma nova obra.

Que é totalmente diferente de Planeta Psicose. Bem, não diria “totalmente”, mas diria que Abandonos e Planeta Psicose são diferentes em quase tudo. Em primeiro lugar, Abandonos é um livro a preto e branco e, em segundo lugar, esqueçam toda aquela loucura e comédia que Planeta Psicose nos deu. Abandonos é uma obra bem mais séria e que convida a uma reflexão profunda, trazendo consigo uma componente didática que, tenho que confessar, me surpreendeu.

Abandonos, de Ricardo Santo - Escorpião Azul
A história, que mistura realidade e ficção, mostra-nos o percurso de alguns portugueses que se juntam em torno de um ideal. Ricardo Santo recupera as tragédias vividas nos inesquecíveis incêndios de 2017, que entre outros locais da floresta portuguesa, afetaram fortemente o património natural e cultural da Serra da Estrela. É assim criado o Movimento por uma Estrela Viva com o intuito de proteger e preservar toda a área circundante desta região do país.

O livro é contado sob a forma de testemunho, dando a entender que o autor se serviu de conversas e/ou entrevistas com as pessoas, aparentemente, reais que aparecem neste Abandonos.

E diga-se que os acontecimentos estão bem cobertos em apenas 40 páginas de livro: desde o terror que as pessoas que se viram perto das chamas destes incêndios experienciaram; passando por uma padaria que, pela noite dentro, se manteve aberta para fornecer pão, calor humano e casas de banho a todas as pessoas que ali estavam cativas, não podendo circular para os seus destinos; ou como foi visualizar um território completamente destruído, com veículos queimados, árvores carbonizadas ou animais completamente perdidos; os eventos estão bem descritos.

Com efeito, Ricardo Santo, oferece-nos um testemunho real e impactante sobre esta tragédia que ainda permanece bem viva nas nossas mentes. Ou, se não permanece, devia e algo está mal. E, curiosamente, Abandonos também nos faz relembrar disso. Que é importante que lutemos pela nossa terra, para que a mesma perdure e floresça, enquanto nos juntamos a outras pessoas com ideais semelhantes. Muito simples, muito direto.

Abandonos, de Ricardo Santo - Escorpião Azul
Olhando para as ilustrações deste Abandonos, posso dizer que será nesse cômputo que os leitores melhor identificarão o estilo próprio de Ricardo Santo. E, portanto, onde Planeta Psicose e Abandonos mais se tocam.

Com um traço semi-caricatural que muito aprecio, o autor mantém-se novamente eficaz em oferecer-nos ilustrações bem conseguidas e bastante inspiradas. As personagens apresentam expressões faciais inequívocas e uma boa linguagem corporal, enquanto que os ambientes e cenários se apresentam bem desenhados, especialmente nas vinhetas onde se denota que o autor mais de demorou na caracterização cénica. E que dizer das fantásticas páginas de guarda em que o autor apenas desenha detalhes da natureza? Que potencial enorme que este autor tem! Sendo desenhos simples, são igualmente desenhos muito graciosos. 

Aprecio muito o traço deste autor e este Abandonos prova que o mesmo não sabe apenas desenhar histórias divertidas, de humor. Não há humor nenhum em Abandonos e, mesmo assim, os desenhos de Ricardo Santo encaixam que nem uma luva nos relatos sérios e emotivos que nos são dados. E se gosto daquilo que o autor consegue fazer com cores, também gostei bastante deste livro a preto e branco.

Voltando à história, devo admitir que o livro não nos dá propriamente “uma história”. Não há aqui um argumento clássico. Ao invés, aquilo que Abandonos nos oferece reside muito no relato daquilo que se passou. Se, por um lado, do ponto de vista do argumento, parece que Ricardo Santo não dá qualquer salto qualitativo nesta história, por outro lado, fica óbvio que não era essa a pretensão do autor. A ideia é relatar, educar e fazer refletir. E nisso, Abandonos funciona perfeitamente.

E, nesse sentido, até vou mais além, pois considero que há uma carga didática que nem o autor, nem a Escorpião Azul, nem o Movimento por uma Estrela Viva, devem deixar de promover. Será que já foram contactadas as escolas deste país para que o livro possa ser promovido junto dos alunos? Será que já foram contactadas a Proteção Civil, as Câmaras Municipais das áreas ardidas, os museus naturais de Portugal, as lojas de souvenirs da Serra da Estrela para que todos conheçam Abandonos? Se tal não aconteceu, devia acontecer. Eu sei que é mais fácil de falar do que fazer mas isto é algo que precisa mesmo ser feito. Acho que este é um daqueles livros que mais do que receber o aval e o bom parecer dos leitores e críticos de banda desenhada, precisa mesmo é de chegar a todas as pessoas. Ao maior número possível. As que lêem e as que não lêem banda desenhada. O potencial é infinito desde que, claro está, os agentes envolvidos com este livro saibam “mexer-se” e fazer lá chegar a mensagem.

Abandonos, de Ricardo Santo - Escorpião Azul
O que me leva a falar da edição da Escorpião Azul que, não surpreendentemente, está em linha com os lançamentos habituais desta editora: capa mole, papel decente e boa encadernação. Nada há a objetar quanto a isso, já que é a fórmula que a editora sempre apresenta. 

No entanto, acho que há aqui uma coisa que, eventualmente, e de forma lamentável, passou ao lado dos editores e, talvez mesmo, do próprio autor: é que, em nenhum sítio da capa há alguma menção ao caráter didático da obra ou ao simples facto da mesma ser sobre os incêndios que assolaram Portugal durante o ano de 2017. Como é possível?! Isto podia (devia!) ter sido feito com um subtítulo, ou com um autocolante a fazer menção a tal ou com um elemento gráfico que chamasse a atenção para o tema do livro. Assim, como está, com o título Abandonos e duas miúdas giras na capa, este livro parece, acima de tudo, um romance. Em marketing estudamos a opportunity to sell que, basicamente, é o elemento diferenciador e/ou especial que fará com que o nosso produto seja facilmente vendável. Pois bem, a opportunity to sell de Abandonos é o facto de este ser um livro didático sobre os incêndios que ocorreram em Portugal em 2017. E se isso não é aproveitado, perde-se a grande oportunidade de negócio inerente ao livro. Mais do que receber análises em blogs de banda desenhada, este livro deve estar presente em todos os lugares que já mencionei acima, de cabeça. E muitos outros que, naturalmente, olvidei. E acho que a editora e autor ainda vão a tempo de “fazer barulho” com este livro.

Em conclusão, considero que Abandonos ainda não é o livro com o forte e marcante argumento que considero que este autor merece para dar o grande salto e afirmação enquanto autor mas é, ainda assim, uma obra bastante interessante, que merece ser lida mas, mais do que isso, oferecida. Aos mais novos, especialmente. Para que saibamos e ensinemos o valor de certas coisas na natureza, que damos como certas. Oh, que bom é quando a banda desenhada, para além de nos dar bons momentos, também traz consigo uma boa dose de responsabilidade social! É o caso.


NOTA FINAL (1/10):
7.4


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Abandonos, de Ricardo Santo - Escorpião Azul

Ficha técnica
Abandonos
Autor: Ricardo Santo
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 40, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Outubro de 2021

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Vinheta 2020 recebe nova imagem, feita por um autor português!

O Vinheta 2020 acaba de receber uma nova imagem para o seu banner! Desta vez, convidei o autor Ricardo Santo que teve a amabilidade e simpatia de dizer "sim" ao meu desafio, ilustrando, não uma, nem duas, mas três personagens emblemáticas da banda desenhada!

Ora, vejam lá se não está fantástica:

Ricardo Santo é o autor do aclamado Planeta Psicose e do recente Abandonos, que já li e analisarei nos próximos dias.

Muito obrigado, Ricardo!

Relembro que, as imagens anteriores do Vinheta 2020 foram desenhadas por nomes como Telmo Estrelado, Osvaldo Medina e Luís Louro.

Mantém-se assim viva aquela que já vai sendo a tradição de mudar a imagem do blog de 6 em 6 meses!

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Lançamento: Abandonos



Ricardo Santo, um dos autores que no ano passado surpreendeu com o seu Planeta Psicose, está de volta aos lançamentos de bd. Abandonos é a sua mais recente proposta que é lançada pela Escorpião Azul e posso dizer que, da minha parte, estou bastante curioso com este livro!

Abaixo, fiquem com as imagens promocionais e sinopse da obra.

Abandonos, de Ricardo Santo

Misturando realidade e ficção, esta história revela-nos a luta de um grupo de pessoas que, após uma tragédia, se uniram na causa comum de preservar o património natural e cultural da Serra da Estrela.

Esta BD fala sobre os dilemas internos de quem cresceu e de quem vive no interior. É também uma reflexão sobre as consequências do seu abandono.

Duas amigas percorrem as zonas da Serra da Estrela afectadas pelos incêndios de 2017 em conjunto com os membros do “Movimento por uma Estrela Viva”, um dos vários movimentos independentes de cidadãos que se formaram na região, após a tragédia e que actuam na regeneração dos terrenos ardidos e abandonados. 

Assim como na vida e na alma das pessoas que ainda aí resistem.

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Ficha técnica
Abandonos
Autor: Ricardo Santo
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 40, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
PVP: 10,00€

sábado, 2 de janeiro de 2021

Análise: Planeta Psicose

Planeta Psicose, de Ricardo Santo - Escorpião Azul


Planeta Psicose, de Ricardo Santo - Escorpião Azul
Planeta Psicose, de Ricardo Santo

Planeta Psicose é o 50º álbum a ser lançado pela editora Escorpião Azul. E, para um lançamento tão simbólico como este, julgo ser justo admitir que a editora acertou em cheio com esta obra da autoria de Ricardo Santo, autor que já tinha dado nas vistas quando, em 2017, lançou a obra Livro Sagrado, que viu a luz do dia através de uma campanha de crowdfunding bem sucedida. 

Planeta Psicose é um conjunto de várias histórias que Ricardo Santo tem vindo a desenvolver ao longo dos últimos meses/anos. Quando, a 26 de Junho, falei com o editor da Escorpião Azul, Jorge Deodato, a propósito dos lançamentos da editora para o segundo semestre de 2020, a obra ainda era apelidada como Dissonâncias Cognitivas. Mas, entretanto, recebeu um novo título, Planeta Psicose, e foi lançada a cores, já bem perto do final do ano 2020.

Na verdade, a obra é constituída por três histórias: Psycotropic Revelution, Fernando & Joel Contra os Donos desta Porra Toda!!! e Dissonâncias Cognitivas – sendo que esta última história aparece dividida em três partes.

Planeta Psicose, de Ricardo Santo - Escorpião Azul
Apresentando um cariz humorístico, envolto numa mordaz crítica social, Planeta Psicose é uma obra muito interessante e uma das apostas mais aliciantes do catálogo da Escorpião Azul. A crítica de Ricardo Santo é bastante mordaz e utiliza, como ponto de partida, as teorias da conspiração e fake news que habitam as redes sociais por todo o mundo, apresentando-nos um conjunto de histórias divertidas, por vezes com alguns exageros, é certo, mas que encaixam perfeitamente no que aqui é pretendido realçar: um mundo onde, cada vez mais, se procura uma verdade sustentada em mentiras e em pressupostos dúbios e subjetivos. 

Além disso, Ricardo Santo também é feliz ao passar-nos o seguite statement: se as fake news e as teorias da conspiração, baseadas em tudo menos na ciência e nos factos, são permitidas e aceites, então o autor também pode agarrar nos factos, à sua maneira, e fazer deles o que bem entender. Algo semelhante ao que o realizador de cinema Quentin Tarantino fez no filme Inglorious Basterds, por exemplo. E, nessa vertente, Planeta Psicose é, de facto, muito interessante. Num amplo e generoso guisado de teorias da conspiração, o autor serve-se, como que num bufett, de tudo e mais alguma coisa: de Trump, de André Ventura, de seres alienígenas, de Elvis Presley, do Abominável Homem das Neves, da Área 51, de Che Guevara, de John F. Kennedy, entre muitos outros eventos históricos e figuras emblemáticas. Por vezes, podemos considerar que o autor vai longe de mais mas, na maior parte das vezes, leva a narrativa a bom porto, em termos de humor e boa disposição.

E, se é verdade que a crítica e sátira do autor são muito bem-vindas, penso que onde este Planeta Psicose mais brilha até nem é na história Dissonâncias Cognitivas, mas sim nas outras duas histórias, onde o potencial do autor é mais verificável. A história Dissonâncias Cognitivas é interessante mas em termos de arte sequencial, nem sempre o fio da narrativa se torna muito bem conseguido. Por vezes, parecem apenas ilustrações que contam uma história em comum mas que aparecem algo dispersas entre si. E a ausência de texto em Dissonâncias Cognitivas não ajuda. 

Planeta Psicose, de Ricardo Santo - Escorpião Azul
Mas, nas outras duas histórias, já por mim mencionadas, o caso muda de figura. Aqui, temos um texto inspirado e um argumento mais composto e bem delineado pelo autor. A personagem Rita Faísca, de Psycotropic Revelution, com todos os seus clichets, é um retrato magnífico, acutilante e bem traçado das personalidades ocas, os tais influencers, que, na atualidade em que vivemos, muita gente parece seguir. Aquelas personagens aparentemente tão cheias de tudo mas que, na verdade, são cheias de nada. Adorei esta personagem e gostaria de a voltar a ver numa nova aventura do autor. Depois de uma entrevista num programa de tv a la Cristina Ferreira, o autor apresenta-nos esta personagem ao detalhe. É pena que depois a narrativa desta história resvale para uma ação algo descabida e over the top, por vezes. Acho que se perdeu uma oportunidade de fazer algo mais memorável, muito embora tenha sido uma história muito interessante. Já em Fernando & Joel Contra os Donos desta Porra Toda!!!, Ricardo Santo volta a mostrar-se como um autor com enorme potencial. A história baseia-se no mirabolante caso real do roubo de armas de Tancos e, a partir daí, fabrica a sua própria teoria, quiçá tão credível como as teorias que os meios de comunicação social – e não só – têm explorado nos últimos meses. Esta é mais uma história divertida e mirabolante sobre a qual não quero tecer muitos comentários, para não estragar eventuais surpresas aos leitores que comprarão o livro depois desta leitura.

Em termos de ilustração, o trabalho “cartoonizado” de Ricardo Santo é bastante bem conseguido e, ao mesmo tempo, criativo, apresentando personagens com bastante personalidade em termos gráficos. Há também um conjunto bastante variado de criaturas não-humanas que permitem averiguar a capacidade e diversidade do autor em termos de desenho. E mesmo em cenas de ação, também fiquei agradado com a agilidade ilustrativa do autor.

Planeta Psicose, de Ricardo Santo - Escorpião Azul
Planeta Psicose
é uma boa e bem guardada surpresa. Considero que poderia ter arriscado mais em algumas vertentes, nomeadamente na corajosa empreitada que seria a tentativa por uma história única - e que potencialmente seria mais profunda e memorável - ao invés de apresentar um conjunto de histórias isoladas entre si. Não obstante, a obra funciona mais como um cartão de visita, um portfolio - sobre a forma concreta de um livro -, para demonstrar as excelentes potencialidades do autor. Quer enquanto criador de histórias carregadas de um humor negro e muito consciente da sociedade atual que nos rodeia; quer como um ilustrador muito interessante, com um estilo "cartoonizado" que, não só funciona extremamente bem para o tipo de histórias em questão, como apresenta ilustrações que facilmente conseguem atrair simpatia por parte dos leitores.

A edição da Escorpião Azul é em tudo semelhante àquilo que a editora nos tem dado nos seus outros lançamentos, excetuando o facto deste ser um livro a cores e que, por esse motivo, respira melhor – especialmente tendo em conta o teor narrativo-gráfico da obra. Devo dizer que achei que algumas das ilustrações mais “noturnas”, isto é, com menos luz, ficaram demasiado escuras e difíceis de apreciar. Mesmo assim, é bom que a editora (também) edite álbuns a cores. 

Planeta Psicose apresenta-se como uma das revelações da banda desenhada nacional. Ricardo Santo é um autor ao qual todos devemos dar atenção. Com um trabalho mais limado, aqui e ali, em futuras edições, há potencial para que Ricardo Santo se torne num nome relevante da banda desenhada nacional. Parabéns à Escorpião Azul pela aposta, mais que bem sucedida. 


NOTA FINAL (1/10):
8.2


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020 

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Planeta Psicose, de Ricardo Santo - Escorpião Azul
Ficha técnica

Planeta Psicose

Autor: Ricardo Santo

Editora: Escorpião Azul

Páginas: 72, a cores

Encadernação: capa mole 

                                      Lançamento: Dezembro de 2020