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quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Análise: Tempo - Em Busca da Felicidade Perdida


Tempo - Em Busca da Felicidade Perdida, de Jorge Pinto, Evandro Renan e Talita Nozomi

Que Jorge Pinto era (e é) um argumentista com bastante potencial para a banda desenhada, já não era uma dúvida para mim desde que li Amadeo - A Vida e Obra Entre Amarante e Paris. Embora essa obra se trate de uma biografia de Amadeo de Souza-Cardoso, e, portanto, esteja, à partida, presa a condicionalismos comuns que qualquer biografia acarreta, ficou para mim presente, quando li esse livro, a clara apetência para a escrita de Jorge Pinto, bem como a boa gestão dos tempos narrativos por parte do autor.

E, portanto, saber que Jorge Pinto tinha um novo livro de banda desenhada, deixou-me bastante interessado em lê-lo! E em boa altura o fiz já que Jorge Pinto nos dá aqui um belo livro, com uma profunda e madura reflexão sobre o tempo, essa unidade abstrata que, concretamente, tanto interfere na forma como vivemos, pensamos e projetamos as nossas vidas.

A história de Tempo - Em Busca da Felicidade Perdida anda, pois, à volta do tema do tempo, fazendo uma ótima reflexão de como o mesmo é efémero e de como tudo o que vivemos, como a escrita (ou a leitura) deste mesmo texto que vos trago, já faz parte do passado assim que nela depositamos um pouco do nosso tempo. É, portanto, algo que já não temos. De uma vivência, é certo, mas de algo que já não é mais do que uma mera memória. E o tempo que dispensamos a cada uma das coisas que fazemos, é um tempo gasto. Não vou dizer “perdido”, porque pode ser um tempo bem empregue, mas sim, um tempo gasto. Que já não temos e que, portanto, deixou de ser nosso. Restam as memórias. Porque, de facto, mesmo que alguns de nós tenhamos a sorte de viver mais tempo do que outros, nada há mais certo que a morte e, nesse sentido, e de uma forma ou de outra, o tempo acaba por ser o bem mais precioso que temos.

A partir daqui, acompanhamos a história de um homem que vive preso ao seu próprio passado, tentando conter dentro de si esses tempos idos em que se sentiu verdadeiramente feliz. Mas certas escolhas e erros que fez, levaram-no a uma rutura com esse passado feliz, restando depois uma imensa mágoa por isso. Com efeito, às vezes “somos felizes e não sabemos que o somos”. Mas, claro, a vida é uma caminhada que não abranda e, às tantas, se vivemos aprisionados a um passado feliz, também estamos a invalidar que o presente, ou mesmo o futuro, possam ser felizes. Até porque há muitas formas de felicidade.

A escrita de Jorge Pinto é inspirada, bem conjugada e carregada por uma poesia que não é assim tão frequente de encontrar na banda desenhada nacional. Saibamos nós, os leitores, sorver com decoro as belas palavras do autor que, qual vinho velho, merecem ser apreciadas com calma. Já na parte final da obra, pareceu-me algo brusca a forma como o autor resolveu a história. Talvez fossem necessárias mais páginas para um melhor desenlace, a meu ver.

Desta vez, e à semelhança de outros autores nacionais, Jorge Pinto faz-se acompanhar por autores brasileiros para ilustrar a sua história. E, neste caso, são dois os ilustradores: Evandro Renan e Talita Nozomi. Em termos de ilustração, o livro apresenta, pois, dois géneros completamente distintos e antagónicos. 

Por um lado, temos uma parte mais clássica, no estilo, em que temos uma planificação tradicional de banda desenhada. Os desenhos são de traço rápido, num estilo esboçado que não é especialmente detalhado. Mesmo assim, são desenhos bastante eficientes na forma como conseguem ilustrar a história, muito embora as expressões de algumas personagens sejam algo cruas. Mas acabam por funcionar bem, reconheço. E a paleta de cores suaves - que me remeteu, com as devidas distâncias, para a obra de Paco Roca - tornam a experiência visual apelativa.

No entanto, não fiquei tão bem impressionado com as ilustrações abstratas e algo difusas que pululam ao longo da narrativa. Até porque é nesses momentos que o texto de Jorge Pinto se torna (ainda) mais vibrante e profundo. 

Percebo a ideia, de ser um corte drástico visual com as outras ilustrações, mas para mim estas ilustrações tornaram-se demasiado vagas. São desenhos cheios de cores e carregados de elementos que estão ligados, de forma ténue, às imagens acústicas que nos são dadas pelas palavras de Jorge Pinto. E não é que sejam desenhos mal conseguidos. Longe disso. Mas, pelo menos quanto a mim, são desenhos que parecem demasiado forçados para o livro que temos em mãos. Não estragam a experiência do livro, mas representam um ponto fraco no lugar de serem uma valência para melhorar a obra.

Quanto à edição da Iguana - chancela editorial do grupo Penguin Random House - o livro é em capa mole, com badanas e com pormenores a verniz. No miolo, o papel é baço e de boa qualidade. Nota ainda para o prefácio, bastante esclarecedor e eloquente, de Jorge Pinto. Sobre a capa, devo dizer que Tempo - Em Busca da Felicidade Perdida poderia ser mais apelativo, pois, quer em termos de conceito, de ilustração ou do grafismo utilizado, parece-me que a capa do livro poderia ter mais appeal comercial. Acho que a bela premissa da obra, bem como a sua história, o mereciam.

Em suma, Tempo - Em Busca da Felicidade Perdida é, acima de tudo, a confirmação de Jorge Pinto como um dos argumentistas da banda desenhada nacional que vale a pena acompanhar. A premissa do livro é bela e a escrita é muito boa. Este livro tem potencial para ser um dos melhores argumentos da banda desenhada nacional do ano, na verdade. E ainda só vamos no início de 2024. Vale bem a pena ser conhecido!


NOTA FINAL (1/10):
8.3



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Ficha técnica
Tempo - Em Busca da Felicidade Perdida
Autores: Jorge Pinto, Evandro Renan e Talita Nozomi
Editora: Iguana (Penguin Random House)
Páginas: 104, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Fevereiro de 2024

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Iguana prepara-se para lançar a primeira BD de 2024!


A editora Iguana - uma chancela do grupo Penguin Random House - prepara-se para lançar, já no próximo dia 5 de Fevereiro, aquele que será o seu primeiro livro de banda desenhada deste novo ano de 2024. E começa logo com um álbum de autor português!

Falo da obra Tempo - Em Busca da Felicidade Perdida, do autor Jorge Pinto, que, neste novo livro, é acompanhado por Evandro Renan e Talita Nozomi nas ilustrações.

Devo dizer que gostei bastante do trabalho que Jorge Pinto demonstrou, a nível de argumento e escrita, em Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris (com ilustrações de Eduardo Viana) e, portanto, estou bastante curioso com este novo livro do autor português.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.

Tempo - Em Busca da Felicidade Perdida, de Jorge Pinto, Evandro Renan e Talita Nozomi

Esta é uma história sobre o tempo, o tempo que não para, sobre aqueles que só conseguem ser felizes no passado e que, além de lembrar, precisam de desesquecer. 

Uma história sobre um homem que todos os dias atualiza um calendário feito de pequenos arbustos, um homem que se castiga e cumpre uma penitência auto imposta, esquecido pelo seus, por um crime acidental. 

Um livro sobre solidão, amor e o imparável avanço dos ponteiros do relógio.

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Ficha técnica
Tempo - Em Busca da Felicidade Perdida
Autores: Jorge Pinto, Evandro Renan e Talita Nozomi
Editora: Iguana (Penguin Random House)
Páginas: 104, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
PVP: 17,45€

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Análise: Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris


Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris


Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris
Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris, de Jorge Pinto e Eduardo Viana

Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris, lançado pelas Edições Desassossego (uma chancela da Saída de Emergência), com argumento de Jorge Pinto e arte de Eduardo Viana, é um daqueles livros que merece a atenção não só dos leitores portugueses de banda desenhada, como também de todos os que têm curiosidade em saber mais sobre a vida de Amadeo de Souza Cardoso, um artista incontornável da pintura portuguesa. E a verdade é que, mesmo sendo este um livro de banda desenhada, é justo afirmar que o retrato do pintor fica extremamente bem representado, permitindo aos leitores uma entrada no mundo e vida do artista.

Lançado em 2018, no ano em que se celebrou o centenário da morte de Amadeo de Souza Cardoso, esta obra relata-nos a história do artista, funcionando como uma biografia em banda desenhada, que nos revela como o pintor português nascido em Manhufe, Amarante, acabou por se tornar num participante ativo no movimento artístico da vanguarda modernista parisiense. Há pois uma dicotomia latente entre o provincianismo de Amarante que, por um lado, habita Amadeo de Souza Cardoso e o cosmopolitismo da cidade de Paris, que também se torna por demais excitante para o pintor.

Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris
Esta oposição interna no âmago de Amadeo – que também é soberbamente bem representada na fantástica capa do livro que a torna, a meu ver, numa das melhores, senão mesmo a melhor, capa de livros portugueses de banda desenhada - habita também a narrativa, brilhantemente arquitetada pelo autor do argumento, Jorge Pinto. Assim, ao lermos esta história, encontramos a tal dualidade que caracterizava Amadeo que, por um lado, parecia sentir-se amarrado quando estava em Amarante e aspirava pelo contacto com a realidade artística parisiense; mas que, e paradoxalmente, quando se encontrava a viver na cidade de Paris, também sentia um vazio por estar longe da sua cidade berço. Qual António Variações no seu tema Estou Além, Amadeo parecia querer “sentir ao chegar/ vontade de partir/ p'ra outro lugar”.

Outra coisa muito interessante na vida de Amadeo, e que este livro capta muito bem, é que, em termos artísticos, o pintor sempre pareceu procurar algo mais, como se almejasse encontrar a sua própria identidade artística. É por isso que a sua obra é bastante heterogénea em termos de estilo, tendo o pintor recusado a pertença a qualquer uma das escolas artísticas. E mesmo tendo-se movimentado num círculo de grandes nomes da pintura mundial, como Modigliani, Brancusi, Chagall , Henri Doucet, o casal Delaunay, entre outros, Amadeo parece nunca ter tido o merecido reconhecimento. Pelo menos em termos mundiais porque nacionalmente, parece-me que o seu nome e a sua obra são sobejamente aclamados.

Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris
Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris é um livro de fácil leitura, de uma objetividade narrativa bem-vinda, mas que está longe de ser vazio em conteúdo. Ao invés, dá-nos tudo aquilo que precisamos de saber para ter um retrato verossímil da vida do autor. O autor Jorge Pinto soube sintetizar de forma inteligente, os momentos mais relevantes da vida desta figura incontornável das artes plásticas portuguesas, em menos de 100 páginas. Não fica a saber a pouco mas também não fica demasiado extenso ou rebuscado: tem a dimensão certa e lê-se de uma ponta à outra, sempre com vontade de chegar ao fim.

O livro é todo ele muito direto, muito factual, permitindo-se apenas, do ponto de vista narrativo, uma certa divagação, caracterizada por algumas vinhetas em fundo preto, que nos vão mostrando Amadeo numa caminhada onírica, que parece remeter-nos para o próprio percurso do pintor, em busca da sua luz interior, da sua inspiração e da sua criação. Uma divagação que dá profundidade e corta o ritmo factual da restante história, o que acaba por ser uma adição bem-vinda. Igualmente bem-vindas são a utilização do texto de algumas cartas reais que Amadeo escreveu, bem como a introdução de algumas obras de Amadeo dentro da própria banda desenhada, que oferecem dinâmica à componente gráfica deste livro. De facto, se o trabalho de Jorge Pinto é bem conseguido neste livro, o trabalho de Eduardo Viana também consegue surpreender pela positiva.

A arte aqui presente assume-se com uma caracterização das personagens de estilo simplista e por vezes quase caricatural, assentuando apenas os aspetos mais proeminentes da fisionomia de cada personagem. No caso do protagonista da obra, Amadeo é caracterizado por ter um queixo bastande demarcado e uns lábios grossos que são, aliás, o que também mais sobressaía na sua face. Já quanto a Almada Negreiros, que também aparece na história, é a sua testa com entradas, o seu rosto oval e o seu cabelo encaracolado que recebem o destaque do ilustrador. O estilo de Eduardo Viana, embora tendo personalidade própria, vai beber às influências do espanhol Paco Roca e até mesmo ao trabalho de Hergé, apresentando um estilo de linha clara, caracterizado pelo uso de linhas fortes, com a mesma espessura e importância entre si, e que são coloridas com cores fortes. Um estilo que, nos dias que correm, já é pouco ou nada utilizado em Portugal e que merece pois, a minha valorização.

Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris
Por vezes, gostaria que os cenários – especialmente os espaços interiores – tivessem mais detalhe para não parecerem tão nus e para que houvesse uma maior imersão do leitor. Mas também compreendo que eventualmente o autor tenha pretendido manter o foco do leitor na personagem e no que a mesma está a dizer. E embora em termos de gestos das personagens, o traço de Eduardo Viana por vezes possa parecer algo estático, a verdade é que a sua ilustração de cenários, especialmente exteriores, é surpreendente e um prazer para o olho atento. Nesse sentido, quer seja em termos mais urbanísticos, através da caracterização de edifícios citadinos, quer na componente mais naturista, com uma excelente ilustração de paisagens mais campestres, Amadeo é um livro bonito para observar. Há uma certa honestidade e ingenuidade nos desenhos de Eduardo Viana, especialmente das personagens, que acaba por nos remeter para um imaginário ternurento.

Em jeito de conclusão, Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris, criado por esta dupla estreante na banda desenhada, é um livro deveras interessante, historicamente consistente, com uma arte que é uma lufada de ar fresco para a banda desenhada nacional e que merece ser lido. Resta-nos consumir este primeiro reduto e aguardar por mais lançamentos de ambos os autores.

Obra recomendada, sem dúvida.


NOTA FINAL (1/10):
8.2


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Ficha técnica
Amadeo – A Vida e Obra entre Amarante e Paris
Autores: Jorge Pinto e Eduardo Viana
Editora: Desassossego
Páginas: 96, a cores
Encadernação: Capa dura