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quinta-feira, 21 de agosto de 2025

TOP 10 - A Melhor BD lançada pela Polvo nos últimos 5 anos!



Cá estou eu para mais um TOP 10 com a melhor banda desenhada editada nos últimos 5 anos em Portugal! Hoje é dia de ficarmos a conhecer quais os melhores livros de BD que a editora Polvo lançou nos últimos 5 anos.

A Polvo é uma das editoras de banda desenhada mais antigas em Portugal, tendo já editado perto de 200 livros, desde o seu início de atividade há quase 30 anos. Sendo uma editora de cariz independente, não tem uma assiduidade muito constante no lançamento de novos livros, ao longo dos meses, embora, todos os anos, seja quase garantido que haverá novos livros desta editora a serem lançados por alturas do Amadora BD

Com um catálogo que se concentra numa clara aposta em obras de origem brasileira, a editora tem também editado muitas obras de referência de autores nacionais, bem como de outros autores europeus.

Convém relembrar que este conceito de "melhor" é meramente pessoal e diz respeito aos livros que, quanto a mim, obviamente, são mais especiais ou me marcaram mais. Ou, naquela metáfora que já referi várias vezes, "se a minha estante de BD estivesse em chamas e eu só pudesse salvar 10 obras, seriam estas as que eu salvava".

Faço aqui uma pequena nota sobre o procedimento: considerei séries como um todo e obras one-shot. Tudo junto. Pode ser um bocado injusto para as obras autocontidas, reconheço, e até ponderei fazer um TOP exclusivamente para séries e outro para livros one-shot, mas depois achei que isso seria escolher demasiadas obras. Deixaria de ser um TOP 10 para ser um TOP 20. Até me facilitaria o processo, honestamente, mas acabaria por retirar destaque a este meu trabalho que procura ser de curadoria. Acabou por ser um exercício mais difícil, pois tive que deixar de fora obras que também adoro, mas acho que quem beneficia são os meus leitores que, deste modo, ficam com a BD que considero ser a "crème de la crème" de cada editora.

Deixo-vos então, as 10 melhores BDs editadas pela Polvo nos últimos 5 anos.

sexta-feira, 16 de maio de 2025

Análise: Homem de Neandertal

Homem de Neandertal, de André Diniz - Escorpião Azul

Homem de Neandertal, de André Diniz - Escorpião Azul
Homem de Neandertal, de André Diniz

Foi no passado LouriBD, o festival de banda desenhada da Lourinhã, que a editora Escorpião Azul apresentou a sua nova aposta: o lançamento de Homem de Neandertal, de André Diniz, o qual ainda não havia editado nenhuma obra com esta editora, embora o seu trabalho já esteja bem disseminado por várias editoras portuguesas como a Polvo (que reúne a grande parte das obras do autor no seu catálogo), A Seita (que editou recentemente Muzinga) e a Levoir (que editou O Idiota).

Homem de Neandertal é uma obra já com mais de 10 anos mas que, lamentavelmente, permanecia inédita em Portugal. E é um trabalho que tem duas particularidades curiosas: a primeira é que, à semelhança de O Idiota, é uma banda desenhada muda, sem recurso a quaisquer legendas ou balões de fala; e a segunda é que é um trabalho a cores, com as mesmas a serem asseguradas por Marcela Mannheimer.

Homem de Neandertal, de André Diniz - Escorpião Azul
A história coloca-nos no encalço de um Neandertal que, além de ter que enfrentar os expectáveis desafios que a natureza lhe impõe, a si e à sua espécie, se sente atordoado quando, de um momento para o outro, encontra algo que até então lhe era estranho: a arte rupestre criada por humanos. Quase que esta singela frase é suficiente para contar de forma sucinta tudo o que acontece neste Homem de Neandertal.

Todavia, isso não quererá dizer - de todo! - que os pressupostos da obra se findam por aí. Ao invés, é bastante profunda a reflexão que Homem de Neandertal nos propõe fazer. A criação da consciência artística, a necessidade de afirmação por via de uma expressão artística, o contacto com outras espécies e a finitude da nossa vida são noções e reflexões que a leitura desta banda desenhada sem textos nos desafia a fazer. 

É que o protagonista, ao tentar expressar-se artisticamente, acaba por ter de enfrentar obstáculos internos e externos, fazendo-nos refletir sobre o papel do talento, da dedicação e da influência cultural na realização artística.

Ao observar a arte rupestre criada pelos Homo sapiens, o protagonista desperta para algo novo: a capacidade de imaginar, representar e criar. A arte, aqui, é mais do que um adorno ou passatempo; é um elemento de transformação profunda. E é, portanto, notável como André Diniz representa a arte como um catalisador de consciência, sugerindo até que o contacto com o símbolo e a imagem pode ter sido um ponto de viragem na história evolutiva.

Homem de Neandertal, de André Diniz - Escorpião Azul
Este impacto profundo da arte rupestre no protagonista revela um dos eixos centrais da narrativa: a arte como elemento de humanização. É legítimo interpretar esta obra como uma verdadeira carta de amor à expressão artística e visual - uma homenagem àquilo que, mais do que qualquer ferramenta ou estrutura social, nos separa de todas as outras criaturas que habit(ar)am o planeta. A capacidade de representar, de imaginar e de deixar marcas intencionais no mundo é apresentada como o momento em que deixamos de ser apenas mais um animal e nos tornamos humanos.

André Diniz, com uma história silenciosa mas profundamente eloquente, propõe, pois, uma reflexão não apenas sobre a origem da arte, mas sobre o que significa ser humano. Homem de Neandertal é, portanto, um trabalho sensível, original e visualmente memorável, que convida à contemplação e reafirma o poder da arte como essência da nossa humanidade.

O trabalho de André Diniz revela-se notável nesse cômputo, com os desenhos a não precisarem de texto para conseguirem contar uma história e lançarem um tema para o debate. A narrativa visual é clara e expressiva, permitindo que o leitor compreenda os gestos, as emoções e os conflitos internos do protagonista sem a necessidade de palavras. 

Homem de Neandertal, de André Diniz - Escorpião Azul
A ausência de texto acaba por dar ainda mais ênfase ao traço geométrico e diferenciado de Diniz, que neste livro opta por um trabalho a cores — uma escolha que beneficia significativamente a narrativa. A utilização da cor torna a arte mais perceptível, clara e emocionalmente envolvente, ampliando a acessibilidade do livro e permitindo que atinja um público mais vasto. As cores não só guiam o olhar, como também transmitem atmosfera, emoções e contrastes culturais de forma subtil mas eficaz.

A edição da Escorpião Azul está bastante agradável e faz jus à obra. Foi da boca do próprio autor que, no último LouriBD, fiquei a saber que André Diniz não tinha ficado particularmente satisfeito com a primeira edição desta obra por uma editora brasileira. Mas, no caso da edição da Escorpião Azul, o trabalho está bem feito. O livro apresenta capa mole com badanas, com detalhes a verniz, bom papel  baço no interior e um prefácio do próprio autor. Conta também com as já habituais margens das páginas coloridas - desta vez com a cor verde - que dão singularidade e um aspeto bonito aos livros.

Em suma, estamos perante um silencioso mas igualmente ruidoso trabalho de André Diniz que nos relembra que talvez a única coisa que verdadeiramente deixamos após a nossa vida — além da nossa descendência biológica — seja a nossa criação artística. São as nossas criações, sejam elas quais forem, que deixam vestígios da imaginação e da expressão humanas, que atravessam o tempo e permanecem como legado. É essa arte que fala por nós quando já cá não estivermos. E André Diniz, ao contar essa história sem palavras, homenageia precisamente essa herança silenciosa mas eterna.


NOTA FINAL (1/10):
8.5



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020




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Homem de Neandertal, de André Diniz - Escorpião Azul

Ficha técnica
Homem de Neandertal
Autor: André Diniz
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 104, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Fevereiro de 2025

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Escorpião Azul lança BD inédita de André Diniz!


A editora Escorpião Azul lançou, durante o LouriBD, a sua mais recente aposta que dá pelo nome de Homem de Neandertal e que é da autoria de André Diniz.

O autor luso-brasileiro, cuja maior parte da sua obra foi editada em Portugal pela Polvo - com exceções aos livros O Idiota (Levoir) e o recente Muzinga (A Seita) -, vê agora a Escorpião Azul a juntar-se ao já largo conjunto de editoras portuguesas que apostam no seu trabalho.

Este Homem de Neandertal tem a particularidade de ser um trabalho a cores - o que é raro nos livros de André Diniz - e de, além disso, ser um livro mudo, sem falas.

Pude folheá-lo durante o LouriBD e posso dizer-vos que considerei bastante apelativo o trabalho visual do autor.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.

Homem de Neandertal, de André Diniz

Neste livro, André Diniz conduz o leitor a um intrigante mergulho no passado, onde a luta pela sobrevivência e os primeiros indícios de humanidade se entrelaçam. 

A história acompanha um Neandertal que, além de enfrentar diversos desafios impostos pela natureza e pela convivência em grupo, é arrebatado por algo inesperado: a arte rupestre criada por humanos.

Encantado e curioso por aqueles desenhos nas cavernas, tenta decifrar o que significam aqueles rabiscos que tanto o fascinam. A busca por respostas leva-o a reflectir sobre a sua existência, a sua relação com o mundo em redor e o que diferencia a sua espécie da dos humanos.
Esta obra, não retrata apenas a pré-história, mas também convida o leitor a reflectir sobre a origem da arte, a origem da comunicação e a origem do próprio espírito humano. É uma história visual que revela o elo entre o passado remoto e as questões intemporais da humanidade.


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Ficha técnica
Homem de Neandertal
Autor: André Diniz
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 104, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
PVP: 26,00€



quinta-feira, 20 de fevereiro de 2025

Análise: Muzinga

Muzinga, de André Diniz - A Seita

Muzinga, de André Diniz - A Seita
Muzinga, de André Diniz

Muzinga é a mais recente obra de André Diniz publicada em Portugal pela editora A Seita. Este autor brasileiro - que entretanto já adquiriu a nacionalidade portuguesa - tem-me conquistado com muitas das suas originais e profundas obras, das quais destaco Morro da Favela ou Matei o Meu Pai e Foi Estranho. Com Muzinga, o autor leva-nos numa viagem onírica e fantástica onde, em termos visuais, consegue desenvolver e aprimorar a sua capacidade narrativa.

Muzinga apresenta-nos um protagonista singular: um homem de 200 anos que domina mais de 100 idiomas e que, ao longo das suas viagens (reais e irreais?), explora terras desconhecidas em busca de dialetos extintos e de segredos que o tempo procurou apagar. Ao contrário daquilo a que o autor mais nos tem habituado, com histórias mundanas e cheias de realismo, Muzinga é o oposto de tudo isso, levando-nos numa jornada abstrata que se divide em duas histórias. O leitor não sabe muito bem para onde vai, mas acaba por ser prazeroso que nos deixemos levar ao sabor da corrente narrativa de Diniz.

Muzinga, de André Diniz - A Seita
É claro que, dado todo o abstracionismo que pontua este livro, diria que não é uma obra muito fácil para todos e que, com isso, pode desiludir aqueles que já julgam conhecer o estilo de história com que o autor nos tem brindado. Por outro lado, Muzinga também é um exercício criativo interessante em que, mais do que se centrar na história - que, convenhamos, vai ao sabor do vento sem uma estrutura muito definida - André Diniz foca-se na construção desta interessante e original personagem que protagoniza a história.

Como muitas vezes se diz, o que importa não é o destino, mas a jornada. E é essa jornada o que mais me interessou neste livro, com alguns diálogos bastante criativos e algumas questões inteligentemente colocadas pela personagem. É que mesmo que possa parecer que Muzinga é um tanto ou quanto tosco, os seus 200 anos de vida e as múltiplas línguas que, entretanto, conseguiu passar a dominar, fazem-no um ser sapiente que procura as respostas para as questões que, ao fim de tantos anos vividos, continuam sem uma resposta definitiva.

É claro que, depois, há todo um surrealismo que inunda a história e que a torna complexa para uma leitura mais leve. Vê-se que o conteúdo é profundo e que, provavelmente, levou o próprio autor a tentar exceder-se a si mesmo, mas não deixa de, por vezes, parecer que há uma certa aleatoriedade nos significados e intuitos da história. Como uma tela em branco que recebe arbitrárias e grossas pinceladas de cores garridas. No final, o resultado impregnado nessa tela será um misto de cores e sentimentos que ressoará, certamente, de forma diferente em quem quer que seja que tome contacto com a obra. E o mesmo pode ser dito de Muzinga.

Muzinga, de André Diniz - A Seita
Em contrapartida, senti a falta do olho clínico e social de André Diniz que tanto prezo noutras das suas obras. Enfim, é uma obra mais autoral e poética, mas virada para si mesma e, logicamente, não há problema nenhum com isso. Não obstante, Muzinga acabou por não me marcar tanto e, a meio da jornada do protagonista, até fui começando a sentir algum marasmo em termos de enredo.

Já no cômputo visual, creio que estamos perante o melhor trabalho do autor! Com o seu estilo único e facilmente reconhecível, as suas ilustrações a preto e branco conferem à narrativa uma atmosfera envolvente. A fluidez da narrativa visual é notável, com transições suaves que conduzem o leitor sem causar qualquer atrito compreensivo, mesmo na ausência das tradicionais vinhetas.

É verdade que o estilo amplamente estilizado, com personagens a serem retratadas por traços angulosos e geométricos volta a estar presente mas, pelo menos em termos de narrativa visual e na planificação de cada prancha, o trabalho do autor é sublime, original e casa que nem uma luva no tom mais onírico da obra. Por outras palavras, são, mais que nunca, os desenhos certos para a história de Muzinga. A própria capa e contracapa são belíssimas, o que me deixa a pensar que gostaria de ver um livro de André Diniz que fosse colorido.

Muzinga, de André Diniz - A Seita
A edição que A Seita faz deste livro é muito interessante. O livro apresenta-se bem robusto, com capa dura baça e bom papel baço no interior. A encadernação e a impressão também são de boa qualidade. O livro traz alguns extras sobre o processo criativo do autor e duas pranchas da série antiga de Muzinga - antes deste livro, convém relembrar, Muzinga já tinha tido direito a uma série que o autor lançou há uns anos. 

A Seita optou por mudar os diálogos do livro para um português de Portugal, mantendo apenas, e bem, a personagem Muzinga a falar no português do Brasil. Nota ainda para o facto deste lançamento marcar a estreia de André Diniz na editora A Seita que, até à data, sempre tinha lançado as suas várias obras pela editora Polvo - com a exceção de O Idiota, lançado pela Levoir.

Em suma, Muzinga é uma obra que combina arte singular, narrativa envolvente e reflexões profundas sobre temas universais. Embora possa não agradar a todos os públicos, oferece uma experiência rica para aqueles que são especialmente interessados em histórias que exploram a complexidade da condição humana através de aventuras e descobertas culturais.


NOTA FINAL (1/10):
7.0


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Muzinga, de André Diniz - A Seita

Ficha técnica
Muzinga
Autor: André Diniz
Editora: A Seita
Páginas: 200, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 20 x 27 cm
Lançamento: Setembro de 2024

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

A Seita lança novo álbum de André Diniz!




A Seita lançou recentemente, ainda no Amadora BD, o novo livro de André Diniz que dá pelo nome de Muzinga.

Este autor brasileiro - que, entretanto, também já adquiriu a nacionalidade portuguesa - está de regresso ao lançamento de banda desenhada por cá, depois de já ter lançado várias obras pela editora Polvo.

Agora chega-nos pelas mãos d' A Seita numa bela edição, que já tive a oportunidade de folhear, e que traz como extra algumas páginas sobre o processo criativo do autor e duas pranchas da série antiga de Muzinga, a personagem mais icónica do autor.

Mais abaixo, deixo-vos com a nota de imprensa sobre a obra e com algumas imagens promocionais da mesma.

Muzinga, de André Diniz

Muzinga, que personagem! Brasileiro, algo irrequieto, implicativo, e cheio de conhecimentos naquela cabeça de barba mal amanhada, até dizem que fala mais de cem línguas! Pudera, também dizem que tem quase duzentos anos. Duzentos anos a calcorrear o mundo todo e a viver aventuras surreais, em busca de dialectos extintos, e de segredos que o tempo se esforçou por apagar... Venham conhecê-las também.

André Diniz é um dos mais premiados e aclamados autores brasileiros de banda desenhada, e MUZINGA é uma das suas mais brilhantes criações, que assina aqui como argumentista e desenhador, num estilo gráfico que é uma lição de narrativa visual.
Criado por André Diniz há já mais de dez anos, no âmbito de um projecto de BD digital bem ambicioso, que resultou num site com o nome do protagonista e em mais de uma dúzia de histórias curtas que apresentaram esta figura imperdível dos quadrinhos brasileiros ao público, Muzinga é uma das personagens mais icónicas do autor. 

Este volume reúne duas histórias longas, inéditas, que em conjunto configuram um romance gráfico complexo, a meio caminho entre o realismo fantástico e o humor surreal, em que o aventureiro bicentenário vai enfrentar desafios audaciosos, numa jornada repleta de enigmas, culturas antigas e misteriosas, e descobertas que prometem surpreender até os leitores mais curiosos. 

Muzinga, o homem bicentenário. Aventureiro, linguista, caçador de tesouros e malandro!
Neste volume, acreditamos que a arte extraordinária de André Diniz atinge o seu ponto máximo, depois de evoluir ao longo dos anos em direcção a um estilo que mistura algo de cartunesco, com um sentido muito apurado da planificação gráfica de cada página de BD, extremamente fluida, em que as cenas se seguem de maneira escorreita num enquadramento muito livre. Nas duas histórias deste livro, Muzinga lança-se pelo mundo em busca de aprender tudo o que puder sobre as mais estranhas culturas, e particularmente aquelas que estão em risco de ser esquecidas e de desaparecer, procurando também aprender as suas línguas. Irá encontrar as mais diversas e estranhas personagens, bizarros totems falantes, que ora julgam, ora protegem, ditadores e polícias secretas que procuram eliminar culturas inteiras, avós que são as últimas a falar uma língua (extraordinariamente complexa)... claramente, este não é o nosso mundo, mas sim um mundo saído da cabeça de um dos grandes argumentistas de BD (HQ no Brasil!) actuais, em que a personagem vai viver uma mistura de acção, aventura, fantasia e humor.
Como diz Dango Yoshio, “A escrita é a forma mais poderosa de vencer o tempo! E Muzinga é uma leitura muito divertida, com reflexões sobre a ancestralidade, a memória e a morte.” Ou, como diria o próprio Muzinga, “Duzentos anos a fazer merda pelo mundo fora, é surreal!”

Não é necessário conhecer a personagem para ler este livro. A edição d’A Seita inclui extras sobre o processo criativo do autor, bem como duas pranchas icónicas (e algo mistificantes!) da série antiga de Muzinga.

A edição portuguesa optou por mudar os diálogos do livro para um português com acentuação de Portugal, com excepção de Muzinga, claro, que fala com a sua pronúncia nativa do Brasil!

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Ficha técnica
Muzinga
Autor: André Diniz
Editora: A Seita
Páginas: 200, a preto e branco
Encadernação: Capa dura
Formato: 20 x 27 cm
PVP: 25,00€

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Análise: A Revolta da Vacina

A Revolta da Vacina, de André Diniz - Polvo

A Revolta da Vacina, de André Diniz - Polvo
A Revolta da Vacina, de André Diniz

Já são vários os livros que a editora Polvo publicou por cá de André Diniz, o autor brasileiro que, devido à sua proximidade física e emocional a Portugal, já quase podemos reclamar enquanto autor português. E este A Revolta da Vacina é mais um desses livros que acabou por ser lançado pela Polvo, juntamente com Matei o Meu Pai e Foi Estranho, há cerca de dois anos, em outubro de 2021, ainda durante o período mais crítico da pandemia de Covid 19, que durou entre 2020 e 2021.

Diria que foi um lançamento certeiro, com bom sentido de oportunidade, por parte da Polvo. E atenção que A Revolta da Vacina não está diretamente ligada ao Covid-19. Até porque, com rigor, o argumento do livro foi originalmente escrito uma década antes do mesmo ser lançado enquanto livro. Chegou mesmo a ser publicada, em 2013, a obra Z de Zelito que é, parcialmente, a mesma história. Não obstante, é óbvio que a obra ganhou fulgor para ver a luz do dia, com outro título, devido aos tempos pandémicos que vivemos recentemente. Acabou, portanto, por se repensada e rescrita por André Diniz.

A Revolta da Vacina versa, pois, sobre um motim popular que ocorreu no Rio de Janeiro, no Brasil, em 1904, a propósito de uma lei que determinava a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. Não só a população estava obrigada a vacinar-se, como via certos direitos serem-lhe vedados, caso não o fizesse. Assim, para que se pudesse efetivar uma matrícula numa escola, para se arranjar um trabalho, para se viajar ou mesmo para contrair casamento, era necessário um comprovativo de vacinação. Ora, como já podemos imaginar, isto causou uma grande revolta da população local e um sentimento que fez crescer o medo, a ignorância, o autoritarismo e a criação de notícias falsas. Será que já vimos isto em algum lado? Oh yes! Vimo-lo em tempos recentes, um pouco por todo o mundo. Portugal não foi exceção.

Com este pano de fundo, André Diniz dá-nos como protagonista a personagem de Zelito que, rumando à então capital do país, Rio de Janeiro, procura um emprego para se sustentar. Ao contrário da expetativa do seu pai, o sonho de Zelito é tornar-se ilustrador num jornal de referência. Mas, quando chega à cidade, o protagonista acaba por descobrir que talvez não seja tão fácil a realização do seu sonho e projeto pessoal, como ele inicialmente acharia. Zelito havia prometido ao seu pai que, em seis meses, se tornaria num artista famoso, mas tudo aquilo que acaba por conseguir é um trabalho enquanto ajudante na redação de um jornal.

A Revolta da Vacina, de André Diniz - Polvo
Entretanto, acaba por se juntar, de uma forma bastante peculiar, à luta da população que se opõe à vacinação obrigatória. População essa que, à altura, é composta em grande parte por pessoas pobres e marginalizadas, que veem as medidas governamentais como uma violação das suas liberdades pessoais e como uma ação altamente autoritária do Estado. A revolta do povo acaba, então, por se fazer sentir e por resultar em confrontos violentos entre os manifestantes e as autoridades. Exeptavelmente, e como sempre, o Estado sobrepõe-se ao Indivíduo e, tal como muitos outros companheiros de protesto, Zelito terá que se conformar com os castigos inerentes à sua atitude contestatária.

Em termos de ilustração, André Diniz volta a ser igual a ele próprio, dando-nos desenhos onde as personagens são totalmente geométricas nas suas formas. É um estilo de ilustração a preto e branco que, decerto, não deixa ninguém indiferente: pode-se adorar ou pode-se odiar, consoante os nossos gostos pessoais. Mas se o gosto pelo estilo de ilustração do autor pode ser bastante subjetivo, pode-se afirmar com bastante objetividade que os desenhos de André Diniz são muito eficientes na narração da história.

Mantenho, pois, as palavras que já escrevi, noutra altura, a propósito das ilustrações de André Diniz: “o autor conseguiu criar um universo pictórico só dele. É bom? Sim, é! É para todos os amantes de banda desenhada? Provavelmente, não. Tem demasiada personalidade, reconheço. Mas, no meu caso, e sublinhando que esta é a parte subjetiva na minha análise, é uma arte ilustrativa que me convence e onde gosto de mergulhar.”

A edição da editora Polvo é em capa mole, com badanas, com papel decente, e uma boa encadernação e impressão. Compreende-se que o português utilizado seja o português brasileiro, uma vez que a história é fortemente ambientada e localizada no Brasil, pelo que se cria maior imersão no leitor ao utilizar o português falado no Brasil.

Em conclusão, posso dizer-vos que este A Revolta da Vacina, sendo sobre uma outra vacina, que não a vacina anti-covid, está mais que atual face aos dias que vivemos recentemente, com a sua inteligente e necessária abordagem a temas tão prementes como a luta pela liberdade individual, a desigualdade social, o papel do Estado na saúde pública e a violência policial. Esta é uma obra excelente para relançarmos o debate sobre a importância das campanhas de vacinação e, especialmente, sobre o equilíbrio que se quer entre as liberdades individuais e o bem comum.


NOTA FINAL (1/10):
8.0


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A Revolta da Vacina, de André Diniz - Polvo

Ficha técnica
A Revolta da Vacina
Autor: André Diniz
Editora: Polvo
Páginas: 120 a preto
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Outubro de 2021

terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Análise: Matei o Meu Pai e foi Estranho

Matei o Meu Pai e foi Estranho, de André Diniz - Polvo

Matei o Meu Pai e foi Estranho, de André Diniz - Polvo
Matei o Meu Pai e foi Estranho, de André Diniz

Entre os vários lançamentos que a editora Polvo fez durante o último festival Amadora BD, dois foram dedicados a obras do autor brasileiro André Diniz. Falo de A Revolta da Vacina e de Matei o Meu Pai e foi Estranho. E é sobre este último que esta análise se centra.

Editado originalmente no Brasil, em 2017, pela Jupati Books, Matei o Meu Pai e foi Estranho é um livro extremamente bem conseguido do ponto de vista narrativo, trazendo-nos um André Diniz bastante inspirado enquanto narrador!

A história coloca-nos na pele de Zaqueu, um jovem brasileiro que nasceu albino, com cabelo e pele brancos, numa família disfuncional, onde todos são morenos: o seu pai, a sua mãe, a sua irmã e o seu irmão. Sendo de uma família pobre, Zaqueu tem a sorte(?) de poder estudar numa escola de ricos, devido ao gesto de generosidade do patrão do pai de Zaqueu. E é sobre a relação com este, o pai do protagonista, que a história mais vai incidir. Zaqueu é a antítese do seu pai. Enquanto o filho tem boas notas na escola, o seu pai só valoriza é que ele saiba jogar futebol. E enquanto Zaqueu é um adolescente sensível, o seu pai só o quer bem masculino e violento, naquela definição clássica de “ser-se verdadeiramente homem”.

Matei o Meu Pai e foi Estranho, de André Diniz - Polvo
Zaqueu parece, por isso, deslocado de tudo e de todos, não encontrando um local ou um grupo de pessoas com quem se possa encaixar organicamente. Aonde possa pertencer. Em casa é um deslocado. Na escola é um deslocado. E talvez seja por isso que o jovem passa a “baldar-se” às aulas, apanhando o autocarro para outros lugares da cidade. Quiçá, em busca de novas pessoas, novos lugares, novas realidades. E é numa dessas escapadas que, num dia, sem que nada o fizesse prever, Zaqueu vê o seu pai de braço dado com outra mulher e com uma criança que lhe chama pai. Naturalmente, o mundo de Zaqueu sofre um abalo assim que descobre a vida dupla que o seu pai anda a manter.

Paralelamente, a forma execrável como o seu pai o trata, rebaixando-o e ridicularizando-o à menor oportunidade, fará com que Zaqueu acabe por tomar medidas drásticas em relação ao seu pai. Mais, não digo, pois não ouso sequer tentar estragar o prazer de leitura deste livro, que é tão gratificante.

Partindo do princípio que, logo no título da obra, que na verdade é uma frase, André Diniz nos revela um acontecimento irrevogável, que é o facto de Zaqueu matar o seu pai, devo dizer que achei o exercício narrativo do autor, verdadeiramente brilhante. Que me fez sorrir, acenar com a cabeça e murmurar: “Bem jogado, André!”. 

Matei o Meu Pai e foi Estranho, de André Diniz - Polvo
A narrativa está, pois, muito bem construída, com o autor a dosear muito bem o suspense causado no leitor e mostrando ser um verdadeiro contador de histórias. Sabemos que a história caminha para uma apoteose desde que lemos a primeira vinheta, mas estamos sempre colados às páginas, deixando-nos levar pela boa trama montada pelo autor.

Quanto à arte ilustrativa, posso dizer que é um típico livro de André Diniz. 

Apresentando o seu característico e disruptivo traço grosso, carregado por uma grande geometrização nas figuras, que traz para as personagens e cenários, as formas de triângulos, quadrados e círculos. Os tracejados para descreverem as formas dos objetos também são uma constante, o que oferece aos desenhos uma certa sensação de simpatia. Basta-nos um breve vislumbre de uma vinheta para sabermos, logo ali, que o desenho em questão é de André Diniz. Pode-se ter mais signature style do que isto? Dificilmente. 

Matei o Meu Pai e foi Estranho, de André Diniz - Polvo
Por esse mesmo motivo, também calculo que existam leitores que adoram e leitores que odeiam. Tal como eu próprio escrevi quando fiz a minha análise ao também fantástico Morro da Favela, “o autor conseguiu criar um universo pictórico só dele. É bom? Sim, é! É para todos os amantes de banda desenhada? Provavelmente não. Tem demasiada personalidade, reconheço. Mas, no meu caso, e sublinhando que esta é a parte subjetiva na minha análise, é uma arte ilustrativa que me convence e onde gosto de mergulhar.

Falando da edição, temos um livro bem executado, com capa mole, bom papel, boa encadernação e boa impressão.

Em conclusão, posso dizer que Matei o Meu Pai e foi Estranho demonstrou ser um excelente livro, que apresenta uma narrativa exemplarmente construída por André Diniz e que nos proporciona uma leitura mais do que agradável. Sinceramente, um dos meus livros favoritos do autor!


NOTA FINAL (1/10):
8.8



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Matei o Meu Pai e foi Estranho, de André Diniz - Polvo

Ficha técnica
Matei o Meu Pai e foi Estranho
Autor: André Diniz
Editora: Polvo
Páginas: 120, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Lançamento: Novembro de 2021

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Entrevista a André Diniz - "Foi com espanto que vi o Brasil de 1904 repetir-se em 2020"




Hoje é dia de publicar mais uma entrevista! 

Desta feita, tive o privilégio de estar à conversa com o autor brasileiro André Diniz, que já tem as suas mais recentes obras, Revolta da Vacina e Matei o meu Pai e foi estranho, disponíveis para compra no stand da editora Polvo, no Amadora BD.

O autor estará presente no próximo sábado, dia 30, e na segunda-feira, dia 1, no Festival da Amadora, com a apresentação das obras a ocorrer no sábado e as sessões de autógrafos a acontecerem no sábado e na segunda-feira.

Deixo-vos com esta interessante entrevista que tive com o André.





Entrevista


1. A Polvo prepara-se para editar "Revolta da Vacina", livro já lançado no Brasil. Como está a ser a recepção a esta nova obra no Brasil?
A resposta à edição brasileira vem sendo acima do que eu esperava, confesso. Curiosamente, esta BD não é inédita: havia sido publicada antes no Brasil, mais precisamente em 2013, com o título de “Z de Zelito”. A arte era diferente também, a cores e com outro acabamento. Eu nunca ficara realmente satisfeito com esta primeira edição, principalmente por decisões minhas no visual e no título, mas também porque ela não foi editada de maneira satisfatória. Com isso, poucos viram o livro e eu realmente queria retrabalhar nela de novo, num outro momento. O que eu jamais imaginaria é que os temas da BD, que fala de epidemias, o descaso e uso político dela e a ignorância do povo pudessem voltar a ser temas atuais anos depois da primeira versão da BD pronta, quando eu julgava escrever apenas sobre fatos passados.


2. Já são mais do que uma mão cheia os livros que editaste em Portugal. É Portugal um país com especial carinho pelo teu trabalho? Como sentes a aceitação da tua obra por parte dos portugueses? Já te sentes “meio português”?
A minha conexão definitiva a Portugal (vim cá viver com minha família em 2016, após alguns títulos já cá publicados) começou justamente pelas BDs. Conheci Paulo Monteiro no Brasil, a quem reencontrei aqui. Foi quando ele me apresentou ao editor Rui Brito e daí começou a sucessão de novos amigos e novos títulos publicados. Em todos os graus e de todas as formas possíveis, este país maravilhoso me acolheu de forma comovente desde o começo. Vim como turista em 2013 pela primeira vez, e em janeiro de 2016 eu e minha família já éramos cá residentes... Desde então, não só sinto-me muito honrado por ter leitores queridos aqui em Portugal, mas tenho grande prazer, sempre que posso, em ajudar nesse intercâmbio das Bds dos dois países, apresentando autores portugueses aos autores e editores brasileiros e o mesmo com autores brasileiros aos autores e editores portugueses.



3. E como tem sido a relação com a editora Polvo?
A Polvo foi a primeira a se interessar pelo meu trabalho e a publicar a grande maioria deles em Portugal. Vários deles, inclusive, publicados por cá pela Polvo antes mesmo de serem publicados no Brasil! Além disso, a Polvo também se tornou a porta de entrada das BDs brasileiras em Portugal. Creio que não haja mesmo no Brasil uma editora única com uma colecção tão extensa e tão seleta de quadrinhos brasileiros como a da Polvo. Por fim, depois de tantos trabalhos conjuntos desde 2013, eu e Rui seguimos cada vez mais como dois grandes amigos pessoais, daqueles que juntam as duas famílias para viajar. Acho que isso prova mais do que tudo a harmonia do nosso trabalho em parceria!


4. Este livro retrata a crise sanitária que o Brasil viveu em 1904 e como a vacina compulsória (a solução para a epidemia de então) causou revolta junto das gentes brasileiras. Já tinhas a ideia para esta história antes do início da pandemia de Covid-19 ou foi este novo vírus que te remeteu para o Brasil de 1904?
Como citei mais acima, a primeira versão da BD foi lançada em 2013, sendo que eu havia escrito esse roteiro ainda alguns anos antes, creio que em 2007 ou 2008. Num momento que eu não poderia prever a pandemia. Eu também não poderia prever que estaríamos, em um futuro próximo, discutindo se a Terra é ou não é redonda. Muito menos que teríamos um movimento mundial na direção da extrema-direita, de fanatismo religioso, da negação à ciência. Sabia desde já que a história se repete, mas sabia disso na teoria apenas. Foi assustador testemunhar isso na prática com consequências tão trágicas. Jamais imaginaria que aquela história passada em 1904 e escrita em 2008 seria um tema atual em 2020.



5. Como surgiu a ideia de avançar com esta história?
O tema, na verdade, foi-me sugerido pelo amigo Alexandre Linares, meu editor na época, de forma até meio informal. O projeto não vingou na época, mas aí eu já estava fascinado pelo tema, e acabei prosseguindo com as pesquisas e com a criação da BD por conta própria. Como outros argumentos meus, este junta cenário e contexto reais com personagens fictícios e sua própria história pessoal jogadas em tal momento histórico. As pesquisas pelo tema e as ideias para Zelito, o protagonista, vinham surgindo de forma que não era mais uma escolha para mim fazer ou não fazer a história, ela já nascia ali à minha revelia.


6. Há uma procura da tua parte em estabelecer um paralelismo entre a epidemia de 1904 e a pandemia de Covid-19? E a forma como ambas foram (ou estão a ser) vividas no Brasil? Os tempos mudaram, mas continuamos iguais?
Foi com espanto que vi o Brasil de 1904 repetir-se em 2020. Mas depois que um presidente como o atual é eleito pelo povo, nada mais me espanta.



7. Com a enorme quantidade de informação disponível que existe hoje em dia faz-te confusão a enorme onda de negacionismo que o Brasil (e tantos outros países) tem experienciado relativamente à Covid-19? Ou será essa mesma facilidade de informação – assente nas redes sociais - a causa maior do avanço da corrente de negacionismo?
É tudo ainda mais absurdo do que isso. Em 1904, falar de uma vacinação em massa ao povo brasileiro era algo no mínimo estranho mesmo às pessoas mais informadas. O Brasil de hoje é um país que já foi, a até pouquíssimos anos atrás, referência mundial em vacinação em massa, levada a sério por dirigentes e pelo povo. Então, o que houve foi algo mais grave do que falta de informação. Foi negacionismo oportuno e vil e por parte do poder somado ao fanatismo do povo, acima de tudo.


8. Podemos admitir que há também uma mensagem política nesta obra ou será meramente sociológica?
Sim, fortemente política. Já víamos lá a ambição pelo poder colocado acima de tudo e a ignorância e boa fé popular usados com esse propósito. Houve mesmo a tentativa de aproveitar o caos político, social e económico para depor o presidente da época. Impossível separar a política de todo aquele contexto.


9. Depois deste Revolta da Vacina, já tens projetos para o futuro, relativamente a novos livros de banda desenhada? Queres partilhar alguma novidade com os leitores do Vinheta 2020?
Os projetos futuros são a minha maldição: enquanto trabalho em uma BD, vêm-me as ideias para outras cinco!... A pandemia freou-me um pouco nesse fluxo, confesso, mas voltei já a trabalhar em novas ideias que ainda estão cedo demais para serem comentadas. Mas fico feliz pela Polvo lançar em simultâneo com A Revolta da Vacina outra BD minha ainda inédita por aqui: “Matei Meu Pai e Foi Estranho”, uma das Bds que mais gostei de fazer. Isso deve compensar um pouco o hiato criativo, creio.

sexta-feira, 17 de julho de 2020

Análise: Morro da Favela (2.ª edição, aumentada)



Morro da Favela (2.ª edição, aumentada), de André Diniz

A primeira edição de Morro da Favela não é de agora. A publicação original do livro no Brasil data de 2011. Em Portugal, o livro também já havia sido editado pela Editora Polvo em 2013. Em 2020, e possivelmente a propósito da exposição dedicada à obra que teve lugar na casa Pau-Brasil, em Lisboa, a Polvo publicou uma nova edição do livro, que teve uma nova ilustração de capa, 12 páginas inéditas, e uma edição em capa dura.

E ainda que eu tenha estado muitas vezes para ler a obra, sobejamente conhecida por quem acompanha a banda desenhada, Morro da Favela só me chegou às mãos há uns dias. E tenho que dizer taxativamente: que magnífico livro! Que maravilha.

O livro retrata as memórias do fotógrafo Maurício Hora, que nasceu e cresceu (e ainda vive) no Morro da Providência (ou Morro da Favela), no Rio de Janeiro, que é a primeira favela brasileira e que já existe desde 1897. A narrativa assume assim um cariz biográfico, pois conta-nos a experiência de um nativo do local, as suas relações com o crime organizado, o tráfico de droga, a agressiva ação policial e acima de tudo, o seu crescimento desde a infância até à idade adulta. Revela-nos igualmente como o protagonista da história, Maurícia Hora, descobre e desenvolve a sua vocação para a fotografia e como a mesma teve um papel tão importante não só para si mesmo, como também, para que o mundo exterior visse com “olhos de ver” aquilo que é a vida nesta favela, através de um retrato transparente e fidedigno que é aquilo que - digo eu! - qualquer fotógrafo almeja fazer.

A obra é escrita e desenhada por André Diniz, um autor que muito admiro e cuja obra O Idiota até apareceu recentemente no TOP 15 das melhores novelas gráficas da Levoir e Público

Começando pela arte gráfica da obra, André Diniz apresenta uma arte extremamente original e disruptiva em relação àquilo que estamos habituados a encontrar numa banda desenhada. Sendo uma obra a preto e branco, o autor apresenta-nos um contraste total nas suas imagens, trabalhando e explorando muito bem o espaço negativo das suas vinhetas, à semelhança do que faz, por exemplo, Frank Miller em Sin City – ainda que o estilo de desenho dos dois autores seja depois muito diferente entre si. Para além destes contrastes entre preto e branco, André Diniz tem um traço muito grosso e uma geometrização que é aplicada às suas imagens. As feições, os cabelos, os narizes, as mãos, as casas, os cenários… enfim, praticamente tudo o que André Diniz desenha, é representado com formas geométricas: triângulos, quadrados, retângulos, círculos. Diria que o autor conseguiu criar um universo pictórico só dele. É bom? Sim, é! É para todos os amantes de banda desenhada? Provavelmente não. Tem demasiada personalidade, reconheço. Mas, no meu caso, e sublinhando que esta é a parte subjetiva na minha análise, é uma arte ilustrativa que me convence e onde gosto de mergulhar. 

Mas André Diniz não é apenas um bom ilustrador. Também é um excelente contador de histórias. E a forma como nos narra esta história, é de mestre. Com um discurso na primeira pessoa e com diálogos bem construídos, leva-nos a viajar no espaço e faz-nos sentir como se estivéssemos em plena favela. Se os excelentes filmes Cidade de Deus, de Fernando Meireles e Tropa de Elite, de José Padilha, nos revelaram a violência (e redenção?) que se experienciam nas favelas brasileiras, Morro da Favela ombreia com esses dois filmes, devido a ser um retrato tão humano, real e violento da vida no Morro da Providência.

Gosto também como o livro não procura necessariamente encontrar "bons" e "maus", "heróis" e vilões", limitando-se a descrever e a narrar as coisas como são, de uma forma genuinamente transparente. Há ainda alguns separadores ao longo da história, com páginas apenas de texto, que muito enriquecem e experiência, dando profundidade àquilo que é narrado através dos desenhos. As fotografias de Maurício Hora são mais um bónus apetecível. 

Relativamente às 12 novas páginas, são uma adição muito bem-vinda pois permitem ao autor, fazer um update à situação vivida atualmente no Morro da Providência, com as profundas alterações causadas pela organização do Campeonato do Mundo de Futebol (em 2014) e os Jogos Olímpicos (em 2016) por parte do Brasil; e, também, com a criação da Casa Amarela, um centro cultural comunitário, reconhecido internacionalmente, que Maurício Hora fundou com o artista francês Jean René.

Quanto à edição, a Polvo deu um enorme salto qualitativo. Não só esta segunda edição tem mais páginas e uma encadernação em capa dura, como apresenta igualmente um papel de boa qualidade, que faz justiça à relevância desta obra. Esta é "a edição" que se deve comprar do livro. E, devido ao desenlace na história que as 12 novas páginas nos trazem, até diria que mesmo aqueles que já têm a primeira edição do livro, deviam ter esta. Não são apenas mais 12 páginas para "encher", como muitas vezes é feito. São 12 páginas que resolvem bem a história, que acrescentam algo relevante ao todo.

Em conclusão, Morro da Favela, é um retrato pungente, verdadeiro, sentido e maravilhoso daquilo que é a vida na Favela do Morro da Providência, no Rio de Janeiro. No final, a sensação com que ficamos após esta leitura é dum arrebatamento emocional. De quase nos deixar com as lágrimas nos olhos. Mais do que um livro de banda desenhada maravilhoso, este é um livro maravilhoso que qualquer pessoa - goste ou não de banda desenhada - deve ler. Obrigatório.


NOTA FINAL (1/10):
9.2

Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020

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Ficha técnica
Morro da Favela (2.ª edição, aumentada)
Autor: André Diniz
Editora: Polvo
Páginas: 140, preto e branco e cores
Encadernação: capa dura
Lançamento: Fevereiro de 2020

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Lançamento: Morro da Favela (2ª Edição Aumentada)

Morro da Favela, de André Diniz e Maurício Hora

A Editora Polvo prepara-se para publicar uma nova edição de Morro da Favela, de André Diniz e Maurício Hora. O livro recebe uma nova capa e 12 páginas inéditas em Portugal, numa encadernação em capa dura. A distribuição em livraria ocorrerá durante a segunda quinzena de Fevereiro. 

Além do lançamento desta segunda edição aumentada da obra, inaugura também, hoje, dia 14 de Fevereiro, pelas 18h00, a Exposição “Morro da Favela”, de André Diniz e fotografias de Maurício Hora, na casa Pau-Brasil Lisboa (Rua da Escola Politécnica, nº 42) com a presença dos dois autores. O livro será lançado no evento. Haverá uma conversa com o jornalista João Morales a que se seguirá uma sessão de autógrafos. A exposição, que se prolonga até 31 de Março, é promovida pela Embaixada do Brasil em Lisboa, tem produção da Bienal de Quadrinhos de Curitiba, numa parceria com a Livraria da Travessa e a Casa Pau-Brasil e conta com o apoio da Polvo.

Fiquem com a nota de imprensa da editora e com algumas páginas da obra:



Originalmente publicado no Brasil em 2011 e em Portugal pela Polvo em 2013, este livro retrata as memórias do fotógrafo Maurício Hora, gerado e criado no Morro da Providência (Rio de Janeiro), também conhecido como Morro da Favela, a primeira favela brasileira, nascida em 1897. 

É uma narrativa necessária para se entender o dia a dia das favelas do Rio através do ponto de vista de um morador, que procurou na fotografia a sua identidade e acabou por fazer um registo que entrou para a história da cultura carioca.

André Diniz usa o contraste seco do preto e do branco para mostrar os tons de cinza do quotidiano de Maurício, a sua relação com a vida e a morte, com a polícia e os bandidos, com a prisão e a liberdade e com o morro e o asfalto.

Em 2017 André Diniz regressa ao Morro da Providência e, mais uma vez guiado por Maurício Hora, complementa em 12 novas páginas, que muito enriquecem esta 2ª edição, as enormes mudanças sofridas no Morro e a criação da “Casa Amarela”, um centro cultural comunitário reconhecido internacionalmente, fundado por Maurício e pelo artista plástico francês JR (Jean René). 

O livro inclui ainda 14 páginas com fotos de Maurício Hora.

Morro da Favela é um dos melhores exemplos do trabalho de André Diniz enquanto argumentista e desenhador. Conquistou o PRÉMIO HQMIX 2012 (Brasil) nas categorias “Melhor Edição Especial Nacional” e “Melhor Roteirista Nacional”.


Ficha Técnica
Morro da favela (2.ª edição, aumentada)
Autores: André Diniz e Maurício Hora
Editora: Polvo
Páginas: 140 páginas a preto e branco e a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 17,90€