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terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Análise: Um Oceano de Amor

Um Oceano de Amor, de Lupano e Panaccione - ASA - LeYa

Um Oceano de Amor, de Lupano e Panaccione - ASA - LeYa
Um Oceano de Amor, de Lupano e Panaccione

Ainda o ano 2025 vai tão no seu começo e uma coisa já é óbvia para mim: Um Oceano de Amor figurará entre as minhas melhores leituras de banda desenhada do ano! Este é um livro delicado, belo, poético, original, marcante e que, através de todas as sensações que evoca, nos consegue tocar de tal forma que ora vamos às lágrimas de comoção, ora vamos às lágrimas de riso. Ainda não chegou às livrarias portuguesas - deverá estar disponível a partir de 4 de Março - mas já tive o privilégio de o ler.

E começo por falar da edição. Esta é uma aposta da editora ASA que me parece algo "arriscada". E porquê? Bem, porque estamos a falar de um livro que foi originalmente lançado há mais de 10 anos, em 2014, e que, para além disso, ainda é mudo. Não há qualquer fala ou balão. A aposta da ASA assume-se, pois, como "arriscada", embora extremamente bem-vinda, porque é bem possível que muitos dos leitores portugueses já tenham tomado contacto com uma edição estrangeira deste livro. E, sublinho, tendo em conta que a obra não tem qualquer texto, esses leitores portugueses bem que podem ter comprado a edição húngara ou finlandesa da obra - se existirem - pois, certamente a perceberam do mesmo modo.

Um Oceano de Amor, de Lupano e Panaccione - ASA - LeYa
Portanto, e tendo em conta a recentemente incrementada aposta da ASA em banda desenhada de primeira qualidade, parece-me que a razão da aposta da ASA neste Um Oceano de Amor se prende apenas com isso mesmo: a sua qualidade intrínseca. É a aposta em depositar no mercado nacional uma banda desenhada de qualidade superior a que é difícil ficar indiferente. E isso merece o meu aplauso!

De resto, este era um livro que há muito eu queria ler. Já o tinha folheado várias vezes em loja, mas, por razõe$ várias, não o tinha ainda comprado. E ainda bem que agora temos o livro disponível em Portugal! Porque é um livro maravilhoso! 

A edição da obra é em capa mole sem badanas. No miolo, o papel é baço e de boa qualidade, com uma boa impressão e uma encadernação aceitável. Dada a qualidade da obra, acho que a mesma merecia uma edição em capa dura ou, pelo menos, em capa mole com badanas. No entanto, e pelos motivos apontados mais acima, creio que a editora apostou numa edição mais humilde - ou não tão cara de produzir - devido ao risco de editar a obra. Como se fosse um risco assumido, mas controlado. É uma suposição apenas, atenção. Seja como for, a edição é boa. Não é fantástica, mas é boa. Portanto, não tenham medo de a adquirir. E, sim, este é mesmo um daqueles livros para colocarem na vossa lista de compras.

Um Oceano de Amor, de Lupano e Panaccione - ASA - LeYa
Falando agora sobre a obra em si, permitam-me dizer-vos que Um Oceano de Amor nos conta a história de um pescador da Bretanha. Como tantos outros, todos os dias se levanta ainda de madrugada para se fazer ao mar, como forma de salvaguardar o seu ganha-pão. Mas há um dia em que o seu pequeno barco é acidentalmente pescado por um gigante navio-fábrica, daqueles que em poucos segundos arrastam cardumes inteiros para as suas enormes redes de pesca. Isso obriga a que o pescador não volte para casa onde a sua devota esposa está à sua espera. 

Este é o gatilho para que o leitor embarque nesta aventura que se divide em duas jornadas paralelas: a do próprio pescador, que tenta sobreviver num mar que raramente dá tréguas, e a da sua esposa que, corajosamente, põe mãos à obra de forma pró-ativa e vai tentar encontrar o seu marido onde quer que ele esteja. Sobre a história sinto que não devo dizer mais nada, pois é nesta jornada dupla que a aventura, a ilusão e a beleza deste livro estão contidas. 

E ainda que seja um livro sem qualquer fala, permitam-me dizer-vos que o argumento arquitetado por Wilfrid Lupano (também autor de Branco em Redor, da Arte de Autor, entre muitas relevantes outras obras) é verdadeiramente impressionante. A história está carregada de bons momentos - alguns divertidos, outros tristes e ainda outros que até nos fazem refletir sobre a atual sociedade - e nunca parece forçada, longa ou curta demais. Está na medida certa.

Um Oceano de Amor, de Lupano e Panaccione - ASA - LeYa
Se a história é bela, os desenhos de Grégory Panaccione são um autêntico deleite para a vista! As bandas desenhadas mudas são sempre um grande desafio para os desenhadores, pois importa fazer passar o sentido e significado da história sem a ajuda das palavras. Os desenhos, os eventos, os cenários e as expressões das personagens têm que ser, consequentemente, inequívocos na interpretação. E aqui, são-no certamente. Panaccione consegue mergulhar-nos nas expressões profundas, nos momentos hilariantes e nas situações mais introspetivas de forma magistral.

Os desenhos são bastante "cartoonescos", com Panaccione a oferecer-nos um traço caricatural e incrivelmente expressivo, que facilmente cativa o leitor. São "bonecos" com expressões demarcadas que nos conquistam e nos tocam perante as adversidades com que se deparam ao longo das suas caminhadas. O desenho da imensidão do mar também é especialmente bem conseguido por parte do autor, que parece agarrar em nós, leitores, e largar-nos em plenas vagas do oceano revolto. 

Para que os desenhos sejam tão belos e, em certa medida, tão oníricos, também conta que as ilustrações sejam magnificamente coloridas através de aguarela, o que dá um aspeto requintado e artístico a toda a arte visual. No fundo, é um livro que dá gosto apreciar, perdendo em algum tempo com cada ilustração, seja ela grande ou pequena em dimensão.

Acima de tudo, e em conclusão, Um Oceano de Amor revela-nos a quantidade de coisas que podemos dizer sem emitir qualquer palavra, a quantidade de sons que podemos emitir sem produzir qualquer ruído e a quantidade de amor, emoção e ternura que um conjunto de rabiscos coloridos - vulgo, desenhos - conseguem produzir no leitor. É magia aquilo que Lupano e Panaccione conseguem fazer neste livro, transformando-o numa obra prima da banda desenhada e num livro absolutamente obrigatório!


NOTA FINAL (1/10):
10.0




Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Um Oceano de Amor, de Lupano e Panaccione - ASA - LeYa

Ficha técnica
Um Oceano de Amor
Autores: Lupano e Panaccione
Editora: ASA
Páginas: 224, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 275 x 206 mm
Lançamento: Fevereiro de 2025

terça-feira, 22 de março de 2022

Análise: Branco em Redor

Branco em Redor, de Wilfrid Lupano e Stéphane Fert - Arte de Autor

Branco em Redor, de Wilfrid Lupano e Stéphane Fert - Arte de Autor
Branco em Redor, de Wilfrid Lupano e Stéphane Fert

Se não me falha a memória, Branco em Redor marca a estreia do profícuo autor francês Wilfrid Lupano em Portugal. Bem como a de Stéphane Fert. O livro acaba de ser editado, pela editora Arte de Autor, que tem nesta edição uma aposta que, a meu ver, é um pouco menos convencional em relação às obras do seu catálogo. O que é, quanto a mim, algo que merece louvores, pela tentativa de alargar propostas e públicos.

Branco em Redor é uma obra conceituada - e que até foi nomeada para o Prémio dos Liceus no Festival de Angoulême – , baseada em factos verídicos, que nos remete para o Connecticut, do séc. XIX, onde uma professora achou por bem que a sua escola passasse a acolher apenas alunas negras. Logicamente, tendo em conta o período histórico e o local onde se desenrola a ação, esta decisão da professora Prudence Crandall, não é nada bem aceite por parte da população local que, também expectavelmente, tudo fará para que os intentos desta escola vanguardista não se consolidem.

Branco em Redor, de Wilfrid Lupano e Stéphane Fert - Arte de Autor
Sendo uma história que, à partida, nos transporta logo para os problemas da segregação racial dos Estados Unidos da América, também toca, de forma profunda, no problema da discriminação baseada no género já que, em Branco em Redor, a população local vê uma ameaça numa escola para indivíduos negros e que, ainda por cima, são mulheres e não homens! Contado assim, parece ridículo – e é! – mas a verdade é que a história se mantém em linha com aquilo que se passa nos dias de hoje. A Malala Yousafza e outros milhares de mulheres por esse mundo fora que o digam!

E, nesse sentido, acaba também por ser uma leitura que, infelizmente, se mantém muito atual pois, ainda nos dias que correm, onde, supostamente, a sociedade já evoluiu tanto, continuamos a perpetrar atos de discriminação baseada na raça e no género. E a vedar o direito à educação a tantas mulheres.

O argumento tecido por Lupano é bastante coerente e bem conseguido, fazendo um bom equilíbrio entre aquilo que são os factos desta história real, e que interessam contar, e  uma certa reflexão implícita que a obra oferece ao leitor. Houve, certamente, uma boa documentação por parte de Lupano.

Branco em Redor, de Wilfrid Lupano e Stéphane Fert - Arte de Autor
A capacidade de luta da professora Prudence Crandall e das suas jovens alunas, num contexto social tão difícil, representa um ótimo documento histórico sobre a longa marcha pelos direitos básicos dos negros norte-americanos e um exemplo que não deveremos esquecer. Até porque esta escola tornou-se a primeira escola exclusiva para meninas negras na história dos Estados Unidos da América. E isto oferece a este livro um cariz didático muito relevante. Com efeito, considero que todas as escolas portuguesas deveriam ter este livro nas suas bibliotecas.

A conclusão deste livro também é que mesmo que a população local cometa atrocidades perante esta escola, a sua professora e as suas alunas, uma boa ideia, carregada de bons valores e justiça, nunca morre. De uma forma ou de outra, e passe mais ou menos tempo, o certo acaba por imperar sobre o errado. Pelo menos, é essa a crença que nos vale, diria!

Quanto à arte ilustrativa, este é um livro que apresenta uma abordagem visual bastante diferente das outras propostas – mais clássicas – no catálogo da Arte de Autor. Os desenhos do autor Stéphane Fert apresentam um estilo perto da animação infantil – ou do livro ilustrado – mas em que a linguagem própria da banda desenhada, com toda a sua sequência narrativa, é totalmente feita ao estilo da banda desenhada clássica. Ou seja, apenas nos próprios desenhos, este livro assume um estilo mais diferente e original.

Branco em Redor, de Wilfrid Lupano e Stéphane Fert - Arte de Autor
Os desenhos de Fert trazem alguma frescura e leveza à história (que é pesada), apresentado um desenho simples, mas, ao mesmo tempo, muito rico. Assim, o desenho de Branco e Redor – que quase não utiliza contornos – consegue despertar serenidade no leitor. As meninas e os cenários são muito bonitos. Apenas há alguma rudez na forma como os oponentes da escola de Prudence Crandall são caracterizados, onde o autor adopta um estilo mais caricatural para enfatizar o ridículo da situação. Uma maneira de criticar de forma subtil com quem é/foi parvo, diria.

Mas será, por ventura, nas cores, com tons suaves e lisos, que este álbum consegue ser maravilhoso. Com uma bonita, suave e subtil paleta de cores, posso dizer que o resultado final nos oferece uma bela experiência visual. Por outras palavras, os desenhos de Fert nunca seriam tão maravilhosos se, por acaso, este álbum fosse a preto e branco. Porque são, de facto, as cores que nos pintam e ambientam, com doçura, nesta história que de doce não tem nada.

Branco em Redor, de Wilfrid Lupano e Stéphane Fert - Arte de Autor
Se me posso queixar de alguma coisa nos desenhos de Stéphane Fert é que, entre as personagens negras e brancas, é difícil, por vezes, distingui-las entre si. Claro que - e especulando - esse até pode ter sido um intuito oculto do autor, para manifestar como brancos e negros são, na realidade, a mesma coisa. Todavia, por uma questão de fluidez narrativa, vi-me forçado, em algumas vezes, a ter que decifrar quem era aquela personagem. Nada de muito grave, ainda assim.

A edição da Arte de Autor é muito boa, com capa dura que apresenta a tal “textura aveludada” – na falta de termo mais técnico da minha parte – que é tão suave ao toque e que eu tanto aprecio. Reparei que este livro tem um bom papel baço, muito adequado ao estilo de ilustração de Fert, mas que me pareceu mais frágil e fino do que o papel habitual que a editora utiliza. Nota ainda para um posfácio de cinco páginas que, através de um texto de Joanie DiMartino, conservadora do museu Prudence Crandall, nos dá relevantes informações sobre algumas das mulheres negras que lutaram pelo seu direito à educação.

Concluindo, Branco em Redor constitui uma excelente aposta da editora Arte de Autor e merece ser lido por todos: miúdos e graúdos. Para que todos possamos aprender com a História e refletir como a educação é - talvez - a melhor arma para superar preconceitos e, quiçá, operar subtilmente na sociedade as principais mudanças.


NOTA FINAL (1/10):
8.8


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020



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Branco em Redor, de Wilfrid Lupano e Stéphane Fert - Arte de Autor

Ficha técnica
Branco em Redor
Autores: Wilfrid Lupano e Stéphane Fert
Editora: Arte de Autor
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Março de 2022

sexta-feira, 4 de março de 2022

Arte de Autor lança novo livro!




Já está disponível para compra no site da editora Arte de Autor e deverá chegar às livrarias no próximo dia 8 de Março, a nova aposta da editora!

Trata-se de Branco em Redor, da autoria de Wilfrid Lupano e Stéphane Fert. É uma obra conceituada - e que até foi nomeada para o Prémio dos Liceus no Festival de Angoulême - e que apresenta um estilo de desenho algo diferente daquilo a que a Editora nos tem mostrado no seu catálogo.

Por esse motivo, está a despertar claramente o meu interesse!

Mais abaixo, deixo-vos a sinopse da obra e algumas imagens promocionais.
Branco em Redor, de Wilfrid Lupano e Stéphane Fert

Branco em redor revela-nos o percurso conturbado e verídico de uma escola reservada a raparigas negras no Connecticut, no séc XIX, onde a liberdade, igualdade de género, direito à educação, antiracista e a segregação social são abordadas, temas que ainda hoje em dia estão na agenda mundial.

A capacidade de luta de Prudence Crandall e das suas jovens alunas num contexto social hostil é um exemplo que permanecerá por muito tempo na memória dos leitores. 

É também e antes de tudo um livro político, no sentido pleno da palavra, que atesta a longa marcha dos negros americanos rumo à integração e a luta das mulheres para alcançar, nas mesmas bases que os homens, uma educação digna de seu nome.

Esta história, inspirada em factos reais, desenrola-se no ano de 1832, em Canterbury, uma pequena cidade tranquila do Connecticut, trinta anos antes da abolição da escravatura. 

Na região norte dos Estados Unidos esta já fora abolida. Aqui, os negros são «livres», mas não têm nenhum direito de cidadania. Negros, aliás, há muito poucos. 

E a maioria branca que ali vive pensa muitas vezes que ainda assim são de mais…

Prudence Crandall administra uma escola para meninas. Um dia, uma menina negra pede para se inscrever. É o início de uma batalha entre a “comunidade” de Canterbury e a escola que se tornará a primeira escola exclusiva para meninas negras nos Estados Unidos. 

Classificado como local histórico nacional, o museu Prudence Crandall, vestígio da Canterbury Female Boarding School, comprometeu-se com a luta pela equidade na educação, inscrevendo a escola no coração da história da luta mundial pelos direitos cívicos e encorajando o seu público a tomar parte no debate cívico e nas acções civis.

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Ficha técnica
Branco em Redor
Autores: Wilfrid Lupano e Stéphane Fert
Editora: Arte de Autor
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 27,00€

quarta-feira, 24 de março de 2021

Análise: Les Vieux Fourneaux #4 - La Magicienne

Les Vieux Fourneaux #4 - La Magicienne, de Lupano e Cauuet - Dargaud


Les Vieux Fourneaux #4 - La Magicienne, de Lupano e Cauuet - Dargaud
Les Vieux Fourneaux #4 - La Magicienne, de Lupano e Cauuet

Les Vieux Fourneaux é uma série de banda desenhada franco-belga que tem tido bastante sucesso na Europa, contando já com 6 volumes e uma adaptação cinematográfica, realizada por Christophe Duthuron em 2018. Esta série, da autoria dos autores franceses Wilfrid Lupano e Paul Cauuet, conta-nos a história de três septuagenários, Antoine, Emile e Pierrot, que são amigos desde a mais tenra infância. Todos eles seguiram entretanto o seu caminho, fazendo as suas próprias escolhas que, naturalmente, os fizeram adquirir pontos de vista e perspetivas diferentes sobre, e perante, a vida. Ainda assim, a amizade dos três permanece sólida. Afinal de contas, as verdadeiras amizades que fazemos na vida são assim mesmo, certo? Verdadeiros amigos até podem ter partidos políticos, percursos profissionais, clubes de futebol, religiões, gostos musicais... opostos entre si. Mas mantêm-se amigos para sempre. Esta série pega nesta premissa, juntando-lhe uma interessante quantidade dos temas mais marcantes na esfera social, política e cultural dos anos recentes e a forma como os idosos lidam – ou têm que lidar – com tudo isso.

Les Vieux Fourneaux #4 - La Magicienne, de Lupano e Cauuet - Dargaud
Neste quarto tomo, intitulado La Magicienne, Antoine, juntamente com a sua neta, Sophie, e a sua bisneta, Juliette, regressam à sua vila e encontram-na em verdadeira ebulição entusiástica, devido a uma plena expansão económica que se prepara para poisar sobre a localidade. Assim, o projeto de expansão da empresa Garan-Servier, que construirá enormes instalações na região, promete trazer muita prosperidade económica à localidade, contribuindo para a criação de muitos postos de trabalho.

No entanto, não há bela sem senão, e começam a surgir vozes contra a construção destas grandes instalações pois, acredita-se, trazem um forte e negativo impacto ambiental. Em especial porque este empreendimento poderá colocar em causa o habitat natural da espécie de insecto “magicienne dentelée”, também conhecida como “saga pedo”. Este confronto de interesses colocará a localidade em alvoroço, levando as personagens a extremar as suas posições, quer pela fação pró-económica, quer pela fação pró-ecológica.

Mas o argumento não se fica por aí pois há muitas camadas narrativas nesta obra. Sophie acaba por descobrir uma verdade sensível acerca do seu avô, Antoine, enquanto que parece começar a nutrir uma paixão inebriante pelo ecologista Vasco.

Les Vieux Fourneaux #4 - La Magicienne, de Lupano e Cauuet - Dargaud
Na verdade, este tomo até se foca mais em Sophie do que no seu idoso avô e nos seus dois amigos. E embora seja uma série de comédia, e que seja levada com ligeireza por parte do argumentista Lupano, acaba por conseguir chegar a níveis mais profundos, nomeadamente em termos afetivos, enquanto trata, também, das questões mundanas que, neste tomo, dizem respeito à dicotomia responsabilidade ecológica versus desenvolvimento económico.

O humor nas falas e nos comportamentos extremados das personagens é também uma força da série pois, mesmo quando os assuntos retratados são sérios, a abordagem é light e divertida. Destaque para a forma como as fantasias de Sophie, relativamente a Vasco, são imaginadas e retratadas pelos autores. De forma verdadeiramente genial e que constitui uma cereja em cima do bolo.

Muito bem doseada em todas as vertentes, Les Vieux Fourneaux assume-se como uma leitura leve, que aproxima as personagens do leitor que, sem grande esforço, cria relações afetuosas com as mesmas. Embora não tenha aquela dose nostálgica que nos enche o coração da série Verões Felizes, publicada em Portugal pela Arte de Autor, remeteu-me várias vezes para essa série. Aqui, também temos personagens ternas e bem humoradas numa história simples mas que consegue levantar questões pertinentes enquanto se aloja na nossa mente. No final da leitura, criámos uma relação com estas personagens e nem demos por isso.

Les Vieux Fourneaux #4 - La Magicienne, de Lupano e Cauuet - Dargaud
E mesmo na questão gráfica, também é uma série de estilo claramente franco-belga, muito bem desenhada e cativante, naquele estilo da escola Spirou, em que autores como o Jordi Lafebre, da série já mencionada Verões Felizes; Andre Franquin (de Gaston Lagaffe, Spirou ou Marsupilami) ou mesmo, Régis Loisel (de Armazém Central, de Peter Pan ou Em Busca do Pássaro do Tempo) são autores que me vieram à memória. O próprio Loisel até é publicamente considerado por Cauuet, o autor deste Les Vieux Fourneaux, como a sua mais importante influência da banda desenhada, juntamente com Hermann.

Mas, influências à parte, importa dizer que este é um álbum muito bem conseguido em termos de arte visual, com as personagens a transmitirem as sensações de forma graciosa e cenários brilhantemente desenhados. As cores, asseguradas por Gom, também oferecem à obra o ambiente e cor adequados para que seja um álbum bonito de observar.

A edição original desta obra é da editora Daugaud, com capa dura e em bom papel. Embora o design de capa me pareça, possivelmente, a maior fraqueza desta obra. A meu ver, é tudo menos apelativo. O verdadeiro apelo gráfico só existe quando se abre o livro e se encontra um excelente trabalho de ilustração do autor Cauuet. 

Os vários níveis de leitura são uma constante na obra, o que permitirá, estou certo, chegar a vários públicos. Quer seja com a postura dos três idosos que se comportam como crianças, quer seja na vertente mais emocional e familiar de Sophie, quer seja na análise dos temas da atualidade por parte de três idosos que opinam sem escrúpulos perante qualquer coisa, esta é uma série com grande potencial e que eu gostaria de ver publicada em Portugal. Possivelmente, encaixaria que nem uma luva no catálogo da editora Arte de Autor, que já tem as (relativamente) semelhantes Armazém Central ou Verões Felizes, ou no catálogo de qualquer outra editora (estou a pensar numa A Seita, numa Ala dos Livros, numa Gradiva ou numa ASA, por exemplo) que, apostando nesta Les Vieux Fourneaux, estaria a abordar aquele género de bd familiar e leve que, parece, tem ainda muito espaço para crescer nas estantes dos leitores de banda desenhada portugueses. Recomenda-se!


NOTA FINAL (1/10):
8.9



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Les Vieux Fourneaux #4 - La Magicienne, de Lupano e Cauuet - Dargaud

Ficha técnica
Les Vieux Fourneaux #4 - La Magicienne
Autores: Wilfrid Lupano e Paul Cauuet
Editora: Dargaud
Páginas: 54, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Outubro de 2017