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terça-feira, 19 de agosto de 2025

Análise: Toxic West

Toxic West, de João Gil Soares - Escorpião Azul

Toxic West, de João Gil Soares - Escorpião Azul
Toxic West, de João Gil Soares

Uma das mais recentes novidades no catálogo da editora Escorpião Azul dá pelo nome de Toxic West e é da autoria do português João Gil Soares, de quem a editora já havia publicado o livro Forgoth: A Cidade Esquecida. E posso dizer-vos que são livros bastante diferentes entre si.

Toxic West assume-se como um western pós apocalíptico com uma premissa tão inusitada quanto cativante: depois da extinção da humanidade, os mutantes tentam sobreviver num mundo arrasado pela poluição e pelo legado destrutivo dos humanos. Nesse cenário árido, onde desertos cobertos de lixo funcionam como pano de fundo, já não temos pessoas, mas apenas animais. Acompanhamos Patti Graves, uma guaxinim fora-da-lei, e Sierra Bloom, uma ratazana psíquica, na sua jornada rumo à cidade de Zion. A narrativa propõe, desde o início, uma mistura de aventura, crítica ecológica e humor ácido, estabelecendo o tom para o universo bizarro e caótico em que a ação se desenrola.

Toxic West, de João Gil Soares - Escorpião Azul
Sendo que um dos aspetos mais interessantes da história é o modo como o autor recorre a estereótipos clássicos dos westerns - forasteiros, duelos, caçadores de recompensas, gangues e cidades sem lei, só para mencionar alguns - para depois os distorcer através da lente do (seu) pós-apocalipse. Este "guisado" de elementos resulta num mundo familiar e, ao mesmo tempo, estranho, onde há espaço para que também apareçam soldados robot que são parte do exército controlado pelo vilão, Warden, um tubarão. É neste antagonista especialmente divertido que João Gil Soares introduz um comentário satírico à lógica capitalista, colocando-o como arquétipo de um mafioso que quer expandir os seus negócios a todo o custo.

A dupla de protagonistas, Patti e Sierra, funciona como o fio condutor da narrativa, com a guaxinim a encarnar o espírito do fora-da-lei clássico e Sierra a servir-se dos seus poderes psíquicos. Esta complementaridade entre personagens, por vezes a fazer lembrar o road movie Thelma e Louise, oferece algum espaço para o humor, embora nem sempre isso seja convenientemente explorado pelo autor.

O uso de animais antropomórficos como personagens também se revela uma escolha que acentua esta vertente mais cómica da obra, aproximando-a do universo indie da banda desenhada mais alternativa, ao mesmo tempo que reforça o tom lúdico e satírico da narrativa. 

Toxic West, de João Gil Soares - Escorpião Azul
Visualmente, este é um livro com uma personalidade muito própria, que ganha força devido ao estilo de desenho adotado, baseado num traço simples e rápido, pouco detalhado e com uma aura “rough on the edges”, que lhe oferece um caráter mais independente. No meu caso, este tipo de desenho remeteu-me para os desenhos animados da era dourada da Nickelodeon em que séries como Ren & Stimpy, Rugrats, Hey Arnold ou CatDog  , só para mencionar algumas, faziam furor. Esse paralelismo é feliz, já que evoca uma nostalgia que pode agradar a leitores mais adultos que cresceram nesse período. 

No entanto, e apesar das boas ideias que a obra traz, o desenvolvimento narrativo deixa a desejar em alguns pontos. A sensação é de que o autor se perde, a meio caminho, na própria história. A progressão de eventos, em vez de seguir uma linha coerente, apresenta-se dispersa, deixando o leitor com a impressão de que partes do enredo se diluem num nonsense acidental. E, lá está, até poderia ser um nonsense procurado pelo autor, mas parece-me que não é o caso, pois, apesar dos elementos cómicos da história, há uma tentativa de progressão narrativa linear e clássica. E é nesse ponto que a obra mais peca, quanto a mim. Ou bem que era totalmente nonsense e audaz por isso, ou bem que a sua história era mais bem afinada. Acaba por ficar no meio dos dois caminhos sem conseguir ser especialmente bem sucedida em nenhuma dessas opções.

Toxic West, de João Gil Soares - Escorpião Azul
Outro aspeto problemático está na oscilação entre públicos-alvo. Há momentos em que o livro claramente se dirige a um público infantil, com humor simples, situações caricatas e um ritmo acessível. Contudo, noutras partes, como no pendor mais retro-indepedente visual da obra ou na sua crítica subjacente, parece querer dialogar com um público adulto. Esta indefinição acaba por fragilizar o impacto global da obra: se a intenção era criar uma narrativa madura disfarçada de fábula, o argumento necessitaria de maior solidez e coesão, quanto a mim.

Quanto à edição da Escorpião Azul, o livro apresenta capa mole baça, com detalhes a verniz, e com badanas. O papel é de boa qualidade e a impressão e a encadernação também são boas. No final, há um caderno de extras, com 8 páginas, com ilustrações adicionais. À semelhança do que a editora tem vindo a fazer em edições recentes, as margens das folhas do livro são coloridas a verde, o que dá um aspeto diferenciado e apelativo ao mesmo.

Em suma, Toxic West é uma obra algo irreverente, que chama especialmente a atenção pela originalidade e audácia da sua proposta de nos apresentar um western pós-apocalípico, com personagens antropomorfizadas, numa proposta gráfica bastante crua e, por outro lado, infantil. É uma leitura peculiar e bem-vinda, mas que deixa também a sensação de que, com um maior amadurecimento do argumento, o livro poderia ter alcançado um patamar mais sólido e marcante. É, ainda assim, uma obra que merece atenção, sobretudo de quem aprecia banda desenhada alternativa e universos que arriscam sair do comum.


NOTA FINAL (1/10):
6.8


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020

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Toxic West, de João Gil Soares - Escorpião Azul

Ficha técnica
Toxic West
Autor: João Gil Soares
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 136, a core
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
PVP: 29,00€

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

TOP 10 - A Melhor BD lançada pela Escorpião Azul nos últimos 5 anos!


Hoje é dia de vos dar a conhecer quais os 10 melhores livros de banda desenhada editados pela editora Escorpião Azul nos últimos 5 anos!

A Escorpião Azul é uma editora de pequena dimensão que tem sabido trilhar o seu próprio caminho, à sua própria maneira, apostando especialmente em obras de autores portugueses, embora dando espaço a outros autores estrangeiros num registo mais autoral.

Tenho notado um acréscimo de qualidade nos últimos anos, quer na qualidade das edições, quer na qualidade das apostas das editoras. 

Convém relembrar que este conceito de "melhor" é meramente pessoal e diz respeito aos livros que, quanto a mim, obviamente, são mais especiais ou me marcaram mais. Ou, naquela metáfora que já referi várias vezes, "se a minha estante de BD estivesse em chamas e eu só pudesse salvar 10 obras, seriam estas as que eu salvava".

Faço aqui uma pequena nota sobre o procedimento: considerei séries como um todo e obras one-shot. Tudo junto. Pode ser um bocado injusto para as obras autocontidas, reconheço, e até ponderei fazer um TOP exclusivamente para séries e outro para livros one-shot, mas depois achei que isso seria escolher demasiadas obras. Deixaria de ser um TOP 10 para ser um TOP 20. Até me facilitaria o processo, honestamente, mas acabaria por retirar destaque a este meu trabalho que procura ser de curadoria. Acabou por ser um exercício mais difícil, pois tive que deixar de fora obras que também adoro, mas acho que quem beneficia são os meus leitores que, deste modo, ficam com a BD que considero ser a "crème de la crème" de cada editora.

Deixo-vos então as melhores 10 BDs lançadas pela Escorpião Azul entre o período de 2020 a 2025, período de existência do Vinheta 2020:

quinta-feira, 17 de julho de 2025

Análise: O Esqueleto

O Esqueleto, de Roberta Cirne - Escorpião Azul

O Esqueleto, de Roberta Cirne - Escorpião Azul
O Esqueleto, de Roberta Cirne

Uma das mais recentes obras lançadas pela editora Escorpião Azul dá pelo nome de O Esqueleto e é uma banda desenhada de terror - mesmo que, primeiramente, até nem o pareça - da autora brasileira Roberta Cirne. Esta BD adapta aquele que foi o segundo romance de terror lançado no Brasil há mais de 150 anos (em 1872), da autoria de Joaquim Carneiro Vilela, um dos primeiros autores brasileiros a fazer aquilo que, hoje em dia, podemos considerar como terror gótico.

A trama deste O Esqueleto leva-nos a tomar contacto com a personagem de Felipe, um jovem estudante de Direito vindo do Ceará, que se muda para Olinda para estudar na Faculdade de Direito de Pernambuco. Ali, Felipe mergulha numa vida boémia e decadente, marcada por festas libertinas e muitos vícios. E o problema é que Felipe não está propriamente livre de relacionamentos amorosos, pois encontra-se noivo da sua prima Lívia, que muito desejou e que espera por si na sua cidade natal. Mas, como dizem, "a carne é fraca" e depressa a distância que separa Felipe da sua noiva Lívia o leva a afastar-se do caminho da retidão, mergulhando numa vida plena de libertinagem. Saberá Lívia das traições de Felipe? Terão que ler o livro.

O Esqueleto, de Roberta Cirne - Escorpião Azul
O que apreciei especialmente é que, numa primeira instância, a história apresenta-se bastante clássica na sua forma, relembrando um típico conto ao género de um autor clássico como Eça de Queiroz, por exemplo, mas é depois na forma como a história se desenrola que o conto assume uma postura mais de terror. Gostei, pois, desta forma de como os acontecimentos escalam de aquilo que parecia um romance ligeiro para uma história pesada de vingança e rancor.

Outra coisa apreciável é que a história tem o dom raro de agarrar o leitor desde os primeiros momentos, não apenas pela ambientação, mas pelo fascínio que gera a queda moral do protagonista. A narrativa de Felipe, marcada por uma devassidão crescente e por decisões cada vez mais impulsivas e egoístas, cria uma tensão constante: queremos saber como - ou se - a sua trajetória encontrará algum tipo de redenção. Em diversos momentos, Felipe até nos faz lembrar a figura de Dorian Gray, de Oscar Wilde, não apenas pelo seu hedonismo, mas pela maneira como o horror parece crescer como sombra das suas escolhas. O ritmo narrativo é envolvente, criando uma tensão crescente entre o real e o sobrenatural, entre o desejo e a destruição.

O Esqueleto, de Roberta Cirne - Escorpião Azul
Do ponto de vista gráfico, os desenhos de Roberta Cirne revelam-se apelativos, com algumas composições impactantes e cenas de forte carga atmosférica. A ilustração de capa é um excelente exemplo do refinamento artístico de que a autora é capaz de atingir. Ainda assim, noutros momentos, também se nota que certas expressões faciais e a linguagem corporal de personagens poderiam beneficiar de um maior aprimoramento anatómico ou emocional, pois nem sempre transmitem com clareza as nuances dramáticas exigidas por algumas cenas. Por vezes, o desenho é belo, noutros casos parece um tanto mais amador. Há, depois, um cuidado visível com a planificação, com as margens a serem decoradas entre as vinhetas, quase como iluminuras góticas, demonstrando uma atenção estética e simbólica que enriquece a experiência de leitura e reforça o caráter histórico da narrativa.

A escolha do preto e branco puro como paleta reforça o tom sombrio da narrativa e remete diretamente à estética do horror clássico. Os contrastes fortes e o uso expressivo das sombras conferem um certo drama às cenas, além de nos remeterem para a técnica da gravura clássica. Nota ainda para as cenas mais simbólicas, como as visões da morte e da deterioração, que são tratadas com um lirismo sombrio  que é bem-vindo.

O Esqueleto, de Roberta Cirne - Escorpião Azul

Em termos de edição, a obra é fiel aos restantes lançamentos da Escorpião Azul, apresentando capa mole baça, com detalhes a verniz, e com badanas. No interior, o livro apresenta bom papel baço, boa encadernação e boa impressão. A margem das páginas é colorida a preto, o que encaixa bem no estilo de livro que temos em mãos e dá mais requinte ao "objeto-livro". 

Há ainda um texto introdutório por parte da própria autora Roberta Cirne e uma página com notas biográficas de Joaquim Carneiro Vilela.

Em síntese, O Esqueleto é uma aposta interessante da editora Escorpião Azul numa obra de fôlego e densidade, que une literatura clássica ao estilo do terror gótico. Além de adaptar para banda desenhada um texto esquecido da literatura brasileira, Roberta Cirne consegue revitalizar a história e impactar o leitor ao longo da sua leitura. Não sendo sempre perfeito, é um livro que me deixou colado à sua leitura, da primeira à última página.


NOTA FINAL (1/10):
7.0



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O Esqueleto, de Roberta Cirne - Escorpião Azul

Ficha técnica
O Esqueleto
Autora: Roberta Cirne
Baseado na obra original de: Joaquim Carneiro Vilela
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 56, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Maio de 2025

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Qual o melhor Livro do Mês de Fevereiro de 2025 para o Vinheta 2020?



Hoje regresso à rubrica "BD do Mês" trazendo-vos a obra que, quanto a mim, foi a melhor BD do mês de Fevereiro.

Relembro que isto do "melhor" e do "pior" é sempre algo subjetivo, concedo, mas o objetivo aqui é muito simples: caso não haja dinheiro para comprar todas as boas bandas desenhadas lançadas por cá, qual a compra mensal mais obrigatória a fazer?

É, na minha opinião, a obra que vos apresento mais abaixo.

Curiosamente, quer o livro estrangeiro, quer o nível nacional, são histórias curtas, sem o recurso a legendagem/balões.

Sem mais demoras, eis o Livro do Mês de Fevereiro de 2025:

quarta-feira, 9 de julho de 2025

As novidades de BD da Escorpião Azul para o segundo semestre de 2025!


Hoje trago-vos as novidades de banda desenhada que a editora Escorpião Azul espera publicar durante o segundo semestre de 2025!

Aviso-vos desde já que são apenas duas as bandas desenhadas que a editora decidiu, por agora, anunciar.

No entanto, posso avançar-vos que a editora está a preparar dois livros que, à semelhança do Muitos Anos a Virar Páginas, não são de banda desenhada, mas sobre banda desenhada. Coisa que aplaudo e que me faz ficar motivado para mergulhar nessas leituras.

Mas, até lá, resta-nos olhar para as novidades que a editora acaba de divulgar: uma delas marca o regresso do autor João Mascarenhas ao catálogo da Escorpião Azul - que já publicou Burpszila.

Saliente-se também a aposta da editora numa obra clássica italiana, originalmente publicada em 1978, dos autores Guido Buzzelli e Alexis Kostandi.

Sem mais demoras, são estas as duas obras em questão:

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Escorpião Azul lança BD brasileira de terror!


A editora Escorpião Azul acaba de lançar uma banda desenhada de terror, da autora brasileira Roberta Cirne!

Posso dizer-vos que, no Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja, pude tomar contacto com a autora e com a exposição dedicada à mesma - e fiquei muito bem impressionado.

O livro já se encontra à venda nas livrarias portuguesas.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.


O Esqueleto, de Roberta Cirne

Esta novela gráfica que tem na mão, é a adaptação da segunda obra de terror lançada no Brasil, escrita por Joaquim Carneiro Vilela em 1872. Um dos primeiros autores do terror gótico brasileiro.

Conta-nos uma história de terror e decadência, que nos leva de uma tradicional e honrada família de altos valores morais até à depravação das ruas boémias da cidade de Olinda, no tempo em que ali funcionava a Faculdade de Direito de Pernambuco. 

Acompanhamos o romance de Felipe e Lívia e o verdadeiro amor que faz frente às tentações do mundo. Enamorado da sua prima Lívia, nada mais desejava... até ao dia em que é obrigado pelo seu pai a ir estudar para a Faculdade de Direito, onde acaba por conhecer Azevedo e os “Filhos de Minerva”. 

Pecado e redenção, ascensão e queda... Esta é uma história de terror, que se vai desenrolando lentamente, até tomar toda a alma do leitor sem aviso prévio.

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Ficha técnica
O Esqueleto
Autora: Roberta Cirne
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 56, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
PVP: 15,00€


sexta-feira, 6 de junho de 2025

Escorpião Azul lança BD nacional de estilo "western apocalíptico"!



Já se encontra disponível em livraria a nova aposta da editora Escorpião Azul que dá pelo nome de Toxic West, e que marca o regresso de João Gil Soares ao lançamento de banda desenhada, depois de ter lançado pela mesma editora a sua obra de estrei Forgoth.

Desta feita, estamos perante uma história a cores, que é ambientada no faroeste e que tem ficção científica à mistura.

Tive oportunidade de ver a apresentação deste livro no Festival de Beja e posso dizer-vos que fiquei bastante intrigado com o mesmo.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.

Toxic West, de João Gil Soares

Depois da extinção da humanidade, os mutantes tentam sobreviver no planeta poluído que herdaram. Os desertos, cobertos de lixo, são terras sem lei, repletos de forasteiros, caçadores de recompensas e gangues. 

Patti Graves, uma guaxinim fora-da-lei, e Sierra Bloom, uma ratazana psíquica, viajam juntas pelo deserto para chegar à cidade de Zion. 

Pelo caminho, encontram gangues loucos, ruínas da humanidade e robôs controlados por Warden, um tubarão investidor, que tenta expandir o seu poder através do financiamento da Grande Companhia.

Trata-se de um western pós-apocalíptico onde o caos é uma constante.

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Ficha técnica
Toxic West
Autor: João Gil Soares
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 136, a core
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
PVP: 29,00€


sexta-feira, 16 de maio de 2025

Análise: Homem de Neandertal

Homem de Neandertal, de André Diniz - Escorpião Azul

Homem de Neandertal, de André Diniz - Escorpião Azul
Homem de Neandertal, de André Diniz

Foi no passado LouriBD, o festival de banda desenhada da Lourinhã, que a editora Escorpião Azul apresentou a sua nova aposta: o lançamento de Homem de Neandertal, de André Diniz, o qual ainda não havia editado nenhuma obra com esta editora, embora o seu trabalho já esteja bem disseminado por várias editoras portuguesas como a Polvo (que reúne a grande parte das obras do autor no seu catálogo), A Seita (que editou recentemente Muzinga) e a Levoir (que editou O Idiota).

Homem de Neandertal é uma obra já com mais de 10 anos mas que, lamentavelmente, permanecia inédita em Portugal. E é um trabalho que tem duas particularidades curiosas: a primeira é que, à semelhança de O Idiota, é uma banda desenhada muda, sem recurso a quaisquer legendas ou balões de fala; e a segunda é que é um trabalho a cores, com as mesmas a serem asseguradas por Marcela Mannheimer.

Homem de Neandertal, de André Diniz - Escorpião Azul
A história coloca-nos no encalço de um Neandertal que, além de ter que enfrentar os expectáveis desafios que a natureza lhe impõe, a si e à sua espécie, se sente atordoado quando, de um momento para o outro, encontra algo que até então lhe era estranho: a arte rupestre criada por humanos. Quase que esta singela frase é suficiente para contar de forma sucinta tudo o que acontece neste Homem de Neandertal.

Todavia, isso não quererá dizer - de todo! - que os pressupostos da obra se findam por aí. Ao invés, é bastante profunda a reflexão que Homem de Neandertal nos propõe fazer. A criação da consciência artística, a necessidade de afirmação por via de uma expressão artística, o contacto com outras espécies e a finitude da nossa vida são noções e reflexões que a leitura desta banda desenhada sem textos nos desafia a fazer. 

É que o protagonista, ao tentar expressar-se artisticamente, acaba por ter de enfrentar obstáculos internos e externos, fazendo-nos refletir sobre o papel do talento, da dedicação e da influência cultural na realização artística.

Ao observar a arte rupestre criada pelos Homo sapiens, o protagonista desperta para algo novo: a capacidade de imaginar, representar e criar. A arte, aqui, é mais do que um adorno ou passatempo; é um elemento de transformação profunda. E é, portanto, notável como André Diniz representa a arte como um catalisador de consciência, sugerindo até que o contacto com o símbolo e a imagem pode ter sido um ponto de viragem na história evolutiva.

Homem de Neandertal, de André Diniz - Escorpião Azul
Este impacto profundo da arte rupestre no protagonista revela um dos eixos centrais da narrativa: a arte como elemento de humanização. É legítimo interpretar esta obra como uma verdadeira carta de amor à expressão artística e visual - uma homenagem àquilo que, mais do que qualquer ferramenta ou estrutura social, nos separa de todas as outras criaturas que habit(ar)am o planeta. A capacidade de representar, de imaginar e de deixar marcas intencionais no mundo é apresentada como o momento em que deixamos de ser apenas mais um animal e nos tornamos humanos.

André Diniz, com uma história silenciosa mas profundamente eloquente, propõe, pois, uma reflexão não apenas sobre a origem da arte, mas sobre o que significa ser humano. Homem de Neandertal é, portanto, um trabalho sensível, original e visualmente memorável, que convida à contemplação e reafirma o poder da arte como essência da nossa humanidade.

O trabalho de André Diniz revela-se notável nesse cômputo, com os desenhos a não precisarem de texto para conseguirem contar uma história e lançarem um tema para o debate. A narrativa visual é clara e expressiva, permitindo que o leitor compreenda os gestos, as emoções e os conflitos internos do protagonista sem a necessidade de palavras. 

Homem de Neandertal, de André Diniz - Escorpião Azul
A ausência de texto acaba por dar ainda mais ênfase ao traço geométrico e diferenciado de Diniz, que neste livro opta por um trabalho a cores — uma escolha que beneficia significativamente a narrativa. A utilização da cor torna a arte mais perceptível, clara e emocionalmente envolvente, ampliando a acessibilidade do livro e permitindo que atinja um público mais vasto. As cores não só guiam o olhar, como também transmitem atmosfera, emoções e contrastes culturais de forma subtil mas eficaz.

A edição da Escorpião Azul está bastante agradável e faz jus à obra. Foi da boca do próprio autor que, no último LouriBD, fiquei a saber que André Diniz não tinha ficado particularmente satisfeito com a primeira edição desta obra por uma editora brasileira. Mas, no caso da edição da Escorpião Azul, o trabalho está bem feito. O livro apresenta capa mole com badanas, com detalhes a verniz, bom papel  baço no interior e um prefácio do próprio autor. Conta também com as já habituais margens das páginas coloridas - desta vez com a cor verde - que dão singularidade e um aspeto bonito aos livros.

Em suma, estamos perante um silencioso mas igualmente ruidoso trabalho de André Diniz que nos relembra que talvez a única coisa que verdadeiramente deixamos após a nossa vida — além da nossa descendência biológica — seja a nossa criação artística. São as nossas criações, sejam elas quais forem, que deixam vestígios da imaginação e da expressão humanas, que atravessam o tempo e permanecem como legado. É essa arte que fala por nós quando já cá não estivermos. E André Diniz, ao contar essa história sem palavras, homenageia precisamente essa herança silenciosa mas eterna.


NOTA FINAL (1/10):
8.5



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Homem de Neandertal, de André Diniz - Escorpião Azul

Ficha técnica
Homem de Neandertal
Autor: André Diniz
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 104, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Fevereiro de 2025

quarta-feira, 2 de abril de 2025

Escorpião Azul lança BD inédita de André Diniz!


A editora Escorpião Azul lançou, durante o LouriBD, a sua mais recente aposta que dá pelo nome de Homem de Neandertal e que é da autoria de André Diniz.

O autor luso-brasileiro, cuja maior parte da sua obra foi editada em Portugal pela Polvo - com exceções aos livros O Idiota (Levoir) e o recente Muzinga (A Seita) -, vê agora a Escorpião Azul a juntar-se ao já largo conjunto de editoras portuguesas que apostam no seu trabalho.

Este Homem de Neandertal tem a particularidade de ser um trabalho a cores - o que é raro nos livros de André Diniz - e de, além disso, ser um livro mudo, sem falas.

Pude folheá-lo durante o LouriBD e posso dizer-vos que considerei bastante apelativo o trabalho visual do autor.

Mais abaixo, deixo-vos com a sinopse da obra e com algumas imagens promocionais.

Homem de Neandertal, de André Diniz

Neste livro, André Diniz conduz o leitor a um intrigante mergulho no passado, onde a luta pela sobrevivência e os primeiros indícios de humanidade se entrelaçam. 

A história acompanha um Neandertal que, além de enfrentar diversos desafios impostos pela natureza e pela convivência em grupo, é arrebatado por algo inesperado: a arte rupestre criada por humanos.

Encantado e curioso por aqueles desenhos nas cavernas, tenta decifrar o que significam aqueles rabiscos que tanto o fascinam. A busca por respostas leva-o a reflectir sobre a sua existência, a sua relação com o mundo em redor e o que diferencia a sua espécie da dos humanos.
Esta obra, não retrata apenas a pré-história, mas também convida o leitor a reflectir sobre a origem da arte, a origem da comunicação e a origem do próprio espírito humano. É uma história visual que revela o elo entre o passado remoto e as questões intemporais da humanidade.


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Ficha técnica
Homem de Neandertal
Autor: André Diniz
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 104, a cores
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
PVP: 26,00€



segunda-feira, 10 de março de 2025

Análise: A Língua do Diabo

A Língua do Diabo, de Andrea Ferraris - Escorpião Azul

A Língua do Diabo, de Andrea Ferraris - Escorpião Azul
A Língua do Diabo, de Andrea Ferraris

Como não há uma sem duas, nem duas sem três, a Escorpião Azul editou recentemente o seu terceiro livro do autor italiano Andrea Ferraris, intitulado A Língua do Diabo, já depois de nos ter brindado com as edições das obras ChurubuscoA Cicatriz - Na Fronteira entre o México e os Estados Unidos

E se esses dois livros foram boas propostas, que recomendo, posso dizer-vos que este A Língua do Diabo é, a meu ver, a melhor das três obras, ao apresentar uma narrativa gráfica envolvente e profundamente reflexiva, com personagens impactantes e com um facto histórico não muito explorado que foi o aparecimento da Ilha Ferdinandea, um território efémero que emergiu no Mediterrâneo em 1831, perto da costa da Sicília, e rapidamente se tornou um símbolo de ambição e disputa entre várias nações. Através de uma abordagem visual impressionante e uma narrativa histórica envolvente, Ferraris explora as tensões geopolíticas da época, o desejo humano pela conquista e a própria efemeridade da existência.

A Língua do Diabo, de Andrea Ferraris - Escorpião Azul
A história gira em torno da súbita aparição da ilha devido a atividade vulcânica submarina e do frenesim que isso gerou entre potências como a Grã-Bretanha, a França, a Espanha e a própria Itália. Cada uma dessas nações tentou reivindicar o território, vendo nele uma oportunidade geoestratégica em pleno Mar Mediterrâneo. No entanto, antes que qualquer disputa pudesse ser resolvida de forma definitiva, a ilha desapareceu novamente sob as águas, apagando temporariamente a possibilidade de posse e domínio. Hoje em dia, a ilha ainda lá está, mas encontra-se submersa a 6 metros de profundidade. Tudo isto são factos verídicos.

Em A Língua do Diabo, acompanhamos os irmãos Salvatore e Vincenzo, órfãos, que vivem da pesca e do trabalho no campo. Entretanto, Salvatore está apaixonado por uma mulher da aldeia, que lhe é prontamente vedada pelo proeminente pai da mesma. São os dois irmãos que, num dia de faina, em pleno mar alto, assistem ao fenómeno natural de um vulcão a surgir do mar em plena atividade. E é a partir dessa matéria expelida pelo vulcão que se forma a tal ilha. Salvatore é o primeiro a colocar os pés na ilha e está convencido de que, por esse motivo, é o legítimo proprietário daquele novo território. Mas, claro, as coisas não se lhe apresentam fáceis, pois são vários os Governos que querem tomar posse daquela pequena ilha localizada num ponto tão estratégico do Mar Mediterrâneo.

A narrativa não se limita a um relato histórico, mas também introduz reflexões sobre o significado das fronteiras, a fragilidade das ambições humanas e a forma como a história é moldada pelos vencedores. A Ilha Ferdinandea torna-se uma metáfora para os conflitos geopolíticos que continuam a ocorrer até hoje, onde territórios são disputados com base em interesses estratégicos e nacionalistas, muitas vezes sem consideração pelas forças naturais ou pelos povos locais.

A Língua do Diabo, de Andrea Ferraris - Escorpião Azul
Outro ponto interessante do livro é a forma como Ferraris dá vida às personagens envolvidas na disputa, desde cientistas que estudavam o fenómeno vulcânico até aos líderes políticos que viam na ilha uma oportunidade de expansão territorial. A maneira como cada nação tentou legitimar a sua reivindicação sobre a ilha – com bandeiras fincadas, declarações oficiais e até tentativas de nomeação – revela o absurdo da corrida pelo domínio de um pedaço de terra instável e condenado ao desaparecimento. O livro destaca, pois, a ironia de uma disputa tão intensa por algo que, no fim, não poderia ser retido, servindo como uma metáfora para outras situações em que o ser humano tenta controlar aquilo que está além do seu alcance. O argumento é tão interessante e dá tanto "pano para mangas" que confesso que gostaria de ver um filme sobre este tema.

Visualmente, Ferraris mantém-se fiel ao seu estilo sombrio e expressivo, utilizando tons de cinza a carvão e traços fortes e confiantes, de forma a recriar a atmosfera misteriosa e contemplativa da história. A vastidão do mar e o isolamento da ilha são retratados com um detalhe quase hipnótico, transmitindo ao leitor a sensação de efemeridade e insignificância humana diante das forças naturais. O estilo de desenho é semelhante ao que o autor já nos deu em Churubusco, mas apresenta-se ainda mais evocativo e contemplativo, talvez devido à presença de elementos naturais, como a ilha, o vulcão ou o mar, que tornam poéticos muitos dos desenhos do autor.

A edição da Escorpião Azul apresenta-se em capa mole baça com badanas e com bom papel baço no miolo. A extremidade das páginas volta a ser pontilhada por uma cor - desta vez, o preto - que oferece originalidade e requinte à edição. A encadernação e impressão estão bem feitas e o livro apresenta como extra um prefácio da autoria de Rui Cartaxo e duas páginas com breves informações adicionais sobre o facto histórico que originou a existência da Ilha Ferdinandea.

Em jeito de conclusão, há que dizer que, em A Língua do Diabo, Andrea Ferraris tem o mérito de nos transportar para um episódio esquecido, mas altamente simbólico, da história europeia. Esta é uma obra que merece ser lida tanto pelo seu valor artístico, quanto pela sua capacidade de provocar reflexões sobre a relação entre o homem, a terra e o tempo. Um belo livro que recomendo vivamente.


NOTA FINAL (1/10):
9.0




Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020




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A Língua do Diabo, de Andrea Ferraris - Escorpião Azul

Ficha técnica
A Língua do Diabo
Autor: Andrea Ferraris
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 232, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Outubro de 2024

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Análise: O Atendimento Geral

O Atendimento Geral, de Paulo J. Mendes - Escorpião Azul

O Atendimento Geral, de Paulo J. Mendes - Escorpião Azul
O Atendimento Geral, de Paulo J. Mendes

Depois de Paulo J. Mendes ter sido o vencedor dos Prémios de Banda Desenhada do Amadora BD no ano passado pela sua (fantástica) obra Elviro, todos os olhos estavam postos no seu trabalho seguinte. Esse livro seguinte dá pelo nome de O Atendimento Geral, tendo sido recentemente lançado no Amadora BD e, mais uma vez, Paulo J. Mendes volta a dar-nos um livro especial e uma das melhores bandas desenhadas portuguesas lançadas em 2024.

O seu irresistível humor assente no absurdo e numa portugalidade muito própria - com a qual todos nos podemos identificar - mantém-se em boa forma neste terceiro livro. O Atendimento Geral é uma obra que não terá o fator surpresa de um O Penteador, que surpreendeu tudo e todos, nem a força de um Elviro que, sendo superior ao primeiro livro do autor português, acabou por chegar a mais gente e, por conseguinte, servir de cartão de visita para muitos (novos) leitores. Por esse motivo, talvez, como escrevia, este O Atendimento Geral não surpreenda tanto, concedo. Mas considerar a obra como "mais do mesmo" seria injusto, até porque há aqui muitas coisas que são diferentes e bem-vindas.

O método de construir uma história absurda onde as situações normais e as situações inusitadas se misturam num casamento perfeito mantém-se presente, tal como presente também está mais um rol de personagens icónicas e divertidas a quem é difícil resistir. Essa é a parte basilar na obra de Paulo J. Mendes e, portanto, volta a estar presente. Todavia, a história é diferente das duas anteriores e até pisca o olho a uma maior sátira social do que nos supramencionados livros O Penteador e Elviro.

O Atendimento Geral, de Paulo J. Mendes - Escorpião Azul
Em termos de enredo, em O Atendimento Geral acompanhamos a vida de Lombinhos, um tímido escriturário que vê a sua vida dar uma grande volta quando é encarregado de ser o responsável pela abertura de uma sucursal da empresa "O Atendimento Geral" numa pequena localidade do interior lusitano. Que, curiosamente, é a exata vila em que, quando em criança, o autor passava as suas férias numa quinta da sua tia, entretanto às portas da morte.

Mais de três décadas depois dessas belas memórias estivais juvenis, Lombinhos perdeu naturalmente o laço com esta terra pequena e fechada. No entanto, a sua ida forçada para esta vila fá-lo voltar ao contacto com amigos da juventude. Entre eles, o seu melhor amigo que, entretanto, se casou com o amor da sua juventude e que, no tempo presente, parece ser o arqui-inimigo e total oposto de Lombinhos. Se as duas personagens eram próximas e amigas na juventude, na idade madura, encontram-se em extremos.

Enquanto o protagonista volta a familiarizar-se com esta pequena vila, mudando o seu preconceito inicial perante a mesma, o leitor vê-se embriagado nas peculiares personalidades de cada um dos habitantes locais. Isto é um livro de banda desenhada, mas as suas ricas e irresistíveis personagens, davam para fazer inúmeras temporadas, caso esta história fosse uma telenovela ou uma série de televisão.

Com efeito, as histórias de Paulo J. Mendes conseguem aquela dualidade - que adoro! - entre parecerem, à primeira vista, completamente "normais", até mesmo com alguma mundanidade, mas depois mostrarem-se carregadas de cenas absurdas e inusitadas que nos fazem rir e nos agarram completamente ao enredo. Também podemos, admito, ver a coisa de uma forma diametralmente oposta: as histórias são de chorar a rir e depois aparecem disfarçadas de histórias sérias e credíveis. Mas bem, seja como for, histórias sérias carregadas de momentos cómicos ou histórias ridículas carregadas de momentos sérios, o que é certo é que as histórias funcionam bem e têm uma singularidade muito própria. Consequentemente, é justo de afirmar que Paulo J. Mendes não precisou de muitos livros para nos possibilitar o seu estilo próprio de autor, o seu signature style. Em apenas três obras, já fica claro o modo singular como o autor nos dá banda desenhada., parecendo um casamento feliz entre o bom humor dos velhos filmes de cinema português, que tinham António Silva, Ribeirinho ou Vasco Santana como nomes maiores, e o non sense e o caricato dos Monty Python. Funciona na perfeição!

Neste livro em concreto, Paulo J. Mendes tece críticas um pouco mais aguçadas - mas sem serem demasiadamente inflamadas - à sociedade atual nas suas mais diversas variantes. É impossível lermos este livro sem notarmos que, de página para página, Paulo J. Mendes está a espelhar, mesmo que de forma exagerada ou inversa, as idiossincrasias que temos enquanto espécie humana, de modo geral, e enquanto povo português, de modo particular.

É verdade que, por vezes, há algum texto em demasia nos balões que retiram alguma da legibilidade da narrativa ou que certos temas acabem repetidos de uma forma algo exagerada - embora eu também compreenda que isso faz parte do registo humorístico do autor. Mesmo assim, são pequenas "queixas" minhas para uma obra que tanto prazer me deu ler.

O Atendimento Geral, de Paulo J. Mendes - Escorpião Azul
Em termos de ilustração, os apreciadores do trabalho de Paulo J. Mendes continuarão satisfeitos com o trabalho que o autor nos oferece neste O Atendimento Geral. As personagens apresentam uma bela expressividade "cartoonesca" e, em termos cénicos, o autor oferece-nos desenhos um pouco mais realistas, o que dá uma boa junção. Mesmo assim, a história não permite que o autor nos conceda tantos cenários de rua ou paisagísticos como eu desejaria até porque, quando isso acontece, a componente visual da obra sai beneficiada.

Desta vez, as ilustrações de Paulo J. Mendes são num preto e branco puro, sem espaço para tons a cinza. Ainda que eu tenha preferido as belíssimas cores com que o autor nos brindou em Elviro, tenho que reconhecer que este registo a preto e branco puro também funciona bem para o estilo de ilustração de Paulo J. Mendes e, mesmo ficando aquém de Elviro, suplanta em muito a componente visual de O Penteador que tinha tons a cinza que, quanto a mim, não resultaram tão bem.

A edição da Escorpião Azul volta a seguir as diretrizes do recente (e aprovado) cânone editorial já por nós conhecido: o livro tem capa mole baça, com badanas, bom papel baço no miolo e boa impressão e encadernação. No início surge-nos um prefácio, bem-vindo, de Pedro Cleto. O livro apresenta ainda um generoso dossier de extras de 8 páginas, onde podemos ver esboços de personagens e de planificação, bem como estudos para a capa da obra. E, como detalhe, o livro volta a apresentar as margens laterais coloridas por uma cor própria - nesta caso, a cor castanha - o que dá personalidade e singularidade à edição.

Em suma, O Atendimento Geral não desilude e reafirma Paulo J. Mendes como um dos autores mais impactantes da atualidade bedéfila em Portugal. É fácil mergulharmos numa história do autor... o difícil mesmo é termos que dizer adeus a estas personagens irresistíveis quando termina a nossa leitura. Resta-nos a sorte de poder  resolver esse "problema" voltando à primeira página e começando tudo de novo!


NOTA FINAL (1/10):
9.3


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Atendimento Geral, de Paulo J. Mendes - Escorpião Azul

Ficha técnica
O Atendimento Geral
Autor: Paulo J. Mendes
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 272, a preto e branco
Encadernação: Capa mole
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Outubro de 2024

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Análise: Muitos Anos a Virar Páginas


Muitos Anos a Virar Páginas, de Hugo Pinto

Fazer um artigo de análise a um livro escrito por mim é algo que pode parecer estranho - e é - e é mesmo por isso que, desta vez, cedo o meu papel de crítico a outras pessoas que leram o livro e quiseram dar a sua opinião, que agradeço.

Abaixo poderão encontrar, portanto, várias opiniões que fui recolhendo desde que o meu livro Muitos Anos a Virar Páginas, um livro sobre a edição de banda desenhada em Portugal, foi publicado, há uns meses, pela editora Escorpião Azul.

Logicamente, cada autor é - ou deve ser - o primeiro crítico do seu trabalho. E isso também se aplica a mim. Olhando para este meu primeiro livro, posso dizer-vos que lhe deteto vários erros e várias coisas que, se fosse hoje, teria feito - ou teria pedido que fosse feito - de forma diferente. Não obstante, também não escondo que este é um livro do qual eu me orgulho e que, mais importante que isso, eu gostaria de ler, mesmo que tivesse sido escrito por outra pessoa, pois ganha-se muita informação através das dez entrevistas que aqui estão presentes.

Mas, bem, chega de ser eu a falar sobre o meu livro. Dou agora a palavra a algumas individualidades relevantes da banda desenhada em Portugal, às quais agradeço, e deixo a porta aberta a leitores e amigos que queiram contribuir para este artigo com a sua opinião sobre o livro Muitos Anos a Virar Páginas. Se me enviarem as vossas opiniões, não terei problemas em partilhá-las por aqui. Fica feito o convite.

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"Escrito a propósito da comemoração dos 10 anos da existência da editora Escorpião Azul, Muitos Anos a Virar Páginas reúne entrevistas realizadas por Hugo Pinto a vários editores de banda desenhada em Portugal, dando espaço para que estes falem do mercado, da editora e da sua perspectiva de edição. É, por isso, um daqueles livros de aquisição obrigatória para quem gosta de banda desenhada e pretende perceber um pouco mais da vertente de edição. (...) De editor em editor, Hugo Pinto vai prosseguindo numa linha condutora semelhante, que se adapta a cada um dos entrevistados, de acordo com a abertura ou com as pistas que cada um lhe vai dando, e, desta forma, revelando alguns episódios inusitados e opiniões mais controversas. Cada um dos entrevistados tem um estilo muito próprio e este transparece na evolução das entrevistas e no tipo de respostas que dão. (...) Entrevistam-se muitos autores e muitos desenhadores, mas poucos editores. Neste caso, a melhor leitura de não ficção deste ano é o livro Muitos Anos a Virar Páginas, em que Hugo Pinto reúne várias entrevistas feitas a editores de banda desenhada em Portugal." 
Cristina Alves, autora do blog Rascunhos


"Hugo Pinto tem feito um pouco de história nesta 9ª arte no nosso país. (...) São dez conversas a destapar o que é editar banda desenhada no nosso país e isso cheira desde logo a aventura (...) É um notável contributo para a história da banda desenhada portuguesa."
Luís Caetano, Jornalista e Radialista da Antena 2


"Este é mais um sinal da (tentativa de?) afirmação do mercado português de banda desenhada. Não enquanto exemplo único, mas juntando-se a outras edições não 'de' banda desenhada mas 'sobre' esta forma narrativa que têm surgido esporadicamente. (...) Entrevistas longas e ricas, entremeadas com algumas fotos e caricaturas dos editores, que vão além da actividade em si, procurando perceber, no seu passado, nos seus hábitos de leitura, na sua formação, em quem são, a razão porque editam e porque editam o que editam. (...) Se senti no livro a ausência - por razões que desconheço - de alguém da ASA, da Devir e da G. Floy, que alargariam o leque e as perspectivas, a verdade é que Hugo Pinto consegue dar-nos um retrato abrangente do momento actual da edição da BD no nosso país e, mais do que isso, tornar mais 'reais' e 'humanas' as pessoas que estão por detrás dos livros cuja leitura tanto prazer nos dá".
Pedro Cleto, jornalista e autor do blog As Leituras do Pedro


"Um belo LIVRO DE ENTREVISTAS COM EDITORES DE BD EM PORTUGAL, que recomendo vivamente a quem quer saber um pouco mais o que distingue os catálogos das nossas diferentes editoras, as suas histórias, as diferentes maneiras de olhar para o mercado...  Enfim...  Entrevistas nada enfadonhas, onde a voz de cada entrevistado se faz ouvir na leitura e onde nenhuma pergunta ficou por responder."
Dário Duarte AKA Derradé, autor de banda desenhada e um dos autores das dez ilustrações presentes no livro


"Um documento importante para perceber as diferentes perspectivas editoriais, logo pessoais, de quem publica BD em Portugal e sofre com os constrangimentos de um nicho de mercado precário e flutuante.
'Tá bacano. Até comprava, mas ofereceram-me um."
Mário Freitas, editor, autor, livreiro da Kingpin Books e um dos entrevistados no livro


"Com uma capacidade incrível para pôr à vontade os entrevistados, com a boa disposição que estes responderam ao desafio, o Hugo conseguiu levar-me a ouvir as vozes destas pessoas, com todos os seus trejeitos e maneirismos, e até mesmo visualizar mentalmente as posições físicas e posturas que estas iam adotando ao longo das entrevistas. Foi com muita curiosidade que me embrenhei no livro e surpreendi-me. Não estava à espera de aprender tanto, de ficar a conhecer melhor uma série de pessoas com quem lido muitas vezes e de perceber muitos dos meandros da edição de Banda Desenhada neste nosso retângulo com vista para o Atlântico. Parabéns, Hugo Pinto e Escorpião Azul, por me terem proporcionado algumas horas de prazer de leitura!"
Maria João Nunes, Livreira da Cult.


"Dentro de 20, 30 anos, num futuro mais ou menos próximo, quando qualquer investigador quiser estudar a Banda Desenhada em Portugal no primeiro quartel do século XXI, uma referência fundamental será “Muito anos a virar páginas”. Incontornável para entender a explosão da Banda Desenhada na 2ª década do século, mesmo com as óbvias lacunas de Marcos Farrajota (Chili com Carne), Luís Saraiva (ASA) e da Devir."
Rui Cartaxo, Especialista em Banda Desenhada


"Entrevistas cheias de pormenores sobres os bastidores da edição de BD em Portugal com algumas picardias pelo meio e também muitas frases que são ótimas para retirar do contexto."
Rui Alves de Sousa, Radialista da Antena 1 e autor do programa Pranchas e Balões


"Estranhamente, foi uma agradável surpresa. E porquê estranhamente? Normalmente, não aprecio muito livros biográficos ou de entrevista e também não acho a capa apelativa (...) Revelou-se uma leitura muito interessante. Talvez por conhecer minimamente, a maior parte dos entrevistados e considerá-los amigos, senti que estavam a conversar comigo, aqui ao meu lado. Consegui confirmar algumas opiniões sobre a postura de cada um face à BD e ao mesmo tempo ler nas entrelinhas. Sinto que fiquei a saber mais sobre o mundo da edição e sobre as personalidades dos entrevistados, e gostei."
Luísa Louro, esposa e agente de Luís Louro, autor de banda desenhada




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Ficha técnica
Muitos Anos a Virar Páginas
Autor: Hugo Pinto, a partir das entrevistas feitas a Jorge Deodato e Sharon Mendes (Escorpião Azul), Rui Brito (Polvo), Mário Freitas (Kingpin Books), José Hartvig de Freitas (A Seita), Bruno Caetano (Comic Heart), Ricardo M. Pereira (Ala dos Livros), Silvia Reig (Levoir), João Miguel Lameiras (A Seita), Vanda Rodrigues (Arte de Autor) e Guilherme Valente (Gradiva)
Ilustrações de: Paulo J. Mendes, Derradé, Rita Alfaiate, Pepedelrey, Inês Garcia, Luís Louro, João Gordinho, Ricardo Santo, Álvaro e João Amaral.
Prefácio: Maria José Magalhães
Capa: Sharon Mendes
Editora: Escorpião Azul
Páginas: 256, a preto e branco
Encadernação: Capa mole, com badanas
Formato: 17 x 24 cm
Lançamento: Março de 2024