Por motivos de formação académica, as antologias de banda desenhada remetem-me sempre para as Noites da Publicidade, uns eventos que, há uns anos pululavam por Lisboa, onde eram transmitidas, durante toda a noite, maratonas de publicidade. O que era interessante nestes eventos é que os presentes iam sendo brindados com um sem-número de spots publicitários. Uns eram brilhantes, outros eram medíocres, outros seguiam uma escola, outros seguiam outro género. Mas o que era mais interessante, diria, era esse guisado, esse misto de tantas e diversas formas de produzir um spot publicitário.
E isto também é claramente sentido nos festivais de cinema. E se estivermos a falar de festivais de curtas metragens, talvez o paralelismo com as antologias de banda desenhada ainda seja mais imediato. É que, tal como nesses festivais de curtas-metragens - em que vamos sendo presenteados com pequenas histórias que se sucedem umas às outras, apresentando diversos estilos e formas - também nas antologias de banda desenhada o pressuposto é mesmo esse: são-nos dados pequenos ensaios, pequenas tentativas, pequenos exercícios, dos mais variados estilos e géneros, para banda desenhada. Algumas histórias têm autores consagrados, outras têm autores desconhecidos. Umas apresentam um produto final que, ao nível do objeto-físico e da qualidade gráfico-narrativa, é absolutamente profissional, enquanto outras há que se revelam amadoras nesses mesmos parametros. Tudo é válido e bem.vindo, diria!
Bem, mas serve toda esta introdução para vos falar, de forma conjunta e compacta, de cinco antologias que li nos últimos dias e que merecem, quanto a mim, uma breve menção e análise aqui no Vinheta 2020.
Ora vejam:
BD Bordalo - Antologia de Banda Desenhada do Curso no Museu Bordalo Pinheiro
Eis um lançamento que me agradou especialmente e a vários níveis. A iniciativa para este lançamento adveio do próprio Curso de Banda Desenhada lecionado no Museu Bordalo Pinheiro que tem a pertinência de reunir em livro - com um belo trabalho a nível da edição, refira-se - as histórias e os projetos que foram sendo desenvolvidos pelos participantes no curso. O resultado da leitura acaba por ser deveras interessante por permitir ao leitor navegar ao sabor da corrente que cada autor foi tomando. É um belo exercício de leitura para se fazer ao longo das histórias criadas por oito autores que compõem esta edição. Participam alguns autores já bastante conhecidos, mas também há outros que, pelo menos para mim, eram desconhecidos. Mas que deixaram uma boa primeira impressão: falo, por exemplo, da história Rain Maker, de Luís Gama. Ou da história O Rei Morto, do autor brasileiro Marcius Assis. Destaco ainda as participações de Patrícia Furtado (Eu e a Minha Amiga Sónia), Francisco Lança (A Casa e A Chave) e Yuri Borgen (Falling Without Kneepads). Sendo sincero, todas as histórias me agradaram.
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Outras Bandas #9
Da autoria do produtivo Coletivo Tágide, este é o mais recente lançamento da sua revista de histórias Outras Bandas. Inclui sete histórias curtas, todas bastante diferentes entre si, ao nível do tipo de ilustração e da própria história. Gostei especialmente da bem conseguida e divertida história A Câmara, de Yves Darbos, e da elegante história Vinhedos, de António Cunha e José Macedo Bandeira. Luar Fatal, de Henrique Gandum, mesmo sendo bastante curta, também me causou uma bela impressão. E, claro, Longa Vida, de Daniel Maia, dificilmente deixa alguém indiferente com tão bonitos desenhos. Admitindo que o nível de qualidade das várias histórias é bastante irregular, tenho que dizer que nutro bastante carinho, não só pelo Coletivo Tágide, como pelo seu projeto Outras Bandas.
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Legendary Horror Stories
Esta é uma antologia que reúne histórias de terror feitas por alguns autores já sobejamente conhecidos da nossa praça. A ideia e concepção para esta iniciativa, lançada em 2019, veio da Legendary Books, a livraria de banda desenhada que, lamentavelmente, fechou portas na zona do bairro de Alvalade, em Lisboa. As quatro histórias que compõem esta compilação têm em comum o tema do horror e os autores que nela participam são André Oliveira, Pedro Cruz, Aragundes Bicho, Anouk Aukine, Nuno Duarte, Rita Alfaiate, Tiago Cruz e Inês Garcia. A belíssima ilustração da capa é da autoria de Jorge Coelho. As quatro histórias resultam como propostas bastante interessantes. Destaca-se, quanto a mim, Nós, a história de Nuno Duarte e Rita Alfaiate, onde texto e imagem se conjugam na perfeição para nos darem uma breve, mas impactante história. O fanzine é dedicado ao saudoso Geraldes Lino, incluindo na contracapa uma ilustração do mesmo, da autoria de Juan Cavia.
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Terminal - Edição Especial 25 Anos
O fanzine que nasceu pelas mãos do Terminal Studios, celebrou em 2023 os seus 25 anos de existência e, nessa senda, lançou uma edição especial dedicada a este belo feito, que contou com a colaboração de 49 autores, nomeadamente Ana Lu, Alexandra Pratas, Alex Blotevogel, Alice Magalhães, Andreia Rechena, Bruno Boto da Cruz, Carlos Rocha, Daniel Maia, Diogo Carvalho, Filipe Coelho, Guifo, Hugo Vieira da Silva, Inês Alecrim, Inocência Dias, Joana Dias, João Mascarenhas, João Pinto, Jorge Oliveira, José Carlos Fernandes, Luci, Luís Guerreiro, Marco Fraga da Silva, Maria João Levita, Markus, Marta Castro, Martina Meier, Miguel Saial, Nuno Beato, Nuno Murta, Oli Gfeller, Paulo d’Alva, Paulo José Martins, Paulo Monteiro, Paulo Montes, Paulo Silva, Paulo Viegas, Phermad, Rafael Antunes, Ruben Botelho, Rui Alex, Sara Glória, Serafim, Suse, Teresa Câmara Pestana,, Tiago da Silva, Vitor Hugo Rocha, Wittek e Xavier Almeida. Alguns nomes são bem conhecidos, outros, nem por isso. E talvez seja essa mesma característica que torna a experiência mais gratificante. Não tendo qualquer fio condutor entre histórias, acabamos por encontrar melhores e piores trabalhos ao longo do fanzine. Entre as várias histórias, destaco a da autoria de Paulo Montes, a de Marco Fraga da Silva e Rafael Antunes, a de João Mascarenhas e a de Wittek. Merecem ainda destaque as belíssimas ilustrações de Diogo Carvalho, Daniel Maia, Tiago da Silva ou Ruben Botelho. Curiosamente, a edição também é dedicada a Geraldes Lino.
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Umbra #4
Sem qualquer pingo de desprimor para todas as outras antologias presentes (ou não) neste artigo, Umbra assume-se, quanto a mim, como o "peso pesado" das antologias de banda desenhada em Portugal. Já agora, ao mesmo nível coloco a antologia Ditirambos que, lamentavelmente, não teve nenhum número lançado este ano, mas que, espero eu, há-de voltar num futuro próximo. Considero, portanto, os projetos Umbra e Ditirambos, os Ferrari e Porsche das antologias de BD que por cá são lançadas. Mas centrando-me no projeto Umbra, posso dizer que o seu output criativo é bastante profissional e que a sensação com que ficamos quando lemos um dos quatro livros, não é tanto a de um fanzine, em que não sabemos o que vamos encontrar na página seguinte, mas sima de um álbum de BD mais maduro e experiente. Com provas dadas. É claro que isto não quer dizer que não haja espaço para que o leitor se surpreenda com Umbra. Na verdade, isso acontece. As várias histórias que constam no quarto volume do projeto - que resultou de uma campanha de crowdfunding bem-sucedida - são todas elas diferentes e da autoria de nomes tão conhecidos e respeitados da 9ª arte portuguesa, como Filipe Abranches (que também é mentor do projeto), André Oliveira, Rita Alfaiate, Pedro Moura ou Marco Gomes. E o projeto Umbra, e em particular este quarto volume, não conta apenas com autores nacionais, já que também participam os autores Simon Roy, James Romberger e Réza Benhadj. A história deste último, intitulada Caranguejo Real - O Detective Paranormal Francês, muito me surpreendeu pela sua originalidade e grafismo onde ficam claras as influências de Frank Miller. Mas tirando esta história de Réza Benhadj, até foram as três histórias nacionais que mais me impressionaram. Em especial a bela reflexão que André Oliveira e Rita Alfaiate nos oferecem em Nic, ou a sensação de urgência claustrofóbica com que Pedro Moura e Marco Gomes nos brindam em As Brasas e a Lenha. Este é um belíssimo projeto, do qual sou manifesto fã.
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