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quinta-feira, 10 de abril de 2025

Análise: O Tempo do Cão

O Tempo do Cão, de Ondjaki e António Jorge Gonçalves - Editorial Caminho

O Tempo do Cão, de Ondjaki e António Jorge Gonçalves - Editorial Caminho
O Tempo do Cão, de Ondjaki e António Jorge Gonçalves

Foi há poucas semanas que António Jorge Gonçalves - um nome grande da banda desenhada e ilustração portuguesa, com a sua obra mais marcante, quiçá, a ser a Trilogia Filipe Seems - nos fez chegar o seu mais recente livro, intitulado O Tempo do Cão, em que faz parceria com o escritor angolano Ondjaki. 

E embora seja apresentado pela editora Caminho enquanto "novela gráfica", este pequeno livro de bolso está mais perto de ser um híbrido entre a poesia - ou a prosa poética - e a ilustração. Com alguns bons momentos, é certo, e com uma premissa com bastante potencial, o livro apresenta-se de tal forma abstrato que a sua leitura - quer na componente textual, quer na componente imagética - se torna difícil , chegando à exasperação em vários momentos.

A história até parte de um facto verídico e histórico bastante interessante. Entre as várias lutas travadas pelo célebre Che Guevara, uma delas foi no Congo, onde o revolucionário argentino ajudou os independentistas congoleses a lutarem pela sua libertação do regime opressivo que controlava as lides do país. Particularmente, rezam os relatos, quando Che Guevara esteve junto ao lago Tanganica, um cão vagabundo apareceu do nada e caiu nas boas graças de Che Guevara que prontamente o adoptou. Ora, é a partir daí, desse relacionamento entre homem e cão, que Ondkaji parte para uma narrativa curiosa e interessante, que tinha tudo para agradar a um vasto número de gente.

O Tempo do Cão, de Ondjaki e António Jorge Gonçalves - Editorial Caminho
Infelizmente, O Tempo do Cão é um livro que, tentando aventurar-se por um terreno filosófico e alegórico interessante, com a narrativa a dar voz ao discurso de Che Guevara e do cão em simultâneo, acaba por se perder na sua própria ambição. A proposta de associar a figura de Che Guevara a um cão – símbolo de fidelidade, revolução e instinto – poderia render à obra uma narrativa instigante, mas, ao longo das páginas, o que se vê é um texto que tropeça na sua própria complexidade e se torna excessivamente abstrato, sem oferecer ao leitor um fio condutor suficientemente claro. Há momentos em que a narrativa parece mais uma colagem de ideias soltas do que uma história coesa.

Com efeito, a relação entre Che Guevara e o cão, que poderia ser um dos elementos mais interessantes da obra, acaba por se diluir num texto que se recusa a estabelecer qualquer linearidade. A figura revolucionária de Che Guevara perde-se num labirinto de abstrações, tornando-se um mero conceito vago em vez de uma presença forte e significativa, que nos possibilite uma nova camada de interpretação sobre a mítica figura histórica. Está-se sempre à espera de chegar a algo grandioso que, lamentavelmente, acaba por nunca chegar.

Para tal, as ilustrações de António Jorge Gonçalves também não contribuem positivamente, diga-se em abono da verdade. Feitos com tinta branca sobre páginas de cor azul, relembrando os desenhos arcaicos a corretor que os adolescentes do meu tempo faziam nos muros da escola secundária, os desenhos do autor seguem a mesma linha do texto: um abstracionismo que, em vez de ampliar o impacto da narrativa, torna a experiência ainda mais hermética. 

O Tempo do Cão, de Ondjaki e António Jorge Gonçalves - Editorial Caminho
Há alguns momentos de beleza visual, onde as formas sugerem atmosferas oníricas e instigantes - gostei especialmente do "cão-homem" ou do "homem-cão" - mas, no geral, a escolha estilística contribui pouco para a compreensão da obra. São vários os exemplos em que não se percebe, sequer, o que representa determinada ilustração. Em vez de dialogar com o conteúdo de maneira mais clara, as imagens parecem apenas uma divagação artística, reforçando a sensação de que o livro se preocupa mais com a sua estética autoral do que com a comunicação efetiva com o leitor. É legítimo, claro(!), que um autor faça aquilo que lhe dá prazer. Mas a consequência disso - e igualmente legítima - é que a obra se torne de alcance diminuto. Como é o caso.

A falta de equilíbrio entre forma e conteúdo, ao nível do texto e, especialmente, do desenho, também prejudica a experiência de leitura. Há algumas páginas visualmente belas, com frases que poderiam ser lidas como poemas, mas que, inseridas dentro do contexto da narrativa, não contribuem para um desenvolvimento sólido da trama. O livro torna-se, pois, num exercício de estilo que não se sustenta narrativamente.

A edição da Editorial Caminho é em capa dura, com bom papel, boa impressão e encadernação. O livro apresenta um formato bastante pequeno, cabendo na palma de uma mão adulta.

Em suma, a sensação final que o livro deixa é a de um projeto que tinha potencial, mas que se perdeu na necessidade de ser excessivamente autoral. A preocupação em criar algo profundamente simbólico e filosófico acabou por se sobrepor ao prazer primitivo e etéreo da leitura. No fim das contas, O Tempo do Cão é uma obra que tenta ser mais do que consegue sustentar. A sua proposta alegórica e premissa têm força, mas a sua execução tropeça no excesso de abstração e na falta de uma estrutura envolvente. 


NOTA FINAL (1/10):
4.0


Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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O Tempo do Cão, de Ondjaki e António Jorge Gonçalves - Editorial Caminho

Ficha técnica
O Tempo do Cão
Autores: Ondjaki e António Jorge Gonçalves
Editora: Caminho
Páginas: 136, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 124 x 174 mm
Lançamento: Fevereiro de 2025

segunda-feira, 10 de março de 2025

Novo livro de António Jorge Gonçalves chega amanhã às livrarias!



Amanhã, dia 11 de Março, chega às livrarias o novo livro de António Jorge Gonçalves (autor da Trilogia de Filipe Seems, por exemplo), intitulado O Tempo do Cão, para o qual faz dupla criativa com o escritor Ondjaki, que assegura o argumento da obra.

Editada pela Caminho - uma chancela do Grupo LeYa - a obra já se encontra em pré-venda no site da editora, mas deverá estar disponível nas livrarias a partir de amanhã. Haverá ainda algumas datas para o lançamento oficial do livro que podem ser encontradas mais abaixo.

Mais abaixo, deixo-vos com a nota de imprensa da obra e com algumas imagens promocionais.
O Tempo do Cão, de Ondjaki e António Jorge Gonçalves

O Tempo do Cão é uma magnífica novela gráfica da dupla de premiados António Jorge Gonçalves (ilustração) e Ondjaki (texto) e chega às livrarias a 11 de março.

A novela gráfica para todas as idades “O Tempo do Cão” junta os consagrados António Jorge Gonçalves (ilustração) e Ondjaki (texto) e, em março, será apresentado no dia 16 (domingo), às 16h00, na Hipopómatos da Lua, no Jardim da Biblioteca Municipal de Sintra e no dia 24 (segunda-feira), às 18h30, na Livraria Arquivo, em Leiria.

«…há um lago enorme, onde, à noite, um cão adormece com saudades de um guerrilheiro.»

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Ficha técnica
O Tempo do Cão
Autores: Ondjaki e António Jorge Gonçalves
Editora: Caminho
Páginas: 136, a cores
Encadernação: Capa dura
PVP: 14,90€

terça-feira, 23 de julho de 2024

Análise: Trilogia Filipe Seems


Trilogia Filipe Seems, de António Jorge Gonçalves e Nuno Artur Silva

Foi há poucas semanas que a editora ASA reeditou a Trilogia Filipe Seems, da autoria de António Jorge Gonçalves e Nuno Artur Silva, que há muito se tinha tornado difícil de encontrar à venda em Portugal e que comemora, por estes dias, os 30 anos do lançamento do seu primeiro álbum, intitulado Ana. Pouco tempo depois, em 1994, os dois autores haveriam de nos presentear com o lançamento de A História do Tesouro Perdido e, com um interregno de alguns anos, a mesma dupla haveria de dar por encerrada esta trilogia com o lançamento do terceiro álbum, A Tribo dos Sonhos Cruzados.

Entretanto, o tempo foi passando, com esta trilogia a ser reeditada várias vezes. Uma dessas reedições até incluiu uma caixa arquivadora. Algo raro no mercado nacional. Mesmo assim, à data de 2024, a verdade é que era virtualmente impossível encontrar à venda estes livros cuja relevância para a banda desenhada nacional foi grande. Portanto, parece-me que, à semelhança do que a editora Ala dos Livros já tinha feito por altura do 25º aniversário de Alice, de Luís Louro, outra obra incontornável da banda desenhada nacional, é positivo que esta obra emblemática volte à ribalta e aos destaques nas livrarias, de forma a poder encontrar um novo público. Ou um público nostálgico.

Se estes três livros, que têm como protagonista a personagem de Filipe Seems, um detetive particular, constituíram um marco no género, é inegável que o primeiro álbum da série, Ana, foi o que mais furor causou, conquistando, logo a partir da altura em que foi lançado, as boas graças do público e da crítica, e alcançando instantemente um lugar de referência no panorama da banda desenhada nacional. 30 anos passaram desde então e esse lugar de referência permanece (e permanecerá?) inabalável.

O primeiro livro, Ana, serve para nos introduzir ao ambiente e à personagem imaginados por Nuno Artur Silva. Filipe Seems é um detetive particular de poucas palavras e de gestos carismáticos que recebe a visita de uma misteriosa mulher, Ana Lógica, que solicita os seus serviços para encontrar uma mulher brasileira igual a ela, Ana Bela, que é modelo, e que, aparentemente, não tem qualquer ligação a Ana Lógica. A trama vai depois adensando-se, tecendo uma racional - embora nem sempre clara - reflexão de cariz filosófico, onde há espaço para a abordagem ao tema da clonagem e a uma reimaginação inspirada da cidade de Lisboa, com canais e gôndolas à moda de Veneza e com um comboio a passar por debaixo do tabuleiro da ponte 25 de Abril que, na altura da publicação deste livro, ainda não existia(!).

Os temas que aqui são explorados são os da identidade, da memória e da solidão através de uma narrativa visualmente rica e emocionalmente profunda. O texto é rico e poético, e os significados ocultos mantêm o leitor à espreita do que pode retirar desta aventura. Convém dizer que, no início dos anos 1990, tal tipo de obra era bastante rara no espectro nacional.

Os desenhos de António Jorge Gonçalves combinam originalidade, força visual e um estilo de ilustração expressivo que complementa perfeitamente o tom introspectivo e emotivo do texto e embora algumas expressões, anatomia ou linguagem corporal das personagens sejam desenhadas, por vezes, de forma algo "tosca", isso também contribui para um certo expressionismo visual que se coaduna com a narrativa escrita. 

Ana é, pois, um álbum muito bem conseguido e, acima de tudo, extremamente original face a toda, repito TODA, a banda desenhada nacional. Se é muito bom e recomendável, devo admitir que A História do Tesouro Perdido, o segundo desta trilogia, é, para mim, o melhor dos três álbuns. Não tendo a originalidade de Ana, e tendo claras e assumidas influências no Corto Maltese de Hugo Pratt, é, quanto a mim, o álbum que melhor funciona, não só em termos de história, como de desenho e como de experiência de leitura. O álbum que melhor envelheceu e, até, uma das minhas bandas desenhadas portuguesas preferidas!

Neste caso, a história acompanha Filipe Seems em mais uma investigação complexa e intrincada. Aqui, o detetive privado vê-se envolvido numa busca por um misterioso tesouro, uma jornada que vai além da simples caça ao ouro ou de riquezas materiais, e que explora temas mais profundos como a verdade, a ilusão e a natureza humana. A narrativa é marcada por elementos de noir e surrealismo, criando um ambiente intrigante e muitas vezes enigmático.

Aqui, também António Jorge Gonçalves, nos dá, a meu ver, os seus melhores desenhos. A forma como as aguarelas dão cor aos seus desenhos de traço fino característico, funcionam com especial inspiração neste livro, com o seu trabalho a não ilustrar apenas a história, mas também contribuindo para a construção do ambiente e para a compreensão dos temas abordados.

Em A História do Tesouro Perdido sente-se também, por parte de ambos os autores, a introdução de elementos oníricos e simbólicos que desafiam o leitor a desvendar a trama e a refletir sobre as questões filosóficas levantadas. Mesmo assim, todo este processo é feito com algum peso e medida, doseando bem a narrativa sem que a mesma se afunde numa "viagem à maionese". Algo que, infelizmente, acontece no terceiro e último álbum da trilogia intitulado A Tribo dos Sonhos Cruzados. Aqui, a aventura de Filipe Seems mergulha numa total e profunda aventura onírica, em que somos transportados para uma realidade onde os media parecem receber destaque e crítica por parte dos autores.

Muito embora se tente, neste terceiro volume, resgatar a personagem de Ana Lógica do primeiro volume, introduzindo-a no enredo, o excesso de abstrato, quer na parte da história, quer na parte das ilustrações, acaba por ser algo claustrofóbico para o leitor. É pois, e acima de tudo, uma exercício artístico demasiadamente individualizado pelos autores que, desta feita, acabam por tornar a história num punhado de meros vislumbres de ideias soltas e aleatórias, ao invés de um relato mais concreto e de uma narrativa mais coesa. Terá a sua beleza para muitos, mas a mim não me convence tanto, reconheço. E a própria química entre os dois autores, parece bem menos forte neste livro, pois sente-se que cada um dos autores está a criar algo abstrato para si mesmo, servindo o seu gosto pessoal, em detrimento da obra em si. Não quer dizer que seja um álbum mau. Não o é, mas fica muito, muito abaixo dos que lhe antecederam. Ou então eu precisaria de consumir estupefacientes para melhor sorver este A Tribo dos Sonhos Cruzados. O que não foi o caso.

Mas, enfim, mesmo com um terceiro volume bastante "fraquinho" - quando comparado com os dois primeiros - uma coisa é certa: a personagem de Filipe Seems mudou para sempre a banda desenhada nacional, abrindo a 9ª arte a um conjunto de pessoas que não tinham como hábito a leitura de banda desenhada. Esta é uma obra que conseguiu trazer novo público para a banda desenhada nacional, o que é um feito que sempre merece todo o tipo de louvores.

Quanto à edição da ASA, se por um lado penso que estaríamos perante uma oportunidade para uma reedição dos três volumes num só volume integral e definitivo, mesmo que por um preço mais elevado - mas que, não esqueçamos na soma das partes seria menor, quer para o lado dos custos de produção, quer para o lado do custo na carteira dos leitores - por outro lado, também concedo que, dada a independência narrativa e de enredo de cada um dos volumes, que convivendo bem em conjunto, têm uma vida própria e, de certa forma, desligada uma das outras, se tenha optado por lançar os três volumes de forma isolada.

De resto, também há que assinalar que esta reedição é muito bela, com novas e bonitas capas - especialmente a de Ana - que são duras, baças e com textura nobre e agradável ao toque. No interior, o papel é ligeiramente brilhante e de excelente qualidade, sendo servido por um bom trabalho ao nível da impressão e da encadernação. Os originais foram digitalizados novamente com as mais recentes tecnologias, o texto foi revisto e algumas páginas até tiveram que ser redesenhadas devido ao desaparecimento dos originais. Tendo em conta a comemoração dos 30 anos da obra, julgo que teria sido uma mais valia a introdução de uma texto introdutório ou uma entrevista com os autores, mas, mesmo assim, não há dúvidas de que estamos perante uma bem conseguida e bela (re)edição.

Em suma, Filipe Seems foi e continua a ser uma paragem obrigatória nessa caminhada que a banda desenhada nacional tem vindo a percorrer desde os seus primórdios. E, especialmente os primeiros dois álbuns da série - o primeiro, porque revolucionou a banda desenhada nacional e o segundo, porque é uma das melhores bandas desenhadas portuguesas - são obrigatórios para quem diz apreciar banda desenhada.


NOTA FINAL (1/10):
Ana: 9.0
A História do Tesouro Perdido: 9.2
A Tribo dos Sonhos Cruzados: 6.5



Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020


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Fichas técnicas
Trilogia Filipe Seems 1 - Ana
Autores: António Jorge Gonçalves e Nuno Artur Silva
Editora: ASA
Páginas: 64, a cores
Formato: 244 x 326 mm
Lançamento: Maio de 2024


Trilogia Filipe Seems 2 - A História do Tesouro Perdido
Autores: António Jorge Gonçalves e Nuno Artur Silva
Editora: ASA
Páginas: 64, a cores
Formato: 244 x 326 mm
Lançamento: Maio de 2024


Trilogia Filipe Seems 3 - A Tribo dos Sonhos Cruzados
Autores: António Jorge Gonçalves e Nuno Artur Silva
Editora: ASA
Páginas: 64, a cores
Formato: 244 x 326 mm
Lançamento: Maio de 2024