A seca foi grande, mas parece ter chegado ao fim! Passaram mais de dois anos sem que fossem publicados comics americanos de super-heróis em Portugal. O último livro havia sido Joker - Sorriso Mortal, em 2022, pela Levoir, e, desde então, os leitores portugueses de banda desenhada ficaram sem acesso a BD de super-heróis editada em português de Portugal.
Entretanto, os direitos de publicação da DC Comics passaram das mãos da Levoir para as mãos da Devir e é na primeira metade de 2025 que nos chega, para já, o primeiro livro por esta editora: Batman - Três Jokers, da autoria de Geoff Johns, Jason Fabok, Brad Anderson. E que belo começo para a Devir!
Este era um livro há muito aguardado por mim, não só por ter sido uma obra que ecoou bastante aquando do seu lançamento original em 2020, como também por nos apresentar uma das histórias mais intrigantes e impactantes do Homem-Morcego nos últimos anos. Com argumento de Geoff Johns, Batman - Três Jokers propõe-se responder a uma das questões mais instigantes do universo de Batman: "Afinal, quantos Jokers existem realmente?". Ora, como o próprio nome da obra assim faz crer, existem três Jokers: o "comediante", o "palhaço" e o "criminoso", com cada um deles a representar, claro está, um arquétipo da personagem ao longo das décadas. Mas será que as coisas são assim tão simples? Ficará ao critério do leitor descobri-lo.
A trama desenrola-se a partir do momento em que Batman - que nesta história é acompanhado por Batgirl e Red Hood, AKA Jason Todd, antigo Robin - descobre que há três Jokers diferentes a operar simultaneamente em Gotham City. Será que algum deles é uma cópia do maior vilão de sempre ou tratam-se de versões da mesma pessoa? Cópias baratas feitas por admiradores? Uma coisa é certa: todos eles representam diferentes facetas do Príncipe Palhaço do Crime, o que permite explorar, quase em tom de hommage, as diferentes versões de Joker ao longo dos anos, remetendo o leitor para as suas diversas interpretações, não só na banda desenhada, como no cinema, na televisão ou nos videojogos.
Apreciei especialmente a forma como a trama lida com o impacto emocional do Joker sobre os seus maiores inimigos. Jason Todd talvez seja o mais afetado, pois um dos Jokers que marca presença neste livro é aquele que o torturou e matou na clássica história A Death in the Family. O trauma e a sede de vingança de Jason são, pois, trabalhados de maneira intensa, levando a momentos de extrema brutalidade e confronto moral na obra.
Quanto a Barbara Gordon, a Batgirl, esta também carrega as suas próprias cicatrizes e traumas, já que um dos Jokers é aquele que a deixou paralisada na icónica história Piada Mortal. A forma como a personagem lida com esse trauma é bem diferente da de Jason: enquanto ele procura vingança, Barbara tenta manter o controlo e ultrapassar esse momento angustiante de um modo mais passivo e menos vingativo. A dinâmica entre estas três personagens é um dos pontos mais interessantes da trama, revelando as suas diferenças na forma de lidar com o passado.
O que me leva a uma questão: Batman é um mero peão nesta história. Continua presente, claro, mas parece aqui marcar presença só para que possamos dizer que é um livro de Batman. Para "cumprir calendário", portanto. Quanto a mim, isso acaba por fazer com que a obra se desfoque em demasia. E que faça com que a própria premissa de existirem, aparentemente, três Jokers não seja totalmente bem aproveitada.
Não me entendam mal: eu diverti-me muito a ler este livro e recomendo-o totalmente para os fãs de Batman. Admito que estava com fome de Batman, estava com fome de Joker e estava com fome de Gotham City. Por isso, e só por si só, eu já ficaria feliz com a existência de mais um livro entre nós. E, além disso, com o foco a ser em Joker, eu não poderia estar mais satisfeito. Gostei do livro, sim, e considero obrigatório para os fãs de Batman. Deixo isso bem claro. Todavia, talvez estivesse à espera de mais.
Voltando à personagem de Batman, a coisa mais interessante neste Três Jokers até é o facto de a história sugerir que o super-herói sempre soube que havia mais de um Joker., o que levanta questões sobre a sua relação com o vilão, adicionando uma camada (ainda) mais complexa à mitologia e vivências passadas da personagem.
A narrativa de Geoff Johns acaba por ser tanto uma homenagem, quanto uma reinterpretação da história de Batman e de Joker. Johns pega em eventos icónicos da série e, com ousadia, recontextualiza-os, dando novas camadas de significado a cada uma das personagens.
Admito que a resposta à questão sobre o "como" e o "porquê" dos três Jokers não me deixou totalmente convencido e que gostaria que o foco total da obra tivesse caído no Joker e não tanto em Batman, Batgirl ou Red Hood, pois há um desvio, algo forçado, do mistério central para se dar destaque a elementos já explorados anteriormente, como o trauma de Jason Todd e de Barbara Gordon. Embora essas questões sejam importantes, e até me tenham agradado ao princípio, também considero que acabam por ofuscar a promessa inicial da história: explicar de forma mais aprofundada a existência dos três Jokers. Ou então, lá está, o livro deveria ter mais páginas para dessa forma poder limar melhor as arestas da trama.
Seja como for, Batman - Três Jokers é uma leitura essencial para fãs do Cavaleiro das Trevas e de Joker. Com uma história bem construída, personagens complexos e uma arte impressionante, não deixa de ser verdade que estamos perante uma das melhores histórias de Batman dos últimos anos. A forma como a história lida com os temas do trauma, da identidade e do legado fazem desta uma obra que merece ser analisada e discutida por muito tempo.
Se a história é complexa e bem esgrimida, as ilustrações de Jason Fabok também são um dos grandes destaques da obra. O traço do autor é detalhado, estilizado e cinematográfico, com cada vinheta a ser meticulosamente construída, com um jogo de luz e sombras que reforça o tom sombrio da narrativa que gostamos de encontrar em Batman.
As texturas das roupas, as marcas no rosto dos personagens, a forma como a chuva escorre pelas ruas de Gotham – tudo isso contribui para uma atmosfera densa e imersiva. O próprio desenho dos três Jokers também merece destaque, pois Fabok consegue diferenciá-los claramente sem perder a essência do vilão. Algo que não era fácil de executar, diria. O "Criminoso" tem uma postura rígida e calculista, com um olhar frio e ameaçador; o "Palhaço" remete-nos para o Joker mais "cartoonesco" das histórias clássicas da série; e o "Comediante" carrega um semblante de sadismo absoluto, evocando a versão de Piada Mortal.
Para além do fantástico desenho - e olhem bem para a forma como a ilustração da capa é linda! - a paleta de cores de Brad Anderson complementa perfeitamente o aspeto visual da obra, destacando o contraste entre neons vibrantes e a escuridão de Gotham.
A edição da Devir é verdadeiramente um mimo para os leitores! O livro apresenta capa dura baça com generosos detalhes com verniz localizado. No miolo, o papel brilhante utilizado é de ótima qualidade, com a impressão e a encadernação do livro a serem bastante boas, também. Em termos de aspeto, diria que é uma edição em tudo mais próxima daquelas que a G. Floy Studio faz das séries americanas que publica, do que das edições que a Levoir apresentou, no passado, para os vários livros de Batman que foi lançando. No final, a edição da Devir contém ainda quatro páginas adicionais que incluem capas alternativas, biografias dos autores e uma contextualização da história.
Em suma, a Devir regressa em grande ao lançamento de comics americanos de super-heróis com este Três Jokers, uma das melhores histórias de Batman dos últimos anos e que, mesmo não sendo perfeita, nos permite mergulhar na mente perturbada de Joker e na influência que o maior vilão de todos os tempos consegue ter junto das personagens (leitores?) que com ele se cruzam.
NOTA FINAL (1/10):
9.3
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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Batman - Três Jokers
Autores: Geoff Johns, Jason Fabok, Brad Anderson
Editora: Devir
Páginas: 164, a cores
Encadernação: Capa dura
Lançamento: Fevereiro de 2025
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