terça-feira, 3 de junho de 2025

O meu Olhar sobre o Festival de Beja 2025


Este ano foi particularmente especial para o Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja, pois aquele que é o segundo mais antigo evento dedicado à banda desenhada em Portugal chegou a um marco importante: o das 20 edições! Com 20 anos de existência, um número bastante redondo, o Festival de Beja é um dos mais consolidados eventos de banda desenhada em Portugal. Como tal, eu não podia deixar de estar presente!

E acho que a primeira nota de agradecimento tem que ir para o Paulo Monteiro. Bem sei que não é o Paulo Monteiro que faz o festival sozinho. Ele recebe ajuda de várias pessoas, sim. Mesmo assim, é o Paulo que "faz acontecer" e é claro que se não houvesse Paulo Monteiro, não haveria Festival de Beja. Ele é espírito e vida do Festival! E se festejamos os 20 anos do Festival de Beja, também devemos festejar os 20 anos de trabalho contínuo que Paulo Monteiro dedicou a este certame. É uma vida! E tudo com uma dedicação, uma generosidade, uma simpatia e uma educação que não me canso de enaltecer!

Estive na inauguração, na passada sexta-feira, e durante o sábado. Como habitual, saí de coração cheio!

Longe do frenesim comercial de maiores convenções e longe da superficialidade muitas vezes associada a eventos mais massificados, o Festival de Beja distingue-se precisamente pela intimidade, pelo calor humano e por uma autenticidade rara. Esta é uma celebração onde a paixão pela nona arte se sobrepõe ao ruído da indústria, onde o foco está nas pessoas, nas histórias e nas ligações humanas que se criam em torno dos livros. Não há nenhum outro evento como este em Portugal!

Até porque uma das características mais especiais do festival é a proximidade real e genuína que se vive entre autores, editores e público. Ao contrário de outros certames, onde os criadores estão muitas vezes distantes, confinados a bancadas comerciais ou enclausurados por horários rígidos, em Beja os autores passeiam pelo evento, sentam-se na esplanada, convivem na rua e almoçam e jantam lado a lado com leitores, como se fossem velhos conhecidos. Esta horizontalidade desconstrói a habitual distância entre artista e público, criando um ambiente de camaradagem que se torna o verdadeiro coração do festival.

Para muitos autores - sejam eles emergentes ou consagrados - o festival representa uma oportunidade de se sentirem parte de uma comunidade. Aqui não há vedetismo; há conversas. Não há pressa; há tempo. Tempo para discutir influências, para trocar livros, para brindar com um copo de vinho ou uma cerveja na mão. A cidade, com o seu ritmo tranquilo e a sua luz quente (muito quente!) acolhe o festival como um anfitrião orgulhoso, e isso faz toda a diferença!

As exposições desta 20ª edição eram muitas e variadas, acolhendo a obra de Achdé, Amanda Baeza, Ana Margarida Matos, "Cadáver Esquisito!", José Lopes, Luís Louro, Mana Neyestani, Montanha de Azeitonas, Paulo J. Mendes, Pierre-Henry Gomont, "Portugal em Bruxelas", Roberta Cirne, Rui Pimentel, "Tales Fromo Nevermore", Theo, Uli Oesterle e Victor Mesquita. Houve, portanto, uma boa dose de ecletismo nas exposições que se apresentaram bem cuidadas ao nível de originais e com um bom trabalho cénico.

Em termos de programação, outro dos pontos fortes foi a riqueza e diversidade da mesma. Não é um festival que se limite à BD portuguesa, pois também consegue atrair autores internacionais de peso, como David Rubín, Achdé, Pierre-Henry Gomont, Theo, Mana Neyestani ou Uli Oesterle, apresentando desta forma uma diversidade de estilos, linguagens e géneros muito distintos. É um evento plural, que valoriza tanto a vanguarda como o classicismo, tanto o underground como o mainstream. Há espaço para todos!

Uma nota positiva tem que ser dada à forma como o auditório (com capacidade para mais de 30 pessoas) está quase sempre apinhado de gente. Isso é ótimo para os autores e editores e não é uma coisa nada comum, como bem sabemos. Paco Cerrejón, responsável pelo Hispacómic - Festival de Banda Desenhada de Sevilha, que também teve uma apresentação, referiu isso mesmo: que é incrível como o auditório das apresentações está sempre muito cheio em Beja. Julgo que para isso contribuirá (mais uma vez!) o esforço pessoal de Paulo Monteiro que, utilizando o microfone, faz a chamada para a apresentação seguinte, bem como a forma assertiva com que as apresentações têm que acabar impreterivelmente à hora marcada, de forma a que a extensa programação não se atrase. Admito que, por vezes, gostaria que as apresentações não fossem tão diminutas em tempo... 15 minutos é pouco. Mesmo assim, também compreendo que é a forma encontrada pela Organização para assegurar que todos têm um pouco do tempo de agenda para apresentar os seus projetos.

Ainda sobre o facto do auditório estar sempre cheio, fiquei bastante surpreendido pela positiva ao verificar que na apresentação do meu livro Muitos Anos a Virar Páginas, que ocorreu às 10h45 da manhã de sábado, a sala estivesse completamente cheia, com várias pessoas de pé.

Uma coisa que apreciei também, foi que, na noite de sábado, as apresentações noturnas tivessem sido feitas no auditório exterior. Isto permite que as apresentações e debates possam ser ouvidas por muito mais gente, propiciando um ambiente descontraído e agradável para todos os envolvidos. Seguramente, é algo a manter em edições futuras!

Para além das apresentações e das exposições, também houve as habituais sessões de autógrafos, concertos desenhados e o mercado do livro que estava muito bem composto com muita e variada banda desenhada.

Voltando ao que mais gosto do Festival de Beja, tenho que referir que se há algo que toca verdadeiramente os visitantes deste certame é o espírito que ali reside. A atmosfera em Beja é leve, acolhedora, familiar. Os almoços e jantares entre autores, editores, leitores e amigos tornam-se muitas vezes os momentos mais memoráveis do evento. São nesses encontros informais que nascem colaborações, ideias e amizades duradouras. E é aqui que Beja se torna diferente de quase tudo o resto.

A organização, liderada por Paulo Monteiro, tem sabido manter este equilíbrio raro entre profissionalismo e paixão, entre curadoria cuidada e espírito comunitário. É um trabalho de amor - e isso sente-se em cada detalhe, desde os cartazes às escolhas dos autores convidados.

Concluindo, o Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja é, acima de tudo, um lugar de encontro. De encontros improváveis, de reencontros com autores favoritos, de descobertas de talentos escondidos.  Uma autêntica concentração de amantes de BD. Da mesma forma que existe, em Faro, a Concentração de Motards, um pouco mais acima, em Beja, existe a Concentração de Bedéfilos. É um espaço onde a BD é celebrada com sinceridade, onde cada leitor é tratado com atenção e onde cada autor sente que faz parte de algo maior. E isso, nos dias que correm, é mais do que especial - é necessário!


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