O tema do holocausto e das atrocidades cometidas pelos nazis perante os judeus, durante o período da Segunda Guerra Mundial, tem sido bastante explorado ao longo dos anos. No cinema, na literatura e, também, na banda desenhada. É verdade que, mais recentemente, na literatura, este é um assunto que tem regressado com renovado destaque, após a publicação com sucesso de alguns livros como O Tatuador de Auschwitz, entre outros, e, por esse motivo, talvez algumas pessoas já comecem a torcer um pouco o nariz a novos livros sobre Auschwitz. Porque pode soar a "mais do mesmo" ou ser sintoma de uma certa tentativa de capitalizar um tema. Não digo que não. Mesmo assim, também não deixa de ser verdade que o assunto do holocausto ainda tem muito para nos revelar e para aumentar o nosso conhecimento sobre esse período negro da história mundial. Mais não seja pela partilha dos testemunhos dos sobreviventes e pela sempre relevância político-social para o tempo atual.
Com efeito, também em banda desenhada são vários os livros sobre o tema. À cabeça, surge-nos o obrigatório Maus, de Art Spiegelman, mas poderíamos nomear muitas outras obras que nos transportam até ao tempo dos campos de concentração controlados pelos nazis. Ainda este ano, por exemplo, a Gradiva editou O Fotógrafo de Mauthausen que, curiosamente, tem como autor Salva Rubio, que também é o argumentista deste A Bibliotecária de Auschwitz, publicado recentemente pela chancela Fábula, da Penguin Random House, que hoje vos trago.
Este é um livro que se baseia no romance original de Antonio Iturbe que, por sua vez, é baseado na história real de Dita Adlerova, uma sobrevivente do holocausto.
Dita Adlerova era uma jovem checa que, com apenas 14 anos, e juntamente com a sua família e tantos outros judeus, foi levada para um dos mais célebres e mortíferos campos de concentração nazis: Auschwitz.
É verdade que Dita e aqueles que a rodeavam tiveram a sorte de irem para uma ala "menos má" de Auschwitz, que deixava as famílias juntas, sem uniforme de prisioneiro, com o intuito de mostrar às entidades externas que os prisioneiros judeus não tinham uma vida assim tão má. Não obstante, a vida de Dita e da sua família foi, como é fácil de imaginar, repleta de privações e de um trauma crescente.
Apesar disso, e como Dita era, duplamente, uma ávida amante de livros e uma corajosa ativista pela cultura, passou a exercer uma importante tarefa no campo de concentração: a de bibliotecária. Função essa que, se descoberta, a levaria à morte. Reunindo um pequeno punhado de livros, Dita arriscou a vida para que crianças e adultos pudessem escapar, nem que fosse por breves momentos, ao terror experienciado no campo de concentração. Logicamente, os livros eram proibidos, portanto, caso fosse descoberta, a morte seria o destino óbvio de Dita. E, ainda por cima, Josef Mengele, o anjo da morte, que fazia experiências atrozes com os judeus do campo - e sobre o qual a editora Levoir também publicou recentemente o muito recomendável O Desaparecimento de Josef Mengele, de Matz e Jörg Mailliet - parecia ter uma especial atenção em Dita.
A história é centrada na ideia de que a literatura pode ser uma forma de resistência. Tornando-se bibliotecária de um pequeno acervo de livros no campo, Dita simboliza a luta pela preservação da cultura e da identidade, mesmo em face da desumanização.
Salva Rubio, o argumentista deste A Bibliotecária de Auschwitz, consegue aqui um belo feito de, por um lado, conseguir adaptar de forma satisfatória a obra original - ainda que resumindo-a à sua essência, claro está - e, por outro lado, logrando fazer deste livro uma leitura adequada para jovens leitores. E adultos, claro. É verdade que o tema é pesado e que, devido a isso mesmo, este livro apresenta imagens que têm alguma violência. Mesmo assim, a abordagem do ponto de vista textual e narrativo tenta ser um pouco mais leve, de forma a que a história possa chegar aos mais jovens sem dramatizar de forma excessiva. Considero que não é um equilíbrio fácil, mas que é algo bem conseguido neste livro.
Já as ilustrações de Loreto Aroca, também foram uma agradável surpresa. A autora tem um traço moderno, semi-caricatural, de estilo europeu, que capta muito bem a expressividade necessária para esta obra, sendo também - e em consonância com o argumento - de fácil acesso por qualquer leitor. Os desenhos intensificam as emoções e os temas tratados, mas sempre de uma forma acessível. É verdade que, tal como já referido, há algumas ilustrações que poderão impressionar leitores mais jovens mas, lá está, estamos a falar de um livro sobre Auschwitz, portanto não podemos esperar que seja uma história do estilo dos Ursinhos Carinhosos. Não será um livro para crianças abaixo dos dez anos, mas, quanto a mim, extremamente adequado para pré-adolescentes e adolescentes.
Loreto Aroca também é bem sucedida ao dar-nos uma planificação que tenta não se repetir, de modo a oferecer-nos uma boa fluidez de leitura, enquanto que os diversos momentos de medo e pesadelos vivenciados por Dita também permitem diversidade à componente visual do livro. Pode não ser uma obra que consideremos graficamente "linda", mas também não lhe podemos apontar defeitos. De um modo geral, está tudo bastante bem feito.
A edição da Fábula (do grupo editorial Penguin Random House) apresenta capa dura baça, bom papel baço no interior, e um bom trabalho ao nível de impressão e encadernação. O livro vem acompanhado ainda de um belo dossier de extras, com dez páginas, onde nos são dadas mais informações sobre os campos de concentração controlados pelos nazis e sobre algumas das personagens reais que aparecem no livro, bem como esboços de personagens ou a demonstração da criação de uma página, desde o guião, até à arte final. Extras que são muito bem-vindos. Mesmo assim, como nota negativa, há que realçar que se lamenta que a edição portuguesa tenha dimensões mais pequenas do que as versões espanhola e, especialmente, francesa da obra.
Em suma, A Bibliotecária de Auschwitz é uma banda desenhada que surpreende pela positiva, ao conseguir um bom equilíbrio com a sua abordagem leve a um tema tão pesado como o holocausto. Mais do que uma história sobre a brutalidade da guerra, é uma celebração da resiliência do espírito humano, convidando os leitores a refletir sobre a importância da literatura, da memória e da amizade, mesmo nas situações mais sombrias.
NOTA FINAL (1/10):
8.5
Convite: Passem na página de instagram do Vinheta 2020 para verem mais imagens do álbum. www.instagram.com/vinheta_2020
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A Bibliotecária de Auschwitz
Autores: Salva Rubio e Loreto Aroca
Adaptado a partir da obra original de Antonio Iturbe
Editora: Fábula (Penguin Random House)
Páginas: 144, a cores
Encadernação: Capa dura
Formato: 170 x 240 mm
Lançamento: Outubro de 2024
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